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sábado, 24 de maio de 2025

RACISMO NA HISTÓRIA: INSTRUMENTALIZAÇÃO DA AUTORIDADE

No capítulo “Raça e história”, da obra “Racismo estrutural”, o pensador político Silvio Almeida argumenta que a discriminação (racial) tem como requisito a detenção do poder, ou seja, a atribuição da autoridade a certo grupo social, o qual direciona um tratamento díspar aos demais de acordo com critérios pré-concebidos, como a raça. A autoridade, por sua vez, é um conceito definido pelo sociólogo Max Weber como o fator de legitimação da dominação, isto é, o que leva à aceitação racional do domínio de outrem sobre si, e pode ser expressa de diversas formas distintas (racional-legal, tradicional, institucional e carismática). Sob ambas as perspectivas, compreender-se-á a relação íntima entre a dominação racista e as múltiplas autoridades que lhe conferem legitimidade.  

Ao analisar o período do Neocolonialismo, ocorrido durante o Século XIX, Almeida afirma que o homem europeu era visto como um ideal universal de ser humano, um “tipo ideal” weberiano, que representava a modernidade e o progresso, ascendentes na época e, por isso, cabia a ele o “fardo” de levar a civilização moderna aos povos “selvagens” de todas as outras etnias não-europeias. Desse modo, sob a análise weberiana, o colonizador teria a autoridade racional-legal, legitimada pela racionalidade - a qual seria expressa pela legislação e pela ciência da época, por meio, por exemplo, de correntes pseudocientíficas, como o darwinismo social e a “teoria das raças” - , para ocupar outros territórios e subjugar suas populações. Outrossim, a legitimação da eugenia não deu-se apenas por meio da racionalidade, sendo sustentada pela autoridade racional-legal da ciência, mas também pela religião, cuja autoridade tradicional, incorporadas pelos jesuítas, por exemplo, apoiava-se no discurso evangelizador de salvar os povos não-cristãos da barbárie para acobertar a intenção de aculturá-los. 

Ademais, Weber define como “autoridade institucional” aquela que, advinda da administração burocrática, efetiva sua dominação sobre determinado grupo pressionando a ação deste ao enquadramento na norma estabelecida. Exemplo histórico de instrumentalização dessa autoridade é o período pós-abolição da escravatura no Brasil, quando a “Lei da vadiagem” atribuiu aos detentores da “força legítima do Estado”, ou por outra, aos agentes de segurança pública, a autoridade para determinar quem poderia ter direito à liberdade de fato. Destarte, tal lei evidencia a pretensão da elite racista da época de, por meio de uma autoridade legalmente legitimada, encarcerar a população preta recém liberta, com a justificativa de estar corrigindo o comportamento negro desviado (vadiagem) das “condutas expectáveis”, como preconiza Weber, moralmente estabelecidas naquela sociedade (valorizar o trabalho). Nota-se, portanto, a desconsideração do cenário enfrentado pela população agora livre da escravidão, cujas demandas por condições mínimas de sobrevivência foram ignoradas pelo governo brasileiro, uma forma de “discriminação indireta”, segundo Almeida, justamente com o fito de manter a dominação exercida pela autoridade estatal sobre os afrobrasilieros mesmo após oficializada sua libertação.


Por fim, na hodiernidade, vê-se uma expressão mais velada, mas não menos destrutiva, do racismo: a forma estrutural, isto é, que está intrincada ao subconsciente da sociedade e às instituições desta, sem assumi-lo explicitamente, contudo. Concomitantemente à autoridade institucional já citada, a qual segue, até hoje, legitimando o controle dos corpos e mentes negros, a exemplo da sistemática violência policial, tem-se a sustentação da hegemonia branca no poder pela perpetuação de “consensos”, nas palavras de Almeida, na sociedade que normalizam a dominação e impõe a supremacia dos próprios padrões de vida. Ainda, ao exemplificar, vê-se a grande articulação pela elite racista contemporânea dos “tipos ideais”, no senso comum, do homem branco como “cidadão de bem”, referencial de santidade, honestidade e bom caráter, em contraposição ao do homem negro, como preguiçoso, violento e potencialmente marginal. Dessarte, em função da construção ideológica de imagens tão antagônicas da população branca em relação à população racializada, a autoridade carismática é um grande privilégio concedido à branquitude, já que esta se vale da meritocracia, alegando superioridade de suas atribuições pessoais para receber reconhecimento e prestígio social, quando, na realidade material, trata-se da detenção de condições desiguais às da classe negra, estigmatizada como inferior nos mais diversos âmbitos.


Texto 5 (Max Weber e Silvio Almeida, tema: "AUTORIDADE")


Laura Xavier de Oliveira - 1°ano - Direito (matutino)

Racismo Estrutural de Silvio Almeida a partir de Weber e o poder.

 

Toda sociedade é composta por indivíduos distintos, capazes de terem diferentes ideias sobre determinados assuntos. Em seus textos, Max Weber definiu essa conduta de um indivíduo em relação ao outro como ação social, evoluindo para ideia de relação social a partir do momento no qual as ações entre essas duas pessoas interferem diretamente uma na outra. Através disso, Weber definiu que o poder surge dessa relação mútua, quando aparece um conflito entre essas duas vontades, finalizando com uma se sobrepondo a outra.

          Analisando a obra de Silvio Almeida, “Racismo Estrutural”, sobre essa perspectiva do que é o poder para o Weber, é possível de entender os motivos do surgimento dessa diferenciação das raças. Em seu livro, Silvio Almeida discute sobre a origem da distinção de raças, mostrando seu surgimento durante o período do renascimento, no qual os filósofos, em suas maiorias brancos e europeus, tomaram a sua imagem como objeto central de discussão sobre o universo, trazendo assim como símbolo da razão o homem branco e europeu, abrindo, dessa forma, espaço para a hierarquização de grupos étnicos.

          A partir desse momento, alguns séculos mais a frente surgiram as vertentes positivistas aplicadas ao estudo do ser humano, e com elas as pseudociências do determinismo biológico e geográfico, as quais traziam motivos para categorizar, de forma inferior, as etnias diferentes daquela tida como padrão. Nesse sentido, tomando como base o Weber, é possível entender essa diminuição dos outros povos como uma forma de imposição da vontade de um grupo específico, ou seja, exercício do poder de um sobre o outro, utilizando-se de ferramentas como a ciência de forma a legitimar o uso desse poder.

          Portanto, o racismo estrutural nada mais é que uma herança histórica de diversos fatores de dominação usados para a imposição do poder pelos brancos, perpetuando assim uma visão discriminatória a respeito de diversas etnias. Dessa forma, como dito por Silvio Almeida, “a discriminação tem como requisito fundamental o poder, ou seja, a possibilidade efetiva do uso da força, sem o qual não é possível atribuir vantagens ou desvantagens por conta da raça”, utilizando-se assim de diversas ferramentas a fim de legitimar o uso e o monopólio dessa força.



Paulo Henrique Possobom Carrenho, 1°Ano Direito Noturno, Unesp Franca.

Sociologia do Silêncio: ''A Dominação fora dos livros''

São Paulo02 de abril de 2023

Querida mãe,

Espero que esteja tudo bem por aí. Aqui na escola as coisas estão caminhando... e hoje eu queria te contar sobre uma aula que me deixou com a cabeça fervendo de tanto para pensar.

Foi na aula de sociologia. O professor falou sobre Max Weber, lembra que eu já comentei sobre ele? Aquele que estuda os tipos de dominação e a ação social. Ele explicou que existem três tipos de dominação: a tradicional, a carismática e a legal-racional. E que essas formas explicam como algumas pessoas conseguem comandar outras, como se fosse natural — por tradição, por carisma, ou por regras escritas. Aí, no final da aula, ele passou uma pergunta: a gente tinha que relacionar essa teoria com o que está no livro 'Racismo Estrutural', do Silvio Almeida.

O Silvio Almeida, mãe, reflete certas coisas que me acertaram no peito. Ele explica que o racismo é uma forma de dominação também — não só individual, mas sistemática. Uma dominação que tem a ver com raça, onde práticas conscientes e até inconscientes colocam pessoas negras em desvantagem, enquanto dão privilégios e maior representação às pessoas brancas. E que isso tudo é reforçado pelas instituições, principalmente o Estado, que molda nosso comportamento sem a gente nem perceber. Como se fosse um roteiro que já tivesse sido escrito, e a gente só estivesse atuando nele sem poder mudar o script.

Daí veio o momento que me deixou inquieto. Quando eu estava pensando na pergunta, olhei em volta da sala… e percebi que quase não tem aluno negro ali. Só tem eu e mais uma menina. Todo o resto é branco. E então aquilo fez ainda mais sentido na minha cabeça: o domínio que o Silvio Almeida fala não está só nos livros — ele está aqui, agora, na minha realidade. A sala já é a prova viva da pergunta que o professor fez. Fui falar isso pra ele, perguntei se eu podia usar essa percepção na minha resposta. Ele me cortou na hora. Disse que não era pra “fugir do contexto da questão”, que era pra focar na teoria.

Na hora eu calei, mãe. Mas por dentro… nossa, fiquei engasgado. Porque eu estava falando exatamente da teoria. Só que com a minha vivência, com o que eu estava vendo ao meu redor. Só que ele, como professor — e homem branco —, achou que o que eu sentia era "fora de contexto". E aí fiquei pensando: se ele é a autoridade ali, se ele tem o “domínio”, como o próprio Weber diz, será que ele está certo só por causa disso? E eu, só por ser aluno — e negro —, estou automaticamente errado, mesmo quando o que eu digo vem da minha experiência real?

No fim, me senti só. Não por estar sozinho na ideia, mas por ser quase o único corpo preto naquele espaço. Me senti como só mais um ali, meio invisível, meio encaixado à força num molde que não foi feito pra mim.

Semana que vem eu te escrevo de novo contando as próximas novidades. O professor disse que vai terminar a teoria de Weber e que vai continuar relacionando com questões raciais. Mas fica tranquila, mãe, eu prometo que não vou “arrumar discussão” com ele de novo. Não quero me sentir excluído outra vez, nem ter minhas ideias menosprezadas como se fossem ruído.

Só que, pensando bem… talvez seja exatamente assim que o domínio que o Silvio Almeida falou se perpetua. Quando a gente é coagido — mesmo que de forma silenciosa — a se calar. Quando um professor branco, que representa a instituição, desautoriza a voz de um aluno negro que está tentando pensar. E aí o ciclo continua: quem tem o poder, domina. E quem não tem, se acostuma a ficar quieto.

Com saudade,
Teu filho, Abdias.