A
normatização para controle das relações humanas que não apresentam qualquer
advertência moral ou qualquer casuística, é carecedora de um sistema que
imponha deveres de forma justificada. Se o pensamento jurídico não for
estimulado a uma ocupação construtiva que possa ser utilizada na prática, os
aplicadores do direito, assim como aqueles que são obrigados por ele, apenas
são levados a aceitar máximas universais e indiscutíveis. Contrapõe-se, portanto
o direito formal e o direito material.
Compreende-se,
e é justificável, que a função do Estado Democrático de Direito é eliminar
pessoalidades e ser, portanto, imparcial e isso é ser racional para a
sociologia moderna weberiana. Contudo, pelo fato de existirem diversas classes
sociais, com culturas diversificadas, o direito deve se encaminhar para uma
pluralização de valores e não para perspectivas abstratas que não visam
contemplar a sociedade como um todo.
Deve
ser considerada a racionalidade material e prática, na qual indivíduos
diferentes projetam expectativas de racionalidades diferentes, considerando
determinados valores como uma variável no cálculo para atingir determinado fim.
A razoabilidade e valoração são instrumentos essenciais para que sejam
solucionados conflitos na realidade.
A
ação de reintegração de posse impetrada por uma empresa particular, com vistas
a reaver sua posse no local onde se estabeleceu a comunidade do Bairro Pinheirinho,
demonstra como a racionalidade formal se sobrepôs à racionalidade material. No
julgamento que impôs, de forma tirânica e violenta, a expulsão dos integrantes
e moradores do bairro que ali se estabeleceram e deram à propriedade sentido à
função social que ela deveria representar, aponta para a hierarquização entre
dois direitos fundamentais: o direito à propriedade e o direito à moradia, juntamente
com o princípio mais importante que regula o direito civil das coisas, que é a
função social da propriedade.
A
juíza responsável pelo julgamento da causa não se utilizou de austeras regras
de direito, mas sim de sentenças com caráter de postulados, não considerando uma
sensível influência dos princípios ao decidir o caso de centenas de moradores
que tiveram suas vidas mazeladas. Utilizou-se de argumentos para defender à
reintegração alegando que a mera tolerância daquele povo no local não era justo
motivo para se alegar a perda da posse. Além disso, tais pessoas não poderiam se
valer de escusas da lei para uma perpetrarem uma ocupação irregular, alegando
principalmente que a falta de moradia enfrentada principalmente por integrantes
do MST, foi causada pela omissão dos poderes públicos. Utilizou-se de demais
outros aspectos jurídicos de natureza do direito material para justificar o
direito à propriedade da empresa Selecta, massa falida e proprietária do
terreno, esta que tinha o poder sobre a propriedade com muitas irregularidades
constatadas.
Em
suma, as fontes naturalistas, provindas de um direito do povo, é que deveriam
se sobrepor a um direito engessado, aplicado apenas com a subsunção, sem o mínimo
de interpretação sociológica. Nenhuma norma deve limitar o direito à posse produtiva
com bases em uma simples norma formal-jurídica. O ideal é que o direito formal se
transforme em um direito natural material, quando a aplicação de um direito não
dependerá mais de características formal-jurídicas, mas sim de características
materiais-econômicas. Idealismo esse que não foi aplicado no caso da
reintegração de posse do Bairro Pinheirinho, sendo apenas considerado um
direito formalista, descaracterizando o sopesar entre direitos, quando o
direito à moradia deveria ter sido mais valorado.
Heloise Moraes Souza - Diurno