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sábado, 5 de abril de 2025

Positivismo, Racismo e o Direito de Falar

 Grada Kilomba, em seu livro “Memórias da Plantação” faz uma detalhada descrição dos vários episódios de racismo que sofreu durante a produção de sua tese de doutorado, em Berlim, na Alemanha, no ano de 2008. Mais precisamente no capítulo intitulado “quem pode falar?” ela propõe a ideia de que uma mulher negra, de origem africana, introduz uma ruptura na ordem social estabelecida (um mundo predominantemente branco e masculino). Essa ruptura se manifesta nos episódios de racismo que vivenciou, como quando foi barrada na entrada da biblioteca da universidade por “não pertencer ali”, ou quando foi convidada por uma das diretoras da pós-graduação a realizar sua tese como uma “pesquisadora independente” (desvinculada da universidade).

 Esses episódios retratam como o pensamento positivista pode transpor a barreira da moralidade até em uma instituição cujo principal objetivo é formar pensadores críticos e promover a pluralidade de ideias.

 De maneira similar, esse mesmo pensamento ocorre ao redor do mundo, em todas as instâncias sociais, tanto formais quanto informais. Usaremos aqui um exemplo de uma petição que veio ao conhecimento do público há duas semanas.

 Um advogado, irado com a declaração de suspeição da juíza titular da vara, desferiu ataques ad hominem contra a juíza, em uma petição. Em alguns trechos da petição, o advogado escreve: “...ainda que em breve observação a Magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites assim indefira pedido em Decisum infundado...” (fazendo referência à sua declaração de suspeição). Em outro momento, o advogado ataca ainda seu assessor: “...seu singular gabinete de peculiar imediato influenciador ou conselheiro de mesma estirpe adepto da diversidade, validamente ilustrar merecidamente difusa representatividade reivindicada Há Tempos pelos adeptos do ideal socialista, difundido e culminado posterior e atualmente nos Direitos Humanos, hoje relativizados e deteriorados por pessoas definidas desde da origem biolológica...”. E para não faltar exemplos, ironiza também a capacidade da juíza em proferir suas decisões: “...venho com a finalidade de evitar omissões fraudulentas tramadas em conluio com notório saber jurídico e seguidas de infundadas decisões prevaricadoras proferidas por bonecas admoestadas das filhas das Sinhás das casas de engenho e por infeliz sugestionado secretariado não discutidas...”.

 Esse tipo de comportamento revela as raízes capacitistas do judiciário brasileiro, tanto em temos étnicos quanto de gênero, e nos faz questionar o quão mais será preciso para que pessoas historicamente hostilizadas pelo preconceito institucional consigam, finalmente, um lugar de fala.

Yago Arbex Parro Costa – 1° ano de Direito - Noturno

A ordem no mundo contemporâneo

 No início dos anos 90, Caetano Veloso cantava: ´´ Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial´´. A música refletia a sensação de desajuste diante das mudanças geopolíticas da época, mas sua mensagem continua atual. Estamos vivendo em tempos de incerteza, onde a sensação de desordem e caos parece estar cada vez mais presente no cotidiano. Sob essa ótica, surge a reflexão: o mundo está fora da ordem ou a ordem está fora do mundo?

Se consideramos a primeira hipótese, podemos analisar as crises ambientais, os conflitos geopolíticos, as disparidades sociais e a ascensão de discursos extremistas como evidências de uma sociedade que perdeu sua estrutura organizada. Governos e grandes corporações continuam promovendo modelos econômicos pautados no consumo exacerbado, enquanto cientistas alertam para a urgente necessidade de modificações. À luz disso, podemos verificar que a ordem natural do mundo está sendo desestabilizada também pela própria humanidade e que a organização econômica vigente não faz mais sentido diante da realidade ambiental, pois prioriza o lucro e deixa de lado o bem-estar dos indivíduos.

 Por outro lado, se considerarmos que a ordem está fora do mundo, estamos dizendo que a ideia de ´´ordem´´ que temos não se encaixa mais no mundo contemporâneo. Um exemplo desse cenário é o conflito entre Israel e Palestina. Em teoria, organismos internacionais como a ONU foram criados para manter a ordem mundial. Entretanto, mesmo com anos de negociações diplomáticas, a guerra continua, mostrando que a chamada ´´ordem´´ não consegue conter o caos. Esse caso demostra como a estrutura internacional pode favorecer certos interesses, tornando a estabilidade um conceito relativo.

 Sendo assim, as duas visões são possíveis e talvez até complementares, sendo essencial perceber que há um descompasso entre a realidade e os mecanismos que deveriam garantir o equilíbrio. Portando, é preciso encontrar caminhos para conseguir a harmonia no mundo, com a necessidade de uma ordem que seja justa, flexível e eficiente para a maior parte da população.

Caroline Maria Duarte  -  1 ano Direito ( matutino )

Mundo, paz e ordem: diferentes perspectivas

     “Ordem”: o que significa essa palavra ? Alguns podem remeter a leis ou regras. Outros ao que seria certo, ao correto. Outros à estabilidade, à “paz”. Um mundo em ordem, portanto, estaria em paz, mas será que está valeria para todos ? Qual seria tal “mundo” nesse contexto?

      “O perigo de uma história única”, de Chimamanda Adichie, decorre sobre os pontos de vista relativos sob os quais analisa-se a história. Segundo ela, todo fato passado tem várias formas de ser analisado: uma guerra, por exemplo, será contada de um modo por quem ganhou, de outro por quem perdeu, de outro por quem foi mero telespectador e assim por diante. A questão é que, na realidade contemporânea, em especial nos países que já foram colônias europeias, os conhecimentos são transmitidos com base em narrativas eurocêntricas. Isso prejudica muito o ensino dos jovens e a educação da sociedade como um todo, que já cresce vendo o mundo sob a ótica do colonizador, mesmo sendo, na maioria verdade, descendente também de escravos, indígenas etc.

     Essa ótica, portanto, é branca, é machista, é xenofóbica, dentre tantos outros preconceitos enraizados nessa maneira única de ver e contar o mundo. Trata-se do homem branco colonizador ensinando aos colonizados, catequizando-os, doutrinando-os a pensarem como ele até hoje. Seguindo essa linha de raciocínio, quando nos referimos à “ordem” e ao “mundo”, é a ordem deles e ao mundo deles que estamos falando. Do mundo cristão, branco e privilegiado. Nesse sentido, quando se afirma que “o mundo está fora de ordem”, afirmação feita constantemente nos últimos anos, seria o mundo ideal branco e privilegiado se degradando. Os movimentos sociais ganharam espaço, minorias conquistaram direitos e enquanto isso muitos tentam reverter tal cenário, parar essa movimentação. O mais intrigante é que não são europeus defendendo tal conservadorismo, mas pessoas com mentes colonizadas defendendo seus colonizadores, de certo modo. Elas lutam pela paz deles, dos brancos, cristãos, homens, que foram quem chegaram aqui em 1500 e a menos que essa ideologia mude, essa situação seguirá a mesma.

     Portanto, como diz a música do Rappa “minha paz”: “é sobre a paz que eu não quero ter pra tentar ser feliz”. O mundo sem conflitos pode ser considerado ordenado e confortável para alguns, mas a luta e a desordem são necessárias para se alcançar a verdadeira paz, uma nova ordem mais usta e inclusiva em um mundo mais igualitário e estável.


Eloisa Prieto Furriel 1°ano direito matutino

O Positivismo e o Ensaio Sobre a Coesão Social

                               O positivismo e o ensaio sobre a coesão social

 Após a superação do Antigo Regime, a Europa viveu um momento de consolidação do capitalismo, da industrialização acelerada e da urbanização pulsante. Em meio à Belle Époque, o otimismo quanto aos avanços da ciência tomou conta da burguesia, a qual era dominante enquanto classe social. Nesse contexto, no qual tudo era relativamente recente, uma nova ciência foi exigida para explicar os problemas e as questões emergidas. Surge, então, a sociologia e a sua primeira corrente: o positivismo. Seu autor, Augusto Comte, influenciado pelo cientificismo da época, defendia uma física social caracterizada pela objetividade e pela exatidão, tal como os fenômenos naturais, para estudar e compreender a comunidade, buscando sempre um padrão para a realidade social.

  Tal tese se mostrou problemática ainda na época em que foi elaborada e difundida, visto que, como partia do pressuposto de que as sociedades deveriam atingir determinados estágios, os quais eram baseados em concepções europeias e estabelecidos de maneira semelhante a regras físicas precisas, para serem consideradas dignas do progresso; compreendia tudo o que se distanciava da Europa como atrasado e distante da evolução. Dessa forma, construiu um raciocínio no qual a história seria concebida linearmente, sendo que aquilo que se classificava como diferente dos padrões europeus era inferiorizado. Assim, a ideia de um darwinismo social foi solidificada e sequestrada para justificar o imperialismo das potências e aniquilar as diferenças socioculturais e, consequentemente, manter a uniformidade e a coesão entre os povos.

  Contudo, é preciso ressaltar que o positivismo não ficou preso ao século XIX, uma vez que, na contemporaneidade, se observa a ascensão de pensamentos que incitam a estandardização conservadora. A fim de se alcançar um modelo ideal de sociedade, segundo o qual se obedece a um padrão e a uma moral superiores, exclui-se, das mais diversas maneiras, todos que defendem ideais que vão ao sentido diametralmente oposto ao do sugerido pelo tradicionalismo. Prova de tal questão é o aumento considerável de discursos xenofóbicos e anti-imigração na Alemanha e na França, por exemplo. Diante de um cenário de crises e de instabilidades internas, os países aproveitaram-se de atentados cometidos por pessoas com histórico migratório, para formular narrativas extremistas que condenassem, em especial, pessoas do Oriente Médio e para endurecer as políticas de imigração. Tudo isso para garantir a coesão entre essas culturas e para afirmar a reorganização do que estaria desregulado.

  Conclui-se, pois, que o positivismo, outrora empregado para embasar o fardo do homem branco, na atualidade, é operado com outros fins, mas a base e o âmago de seu raciocínio – a ordem e o progresso - ainda permanecem. Independentemente da finalidade com a qual é empregado, um grupo sempre buscará a coesão para preservar a sua hegemonia.

 

Isadora Cardoso Peres -  1º Noturno