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sábado, 1 de agosto de 2020

Durkheim no Divã



  28 de outubro de 1916
Por Dr. Sigmund Freud.

Ele se apresentou como David[1], o bigode era vultoso e encontrava-se com a volumosa barba que cobria grande parte do rosto, entretanto era calvo e usava óculos arredondados. Nosso dialogo se fez em francês, David era difícil, respondia poucas perguntas, disse ser professor universitário e que passou a ter sonhos agitados após a morte de seu filho André, morto lutando na guerra em dezembro do ano passado. Os sonhos de maneira recorrente eram associados a símbolos judaicos, como sinagogas e rabinos. David, apresentava um estado quase crítico, em determinado momento pedi que deitasse e fechasse os olhos para se concentrar nas lembranças, entretanto ele de maneira insistente falava: “suicídio, tanto o estudei, mas só agora pareço me ver em sua presença! ”. Comecei a explorar esses devaneios agitados.
David começou a cooperar mais depois de alguns minutos:
–  Por que estudou o suicídio?
– Em minha carreira acadêmica busquei demostrar o quanto que um ato individual como o suicídio, pode ser influenciado pelo meio social que o rodeia, desta forma teria a prova da necessidade de uma nova ciência. – Ele falou com uma certa dificuldade, balbuciava com frequência, o que me obrigou a ficar bem próximo para compreendê-lo –.
Tentei de maneira insistente retornar a temática dos sonhos, o pouco que extraí foi que David pertencia a uma família de longa tradição rabínica, mas tomou para sua vida uma ética ateísta. Segundo David, sempre esteve próximo da família, mas concebia a fé mais como um produto do meio em que vivia do que uma revelação divina, apesar de seu estado, revelava uma grande erudição. Por conseguinte, após uma pausa ele retornou a dialogar:
 Sua família é de qual região da França, Sr. David?
 Épinal, em Lorena, a cidade é cortada pelo Rio Mosela.
 Tem mantido correspondência com sua família ou amigos?
 Não, ando exausto para correspondências, meus dias em Paris resumem-se a sonhos, devaneios e releitura de meus escritos.
 Poderia me contar acerca de seus escritos?
 Einen Augenblick...– ele me pediu um momento, não imagina que falava tão bem o alemão[2], depois de um tempo retornou ao raciocínio – em breves palavras diria que minha dedicação durante meu período intelectualmente produtivo foi demostrar que existem certos fatos sociais que são externos aos indivíduos e que atuam de forma fixa ou não, exercendo coerção sobre o indivíduo, acho que essa é a simplificação grosseira correta – aquele esforço foi extremamente exaustivo para ele, aparentava uma grande exaustão física e mental, com dificuldade, levantou-se do divã, agradeceu com um aperto de mãos e saiu –.
Corri atrás dele pelos corredores, quando o alcancei já estava descendo as escadas, tentei remarcar uma nova análise, mas ele se recusou, disse que precisava retornar o quanto antes para Paris e que não poderia permanecer em Viena. Quando se virou eu lhe disse: 
 Também sou judeu, se isso servir de persuasão para o senhor permanecer em Viena, sei que temos dificuldades em nos revelarmos como judeus atualmente, se é que algum dia não tivemos dificuldades.
 Infelizmente não posso Sr. Freud... adeus!

[1] “David”, era o primeiro nome de Émile Durkheim, nascido em 15 de abril de 1858, faleceu em 15 de novembro de 1917, vítima de um AVC, sua saúde começou a piorar logo após a morte de seu filho André, em 1915. 
[2] em 1885, Durkheim decidiu ir estudar na Alemanha, onde, por dois anos, estudou sociologia em Marburgo, Berlim e Leipzig.

(O diário é ficcional)

Luis Gustavo da Silva/Matutino