O colonialismo e o neocolonialismo(imperialismo) fomentaram em países hodiernamente considerados subdesenvolvidos, uma linha abissal que transforma o modo como esse países e seus cidadãos são vistos e incluídos em relações internas e externas. Essa linha abissal, segundo Sara Araújo, propõe a divisão, utilizando critérios hegemônicos e eurocêntricos, entre aqueles que são considerados dignos, desenvolvidos, cultos, produtores de riqueza e ciência e aqueles que não são. Deste modo, todos que não se enquadram em um cânone hegemônico, são marginalizados e considerados invisíveis quanto as suas formas de saber, cultura e raça. Além disso, torna-se importante notar, partindo dos conceitos de Pierre Bourdieu, que essa hierarquização histórica proposta, tem como uma de suas principais bases, a utilização de um capital simbólico, dado que os processos colonizadores se engendraram em uma dominância cultural que reconhecia o conhecimento e a expertise(capital cultural) como fatores qualificadores e permissivos para exercer o poder e a violência. A força militar e econômica não foi e não é o único modo de contribuir com desigualdades e formação de seres invisíveis. Com isto, como é possível permitir a maior participação de atores excluídos e suas respectivas culturas e formas de saber, no cenário nacional e internacional?
O direito, mesmo sendo criado
com característica abstrata e de razão metonímica, que reflete o pensamento
hegemônico,eurocêntrico, masculino, branco e heterossexual, pode incluir atores
minoritários através de uma leitura crítica que considere a realidade fática material
e a possibilidade de garantir direitos. Trata-se da incorporação da
magistratura de sujeitos e mobilização do direito para enfrentar a marginalização.
Em primeiro plano, as
democracias contemporâneas, segundo Antonie Garapon, amplificam a necessidade de
atuação da justiça. Esta acaba tendo função de apaziguar o molestar do indivíduo
sofredor moderno, incorporando o que é chamado de “magistratura do sujeito”,
uma capacidade de amparar o sujeito em busca de prerrogativas e devolver a este
toda a dignidade e capacidade democrática que lhe é aferida formalmente. Deste
modo, nota-se que tal forma de ver o direito é plenamente capaz de interpretar a Constituição e legislações ordinárias
a partir do desenvolvimento da situação fática, levando o entendimento da
necessidade de decisões que desconstruam o direito e a ciência hegemônica e
busquem a efetividade de garantias normativas àqueles que desde a colonização
estão marginalizados do corpo social, econômico e político. Além disso, também
é necessário, segundo o ministro do STF Luís Roberto Barroso, uma dose de
ousadia e de análise do sentido social e histórico na interpretação normativa,
fazendo com que o juiz “empurre” a história quando ela emperra. Tal ousadia e
fundamentos interpretativos são importantes para enfrentar relações de poder criadoras
da linha abissal.
Em segundo plano, como
dito já em texto anterior, a garantia de direitos, geralmente, não está restrita
somente à ação do judiciário, dado que há uma participação dos mais diversos
atores sociais. Tal participação é estuda por Michael McCann como uma
mobilização do direito, ações de indivíduos,
grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. A
mobilização aparece como mecanismo essencial para pressionar os poderes
políticos quando estes, em especial, o judiciário, não ultrapassam as relações
de poder. Ademais, parte de um movimento do povo para garantir prerrogativas
para o povo, uma vez que é representado ,em sua maioria das vezes, por
movimentos sociais engendrados de consciência de classe e senso histórico.
Deste modo, consolidam-se como a primeira trincheira de mobilização para fomentar
amparo jurídico e desconstruir a linha abissal. Nota-se a importância dessa
mobilização em momentos de tentativa de retrocesso de direitos, como a ADPF 186
,ajuizada pelo DEM, com o intuito de conseguir a inconstitucionalidade das
cotas raciais. O partido referido, como claro representante de classes dominantes,
tentou impedir o cumprimento de uma
dívida histórica que o Brasil tem com a população negra. O STF julgou
totalmente improcedente a arguição, influenciados claramente por uma
magistratura do sujeito e também por uma capacidade de mobilização. Por fim, a
mobilização no direito internacional também é fundamental para alterar o
panorama de países subdesenvolvidos e o imperialismo contemporâneo. Muitas
vezes ONGs internacionais criam suas estratégias de ação por meio da junção de
diferentes atores sociais no mundo todo, com mobilização tanto física quanto
digital, visando o a implantação de acordos e tratados internacionais e a materialização destes.