Com o advento do capitalismo, no início do
século XIX, começam a surgir ideias que condenam as relações econômicas,
produtivas, sociais, etc., de tal modelo econômico e assim, surge o
materialismo histórico dialético, de Karl Marx e Friedrich Engels. Esses
autores, ao invés de apenas interpretarem o mundo como os filósofos haviam
feito até então, também criaram propostas para mudança, para transformar o
mundo, tanto que grande parte de suas obras, como o Manifesto Comunista, foram
elaboradas em forma de panfletos para conscientizar a classe trabalhadora em
relação ao período ao qual ela estava vivendo e propor uma mudança. Esse
pensamento marxista é influenciado por várias correntes filosóficas, entre elas
o Socialismo Utópico e o Idealismo Alemão.
O Socialismo Utópico influencia no
materialismo histórico dialético pois defende essa ideia, também defendida por
Marx e Engels, de transformar o mundo a fim de que o mesmo seja centrado na
classe trabalhadora. Porém, como a crítica marxista é um aspecto muito
importante para uma profunda compreensão e análise do que esta sendo estudado, os
dois criticam os pensadores adeptos ao Socialismo Utópico pois os filósofos que
defendiam essa teoria acreditavam que a construção do socialismo viria “de
cima”, trazida por “homens iluminados”, não acreditando que a classe
trabalhadora conseguiria fazer tal mudança por si mesma. Em contrapartida, Marx
e Engels defendiam que a revolução seria realizada pela classe trabalhadora e,
por esse motivo, eles fazem suas obras baseadas em uma proposta panfletária
para que a mesma “acorde” e perceba como está sendo injustiçada e “massacrada”
pelo sistema capitalista da época e resolva lutar contra isso.
O Idealismo Alemão tem foco nas ideias,
remetendo de certa forma à Platão, de modo que as mesmas possuem um plano
próprio e não podem ser materializadas no nosso plano, o plano físico. Nesse
sentido, surge o idealismo Hegeliano (de Friedrich Hegel, que foi um importante
representante do Idealismo Alemão), o qual apresenta que estamos em um
movimento histórico e a realidade que estamos vivendo agora é resultado de
conflitos existentes nas realidades anteriores à nossa. Assim, Hegel entende
que o nosso mundo é uma reflexão imperfeita do mundo das ideias e que por meio
desses conflitos, contradições, as reproduções materiais vão se aproximando
cada vez mais das ideias perfeitas, entretanto sem nunca alcançá-las, e, ao
mesmo tempo, nós avançamos na história, movimentando-a. Nesse sentido temos o
exemplo do direito, que se auto-dinamiza pois existem contradições na concepção
de justiça, de democracia, que fazem com que seja necessária a nossa constante
transformação para chegarmos mais próximos daquela ideia perfeita de justiça. E
é esse complexo de contradições internas, do ser enquanto movimento, que vai
influenciar as ideias de Marx e Engels.
Dessa maneira, Marx vai buscar analisar o
capitalismo, compreendendo todas as relações sociais que estão,
consequentemente, muito atreladas a tal teoria econômica, de modo que o
direito, a política, a cultura, a moral, a educação, todos os aspectos da vida
social são condicionados por essas relações de produção. Na atualidade, com o
neoliberalismo, a classe trabalhadora foi cada vez mais prejudicada com a
flexibilização das leis trabalhistas a fim de favorecer as empresas e atrair,
por exemplo, indústrias para o país e, o trabalho passa de permanente a
contingente, de modo que caso o trabalhador seja demitido, ele irá se culpar
por não ter se inovado, se modificado, suficientemente para atender às necessidades
da empresa (na atualidade, o trabalhador é o empreendedor de si mesmo e
portanto, deve arcar com as consequências de suas escolhas), como é evidenciado
no livro de Richard Sennett, na frase de seu personagem, Rico, quando o mesmo é
contestado do porquê não protestou ao ser demitido: “Claro, eu fiquei furioso,
mas isso não adianta nada. Não havia nada de injusto no fato de a empresa
enxugar suas operações. O que quer que tenha acontecido eu tinha de lidar com
as consequências”¹.
Com o advento da tecnologia, os trabalhadores passaram a trabalhar em tempo integral e isso acabou por acarretar no adoecimento dos mesmos no trabalho. “A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais ‘sujeitos da obediência’, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos.”² Assim, atualmente, encontramos uma positividade do poder, que é bem mais eficiente que a negatividade do dever³ e é essa pressão de desempenho que acaba acarretando no adoecimento durante o trabalho, levando o trabalhador, por exemplo, à depressão⁴. Com isso, a tal sociedade do cansaço, como Byung-Chul Han chama a sociedade atual, acaba por se desdobrar na sociedade do doping pois o mesmo possibilita um maior desempenho e o homem acaba se transformando “numa máquina de desempenho”⁵, acarretando em um aumento no uso de narcóticos e estimulantes, como por exemplo a heroína e a cocaína. Cabe destacar, ainda, que “o cansaço da sociedade do desempenho é um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando”⁶.
Fazendo uma análise da sociedade atual, podemos compreender o porquê de o materialismo histórico dialético não conseguir adentrar muito na consciência da população. Em primeiro lugar, temos a incorporação da forma de ser da classe dominante, que na atualidade é a burguesia, pela grande maioria da população exatamente para conseguir manter essa ordem instituída, convencendo a todos que essa organização das relações sociais, das relações políticas, é a mais equilibrada e ideal, como pode ser observado em A Ideologia Alemã, de Marx e Engels: “A classe que dispõe da produção material dispõe também dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante”⁷. Em segundo lugar, temos a dificuldade em conseguir que a classe trabalhadora e oprimida atualmente se junte para lutar contra a classe dominante e conseguir melhores condições, instaurando o socialismo. Isso ocorre pois, como o sociólogo Zygmunt Bauman apresentou em seu livro Modernidade Líquida, a modernidade tem como elemento central a existência do individualismo⁸. Nesse sentido, as pessoas passaram a ser individualistas, deixando de se preocuparem com o bem-estar coletivo e com o funcionamento da sociedade em geral, por esse motivo, é muito difícil conseguir unir os indivíduos para lutar por um objetivo comum quando, muitas vezes, buscam apenas lucrar cada vez mais e não se importam em utilizar outras pessoas como degraus para atingir o seu sucesso individual. E, dessa forma, vem ganhando destaque, aos poucos, o egoísmo e a falta de empatia na sociedade do século XXI ao ponto que uma crescente economia se torna mais importante que um acesso à saúde e à educação adequados. Assim, nos tornamos mosqueteiros solitários, traímos nossos companheiros por uma “sacola de dinheiro”, consumidos pela ganância e pela insensibilidade, vivendo em uma sociedade que passou do um por todos e todos por um para o eu por mim mesmo, isso sim!
Júlia
Martins Amaral – 1º Ano – Direito Matutino
¹ SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 14ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 30.
² HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª ed. ampliada, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2017, p. 23.
³ HAN, 2017, p. 25.
⁴ HAN, 2017, p. 27.
⁵ HAN, 2017, p. 70.
⁶ HAN, 2017, p. 71.
⁷ MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A
Ideologia Alemã. Tradução de Luis Claudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 48.
⁸ BAUMAN,
Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, p. 39.