A jurista Sara Araújo, em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” discorre sobre o Direito moderno ter sido criado para ser uma ferramenta de defesa e legitimação do Estado de Direito. Desse modo, uma ferramenta de defesa não apenas dos grupos dominantes, mas também de legitimação do pensamento capitalista neoliberal e colonialista que exporta a forma de conhecimento para o restante do mundo de modo a excluir qualquer produção de conhecimento contra--hegemônico. Em outras palavras, Sara Araújo compreende o Direito moderno como sendo o meio de reprodução daquilo que ficou conhecido como uma Epistemologia do Norte, ou seja, todo conhecimento produzido sobretudo pelas grandes potências capitalistas.
Essas Epstemologias do Norte
transcendem o Norte e atingem o Sul, tanto geográfico quanto social. Com isso,
gera-se a exclusão de outras formas de conhecimento (as Epstemologias do Sul)
que não condizem com aquilo posto pelo hegemônico. Isto é, a Epstemologia do
Norte expande-se de uma forma falsamente global, uma vez que não abrange a
universalidade das questões sociais, políticas e econômicas, sufocando e
deslegitimando como ciências as demais formas de conhecimento. Nesse contexto,
cabe às Epstemologias do Sul lutarem e serem mobilizadas afim de tornar o
Direito uma ferramenta de justiça de fato, isto é, ser trabalhado para trazer
dignidade e garantia de direitos a todos e não apenas aqueles que pertençam à
classe dominante.
Nesse sentido, quando se analisa a
ADPF 467 MC/MG percebe-se claramente o confronto entre as Epstemologias do
Norte e do Sul.
Se por um lado encontra-se no Art. 2º,
e 3º, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga a
proibição da “educação de gênero”, por outro há uma mobilização do Direito por
grupos LGBTQ+ pela suspenção desses artigos.
Traduzindo para uma linguagem menos
jurídica, por intermédio de lei acima citada, o Município de Ipatinga, em Minas
Gerais, objetiva excluir da sociedade civil grupos que não se enquadrem na
normatividade hetero e cis. Todavia, os grupos agredidos por essa lei passam a
mobilizar o Direito na tentativa de se legitimar suas próprias experiências que
são invisibilizadas pela regência dessa lei.
De forma resumida, a Arguição chega
ao Supremo Tribunal Federal (STF) que defere o pedido de suspensão dos Arts. 2º
e 3º da referida lei, a qual descumpre os seguintes preceitos fundamentais: “construir
uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3o, I); o direito à igualdade
(art. 5o, caput); a vedação à censura em atividades culturais (art. 5o, IX); o
devido processo legal substantivo (art. 5o, LIV); a laicidade do Estado (art.
19, I); a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases
da educação nacional (art. 22, XXIV); o pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas (art. 206, I); o direito à liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II).
Nesse sentido, apesar de a lei do Município de Ipatinga representar muito daquilo que se defende pelo Estado brasileiro atualmente, o STF proporcionou o entendimento de que tal lei fere muito daquilo que é defendido pelo Bloco de Constitucionalidade nacional, não sendo possível permanecer no ordenamento jurídico.
Vítor Salvador Garcia Lopes - MATUTINO
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