As definições de direito público e de direito privado são diversas. Há aqueles que consideram como direito público toda organização jurídica que crie um regulamento, ou a expressão da dinâmica da administração, ou ainda, o direito no qual uma das partes tem poder de mando. Já em relação ao direito privado, acredita-se que este está presente nas relações que envolvem o poder familiar, uma vez que a autoridade do pai está baseada no direito privado; da mesma forma é vista toda organização jurídica que indique direito subjetivo adquirido, como também as organizações cujas partes são consideradas juridicamente iguais, pois os indivíduos que as constituem são dotados de direitos civis.
O que ocorre, na verdade, é que essa tentativa de definição provoca uma confusão de conceitos e não obtém êxito, uma vez que não se sabe, claramente, quais são as fronteiras entre os direitos público e privado. De fato, tais fronteiras não são muito visíveis, nem tão bem delimitadas e esta imprecisão não é apenas teórica, mas está visível, constantemente, na prática. Um exemplo é a utilização do cenário público e de tudo o que o constitui para fins privados e esta apropriação de bens públicos (diz-se, de todos) para usufruto pessoal tem feito com que, cada vez mais, o privado se sobreponha ao público.
A supremacia do privado em relação ao público ocorre não apenas no cenário jurídico; faz-se presente de forma relevante no ambiente social como um todo, abrangendo seus aspectos socioculturais e contribuindo com a complexidade da chamada sociedade real.
Talvez por influência do Liberalismo, ou até mesmo influenciados por uma sociedade muito mais capitalista e permeada por contratos a todo o momento, os indivíduos estão cada vez mais individualistas. Embora seja expressiva a prática patrimonialista, a individualidade e a preferência pelo privado podem ser percebidas, por exemplo, na aquisição de bens e serviços ao invés de usufruir do que é disponibilizado pelo sistema estatal. É o que se observa na utilização de planos de saúde, na escola particular para os filhos e no carro próprio ao invés do transporte público, presente cada vez mais nas garagens de membros das diversas classes sociais. A justificativa para isso é muito conhecida e até plausível: a ineficiência governamental para disponibilizar bens e serviços de boa qualidade para todos; no entanto, a maioria das pessoas limita-se a pronunciá-la ao invés de reivindicar melhorias ou ser mais consciente ao exercer sua cidadania, periodicamente, nas eleições.
Na verdade, percebe-se que o privado é mais cômodo e até mais confortável. Recorre-se ao público apenas em último caso, quando é conveniente (no que tange ao patrimonialismo) ou extremamente necessário. Por isso, quando o poder aquisitivo é razoavelmente capaz de proporcionar o mínimo de conforto (privado), muitos, até mesmo inconscientemente, vivem sem maiores preocupações com o dia a dia do cenário público.
Ainda sobre a concepção de fronteiras entre os direitos público e privado, como também à ausência de separação de assuntos públicos dos assuntos privados, está relacionada a problemática da ruptura da ideia de limite à ação do poder político e a aproximação do governo da aplicação do Direito, contribuindo de um lado para a judicialização da política, e de outro, para a politização do judiciário. O que se percebe em ambos os casos é, de fato, uma séria falta de limites e a necessidade de cada órgão se concentrar na sua área de atuação, ou melhor, na qual deveria atuar.
Para finalizar essa discussão sobre alguns pontos essenciais da sociedade real de Max Weber (posicionado entre os positivistas e os marxistas), não se pode esquecer que há também situações nas quais inexiste o direito privado em razão da hipertrofia do governo. Nesses casos, ocorre a extensão da atuação estatal e os “tentáculos” do Estado permeiam todo o cenário social. Um exemplo disso é, sem dúvidas, Cuba, com seus inspetores de quarteirão e de salas de aula atuando na limitação do direito privado.