28 de outubro de 1916
Por
Dr. Sigmund Freud.
Ele se apresentou
como David[1], o bigode era vultoso e encontrava-se com a volumosa barba que
cobria grande parte do rosto, entretanto era calvo e usava óculos arredondados.
Nosso dialogo se fez em francês, David era difícil, respondia poucas perguntas,
disse ser professor universitário e que passou a ter sonhos agitados após a
morte de seu filho André, morto lutando na guerra em dezembro do ano passado. Os sonhos de maneira recorrente eram associados a
símbolos judaicos, como sinagogas e rabinos. David, apresentava um estado quase
crítico, em determinado momento pedi que deitasse e fechasse os olhos para se
concentrar nas lembranças, entretanto ele de maneira insistente falava: “suicídio, tanto o estudei, mas só agora
pareço me ver em sua presença! ”. Comecei a explorar esses devaneios
agitados.
David começou a
cooperar mais depois de alguns minutos:
– Por que estudou
o suicídio?
– Em minha
carreira acadêmica busquei demostrar o quanto que um ato individual como o
suicídio, pode ser influenciado pelo meio social que o rodeia, desta forma teria a prova da
necessidade de uma nova ciência. – Ele falou com uma certa dificuldade,
balbuciava com frequência, o que me obrigou a ficar bem próximo para
compreendê-lo –.
Tentei de maneira
insistente retornar a temática dos sonhos, o pouco que extraí foi que David
pertencia a uma família de longa tradição rabínica, mas tomou para sua vida uma
ética ateísta. Segundo David, sempre esteve próximo da família, mas concebia a
fé mais como um produto do meio em que vivia do que uma revelação divina, apesar de
seu estado, revelava uma grande erudição. Por conseguinte, após uma pausa ele
retornou a dialogar:
– Sua família é de
qual região da França, Sr. David?
– Épinal, em
Lorena, a cidade é cortada pelo Rio Mosela.
– Tem mantido
correspondência com sua família ou amigos?
– Não, ando
exausto para correspondências, meus dias em Paris resumem-se a sonhos,
devaneios e releitura de meus escritos.
– Poderia me
contar acerca de seus escritos?
– Einen Augenblick...– ele me pediu um
momento, não imagina que falava tão bem o alemão[2], depois de um tempo
retornou ao raciocínio – em breves palavras diria que minha dedicação durante
meu período intelectualmente produtivo foi demostrar que existem certos fatos sociais que são externos aos indivíduos e que atuam de forma fixa ou não, exercendo
coerção sobre o indivíduo, acho que essa é a simplificação grosseira correta –
aquele esforço foi extremamente exaustivo para ele, aparentava uma grande
exaustão física e mental, com dificuldade, levantou-se do divã, agradeceu com um aperto de mãos
e saiu –.
Corri atrás dele
pelos corredores, quando o alcancei já estava descendo as escadas, tentei
remarcar uma nova análise, mas ele se recusou, disse que precisava retornar o
quanto antes para Paris e que não poderia permanecer em Viena. Quando se virou
eu lhe disse:
– Também sou
judeu, se isso servir de persuasão para o senhor permanecer em Viena, sei que
temos dificuldades em nos revelarmos como judeus atualmente, se é que algum dia
não tivemos dificuldades.
– Infelizmente não
posso Sr. Freud... adeus!
[1] “David”, era o primeiro nome de Émile
Durkheim, nascido em 15 de abril de 1858, faleceu em 15 de novembro de 1917,
vítima de um AVC, sua saúde começou a piorar logo após a morte de seu filho André, em 1915.
[2] em 1885, Durkheim decidiu ir estudar na
Alemanha, onde, por dois anos, estudou sociologia em Marburgo, Berlim e
Leipzig.
(O diário é ficcional)
Luis
Gustavo da Silva/Matutino