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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

No caso em tela, a ADPF 54, julgada pelo Supremo Tribunal Federal como procedente para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada no Código Penal, será discutida no presente texto.
A Primeira Turma do STF considerou que a interrupção da gravidez de um feto anencéfalo até o terceiro mês deve ser permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob a proposição de diversos argumentos. A patologia torna inviável a vida extra-uterina, portanto, não há o que se falar de aborto visto esse ser consolidado a partir da presumida possibilidade de continuação da vida do feto. A dignidade da pessoa humana, analogia à tortura, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito à saúde são direitos fundamentais consolidados pela Carta Magna brasileira e que vão a favor da legalização do aborto de feto anencéfalo. Afinal, o corpo da mulher pertence a quem para a tomada desta decisão de manter um feto que não possui capacidade de viver fora do ventre da mãe? Pertence ao Estado? À religião? À moral da maioria? Ou a disposição de seu corpo compete apenas a própria mulher?
Para Bourdieu, o Direito é um campo jurídico que possibilita decisões mais coesas em relação a outras áreas, pois há “um corpo hierarquizado o qual põe em prática procedimentos codificados de resolução de conflitos...”. Portanto, apesar da liberdade que os juízes possuem para interpretar textos normativos, estes não são completamente livres porque devem respeitar as leis, princípios e estruturas já postas pelo ordenamento jurídico. Em razão disto, existe uma estrutura simbólica do campo que possibilita a tomada de decisões legítimas, ainda que contra a opinião hegemônica. De fato, é isso o que ocorre no caso da ADPF 54, pois os juízes são tomados por um ativismo judicial, intentando a promoção de avanços civilizatórios em nome de valores racionais, mas são revestidos por decisões legítimas pautadas no ordenamento.

Ana Laura Joaquim Mendonca - Direito Matutino

Seu corpo, suas regras

A questão do aborto é paulatinamente discutida e colocada em pauta sob diversas perspectivas. Alguns apoiam sua legalização a fim da preservação da vida das mulheres, visto que, milhares dessas morrem todos os anos na prática de abortos clandestinos, sem os mínimos requisitos de preservação e precaução. Já outros, divergem desta opinião, alegando ser um pecado ou até mesmo um crime a prática do aborto, sob a perspectiva religiosa ou não, devido ao fato de haver meios de prevenir a gravidez ao invés de interrompe-la.
Outrossim, quando se trata da gestação de uma criança portadora de anencefalia – isto é, má formação do cérebro durante a formação embrionária, determinando a ausência total do encéfalo e da caixa craniana do feto, de forma a tornar a expectativa de vida do bebê muito curta por se tratar de uma patologia letal – o dilema sobre o aborto se torna mais complexo.
Há de se considerar, não somente a curta expectativa de vida do feto – que pode acarretar dificuldades físicas, morais e psicológicas a mãe – mas também os riscos presentes nas possíveis complicações durante a gestão. Pode ocorrer, por exemplo, o acúmulo de líquido amniótico no útero da gestante, de modo que, o bebê não seja capaz de se contrair de forma correta durante o parto, gerando hemorragias naquela durante o pós-parto. Ademais, os fetos anencéfalos tendem a se posicionar de formas anômalas durante o parto, acarretando dificuldades em seu processo.
Foi sob esta perspectiva que a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde interpôs um pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, objetivando caracterizar inconstitucional qualquer interpretação do Código Penal Brasileiro que vise penalizar o aborto de fetos anencéfalos. Este pedido foi fundamentado na violação dos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, IV), da liberdade e autonomia da vontade (art. 5º, II) e do direito à saúde (art. 6º, caput, e art. 196), presentes na Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal (STF), no ano de 2012, declarou procedente este pedido, considerando a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia – assim como nos casos de estrupo ou de risco evidente à vida da mulher – legal.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas. (JULGADO – p.1)
Foram levados em conta o fato de que a manutenção da gestação: “resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina”. (JUGALDO – p.14)
Além disto, tem-se que:
[...] impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde – o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. (JULGADO – p.6-7)
Sobre a concepção do filósofo e sociólogo francês, Pierre Félix Bourdieu, distintas condições deveriam ser admitidas pelas decisões estabelecidas no âmbito do Direto, de forma que, não somente se considerasse o arbítrio de uma classe dominante. Assim, tem-se que o Direito determina (p.213): “universalmente ao reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética”. Sob esta acepção, temos que o aborto de anencéfalos deve ser analisado mediante todas suas condições – implicando na sua legalização, devido ao fato dos possíveis danos causados na gestação – e não unicamente mediante opiniões arbitrárias de indivíduos conservadores. Ademais, Bourdieu considerava relevante a adequação das normas a novas situações de modo a gerar maior viabilidade a tais circunstâncias, afirmando (p.213): “(...) no texto jurídico estão em jogo lutas, pois a leitura é uma maneira de apropriação da força simbólica que nele se encontra em estado potencial”. A hermenêutica jurídica utilizada para legalização do aborto no caso de fetos anencéfalos consiste exatamente na adaptação da norma a uma circunstância fundamental. Por fim, pode-se considerar sobre o pensamento de Bourdieu que o Direito, utilizado em ocasiões de incompatibilidade, deve ser responsável por definir coerentemente e imparcialmente soluções – que visem, acima de tudo, a manutenção de direitos fundamentais – de forma a criar um “novo direito” que:
[...] só tem probabilidades de êxito se as profecias, evocações criadoras, forem também, pelo menos em parte, previsões bem fundamentadas, descrições antecipadas: elas só fazem advir aquilo que anunciam [...] porque elas anunciam aquilo que está em vias de advir, o que se anuncia; elas são mais oficiais do registro civil do que parteiras da história (p.238-239)

Ao optar pela legalização do aborto de fetos anencéfalos, o STF, garantiu o direito da mulher sobre a liberdade e autonomia da vontade, sobre o direito a dignidade e sobre o direito à saúde. É necessário que este direito ainda seja expandido a outras circunstâncias, visto que isso preservaria a vida de milhares de mulheres e evitaria o lucro encima de abortos clandestinos.

(Isabela Rafael Soares - 1º ano Direito Noturno) 

Qual o alcance Constitucional da vida?


É chegado o derradeiro texto, não menos importe e tampouco menos polêmico, talvez, tenhamos deixado o melhor para o final. Quem diz que o aborto é caso “resolvido” e “mera questão de saúde publica” está enganado (ou mal intencionado), o debate, até mesmo dentro da ciência, é grande. No campo da moral, turbulento. No mundo religioso, pecaminoso. No direito... bem, parece que estão resolvendo tudo a canetadas “constitucionais”. É até compreensível que muitos esperem um SUPER STF, resolvendo tudo o que aparece. Mas as demandas são muitas e provavelmente são humanamente irresolvíveis por apenas 11 togas. A questão precisa ser debatida com quem interessa e é, por direito, dona da soberania: o povo. E casa do povo chama-se Assembleia Nacional.
Mas isto não é sobre judicialização. É sobre a ADPF 54, de 2004, que arguia sobre o “aborto de anencéfalos” e questionava o descumprimento de direitos humanos.

Interessante notar que argumentos como o “direito exprime a realidade mediata” ou “o direito tem que seguir o que está escrito”, são logo rebatidos por Bourdieu, diz ele que é fundamental que o direito imponha-se como uma ciência que aja de forma autônoma, critica os instrumentalistas e os formalistas, aqueles, por utilizarem o “maquinário” a bel prazer de sua classe (pressão exercida pelas massas) e os outros por entenderem o direito “engessado” e estar em prol das classes dominantes.   
Parece Bourdieu ser bem mais objetivo: o espaço do possível. De acordo com uma analogia, o STF, com seu capital social, estaria agindo dentro do campo jurídico, dentro de um espaço possível, seja: “por um lado, pelas relações de forças específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas” e dentro desse espaço do possível é que ocorrem as “lutas” e reconhece que o direito tem duas esferas: “o direito impõem universalmente ao reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética”, que exprime bem o caso apresentado, o aborto seria logico normativo da moral ou logica positiva da ciência?

No tocante a racionalização, Bourdieu acredita que o direto exprime uma certeza, o que é de fato, e não o que ‘deve-ser’, nesse viés, analisando a hermenêutica a Ethos compartilhada no âmbito dos valores dominantes no campo, ensejo para críticas ao simbolismo. O caso em questão, foi uma decisão pautada realmente no direito, na razão ou na vontade de juízes? As atitudes éticas seriam correspondentes? O pensador também trata da relevância da divisão do trabalho jurídico enquanto atividade de interpretação, ou seja, a hermenêutica dos juristas, que foi visível neste caso. Em contrapartida, Bourdieu também “questiona” a pretensa liberdade de interpretação que os juízes possuem, é possível inferir que eles não são completamente livres, é necessário lembrar que estão sempre limitados, engendrados na estrutura, apegados as formalidades e princípios do seu campo, ou seja, uma o respeito à estrutura simbólica do campo.

É possível entender o aborto de anencéfalos pelo olhar cientifico, já que ele não seria visto como um “assassinato”, mas sim, um tratamento emergencial, haja vista que, para a ciência, o feto é natimorto, não terá grandes chances de sobrevivência. Logo, é preferivel e mais "eticamente" correto, o aborto. Isso é óbvio ululante. Mas por outro lado, basear na mera moral individual ou apenas a cientifica, teríamos que validar a eugenia nazista.  Ou o higienisno social. Ou aceitar todo tipo de transgênicos. Bordieu fala da moral, é preciso baliza-la. E mais adiante, com precedentes, como analisar quais casos podem (ou merecem) ser interrompidos? Ou então, como ver que o nosso Código já defende a vida do feto mesmo antes de nascer. Quem pode definir, mesmo constitucionalmente, onde a vida acaba? Como defender direitos humanos, sem defender o essencial: o direito a nascer?

Não há consenso, seja argumentos jurídicos, morais, religiosos ou meramente “pitacos”, é tema difícil, porém, acredito ser de foro íntimo e decisão familiar, não cabendo a terceiros (ou até mesmo o Estado definir ou proibir). O fato é que, numa pesquisa de 2010, 82% da população era contra o aborto. Em fevereiro deste ano, 58% era contrários mesmo em caso de microcefalia, por conta do vírus Zika. Ao mesmo tempo que não podemos ficar sempre atrasados nessas questões, não podemos desprezar os anseios da população, ou seja, nem cair no formalismo da letra da lei e nem usar as manobras para instrumentalizar o direito. O debate ficou ainda mais turbulento após a decisão da 1ª turma do STF em decidir que “aborto nos três primeiros meses de gravidez não é crime”, embora as manchetes tragam um título extremamente tendencioso, o STF só apreciou um caso concreto, oriundo de Duque de Caxias/RJ, e, DIANTE DOS ELEMENTOS DAQUELE CASO, com suas particularidades e seu contexto, não viu a prática de crime na interrupção de uma gravidez. Isso não vale para qualquer outro caso, não faz “súmula” nem gera legislação sobre, apenas pode abrir alguns precedentes. E, como a democracia tem jogos de “toma-la-da-ca”, o Congresso já instalou comissão para rever decisão do STF, na mesma noite.


Por fim, a dinâmica do campo jurídico pressupõe: suposição de universalidade X “procura social” X lógica própria do trabalho jurídico, ou seja, diante dos fatos, ainda estamos nos “encontrando” como corpo social, para entender a lógica do trabalho jurídico e quem sabe, um dia, encontrar a universalidade. Temos que entender, como afirma Bourdieu, que o “novo direito” e “novas práticas” só “têm probabilidade de frutificar se encontram respaldo, ainda que não visível”, já que para o pensador, os símbolos são entendidos como instrumentos de integração social e representam outro modo pelo qual o poder simbólico atua, é importante utilizar essas estruturas atuais e nela travar a “luta simbólica” e daí soerguer a construção jurídica que precisamos. De preferência, sem heróis. 

Victor Hugo Xavier, 1° Direito, Noturno.

Das razões para a descriminalização do aborto de anencéfalos


O presente texto defende a ideia de que o aborto de anencéfalos não deve ser tipificado como crime indo de acordo com a decisão tomada na ADPF 54. Para defender este posicionamento, embasaremos nossa argumentação no direito e nas ciências biológicas.
Começaremos citando as consequências psicológicas, morais e físicas que a obrigatoriedade de gestar um natimorto cerebral, até o momento do parto pode trazer. Tal imposição traz para a mulher dor, angustia e frustração, o que viola o principio da dignidade humana como a liberdade e autonomia de vontade. Somam-se a isto, os riscos de saúde da gestante, dentre os quais se encontram: insuficiência respiratória, hemorragia, possível perda do útero por complicações no parto.

Sobre os argumentos contrários a legalização do aborto de anencéfalo, a maioria se baseia ou no principio de preservação da vida garantido em Constituição ou na moral religiosa. Ambas as bases argumentativas são facilmente desconstruídas neste caso. Retornando ao primeiro argumento, estatísticas mostram que somente 50% dos anencéfalos morrem ainda dentro do útero, e dos 50% sobreviventes, 99% morrem logo após o parto. A legislação brasileira não define exatamente o momento em que se inicia a vida, mas define o momento da morte como o momento em que o cérebro para de funcionar. No caso do anencéfalo, o cérebro nem sequer chega a funcionar, não havendo vida no sentido jurídico. Remetendo agora, ao segundo argumento, o direito em um Estado laico não deve se submeter à religião tornando invalido este parâmetro.
Os argumentos contrários à legislação que foram mencionados são, ainda, dotados de preceitos simbólicos, que segundo Bordieu, são mecanismos de dominação. Além disso, Bordieu critica o funcionalismo e instrumentalismo dentro do direito. A ciência do direito evitaria o instrumentalismo, ou seja, impediria que as camadas dominantes impusessem uma ideologia, e evitaria o formalismo, a noção de que o direito é autônomo diante das pressões sociais.
Utilizando-se do dialogo com outras ciências, especificamente da medicina com o direito, defendido por Bordieu, acreditamos que o direito deve proporcionar à mulher a opção de abortar o anencéfalo sem que ela seja criminalizada.


GRUPO 4 – direito diurno: Barbara Moreira Ortiz, Bruna Flora Brosque, Lívia F. Casarini, Péricles Nogueira, Talita Santos Lira

Grupo JULGADO - Aborto de Anencéfalos

O Aborto de Anencéfalo viola o princípio da dignidade humana uma vez que atenta contra a vida, o valor essencial à nossa ordem constitucional. A defesa pela vida e concepção do nascituro reforça os princípios fundamentais positivados na Constituição Federal de 1988, assim como na Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948.
Logo, segundo o princípio da hierarquização das normas, desenvolvida por Bourdieu, considerando a Supremacia Constitucional há inibição de uma divergência profunda já que há diversas interpretações baseadas em um único texto. Dessa forma cabe levar em conta o texto constitucional, não competindo ao Judiciário legislar sobre tais questões, essa conduta, cada vez mais aparente no sistema jurídico brasileiro, tem gerado o fenômeno da judicialização, o que causa descompensação no princípio de igualdade dos três poderes, o qual é previsto, também na Constituição; atentando contra o Estado Democrático de Direito.
Contra esse pensamento, a ADPF 54 que defendeu a imunidade penal às práticas de aborto de anencéfalos, foi julgada e aprovada pelo STF. A decisão do Supremo fere, além dos princípios fundamentais, os Códigos Penal e Civil. Pois, tendo em vista o artigo 2º do Código Civil, o nascituro tem seus direitos resguardados desde sua concepção; ademais, o Código Penal, em seu artigo 124 pune as mulheres que provocam aborto em si ou consente que outrem lhe provoque, salvo os previstos no artigo 128, que não inclui o aborto eugênico. 
Em contraponto à visão de Bourdieu, de que o poder da consciência coletiva pode ser prejudicial e gerar violência simbólica, o que vemos é uma manutenção moral coletiva em defesa da vida. Tendo em vista o surgimento de muitos movimentos pelo Brasil, contra o aborto, como o Pró-Vida, e o Movimento à Favor da Vida (o Movida).

Grupo: Estevan Carlos Magno, Gustavo Soares Pieroni, Maria Clara Laurenti, Murilo Ribeiro e Juan Antonio Castilho - DIURNO

Bourdieu de Ravel

Direito de Ravel


      O bolero de Ravel, além de excelente música de elevador, tem toda uma peculiaridade na sua composição. É estruturado com apenas uma frase repetida várias e várias vezes. Mantém seu ritmo constante. É um exemplo perfeito de equilíbrio, harmonia e tempo. Ao escutá-lo, a mente transporta se a um estado de paz. Já a música vomitaram no trem, da antiga banda punk rock garotos podres representa num espaço de dois minutos a reunião de uma selvageria vocabular, acordes frenéticos e uma total expressão dos mais grotescos conflitos humanos. Com qual dos dois o direito se parece mais ?

      Ao ficar face a face com uma questão contemporânea, como a discussão de aborto de fetos anencéfalos , por exemplo, observa se dois grandes grupos argumentativos - do bolero e dos podres.

      O grupo do bolero, como a música, no âmbito jurídico, tende a eterna repetição dos valores tradicionais, fundamentações costumeiras e busca por verdades sólidas, absolutas. Já os punks, bem, os punks são os punks, a contracultura, o radical, a destruição das antigas estruturas, queda à toda forma de poder.

      Mas e o direito? Bem, de fato, o direito não é música, muito menos um bolero de Ravel, quem dirá vomitaram no trem ? Mas o direito, assim como a música, é diverso, vários estilos. Do clássico, passando pelo jazz, o blues, o funk e até mesmo aquilo que a Xuxa canta. Nao existe um favoritismo unânime e, muito menos, uma superioridade. Realmente, um estilo pode ser mais técnico, outro mais emocional, mas é tudo barulho: tudo barulho organizado a fim de refletir uma ideia. O direito é exatamente igual. Um conjunto, conflituoso, entre gostos pessoais que, no fim, faz surgir um gênero novo. Como usar guitarra na mpb - o direito evolui, transforma se, produz e é produzido pela sociedade como um todo.

Lucas André Silva (Noturno) - 1º Direito

A neutralidade como regra

Uma das teorias de Direito que mais se consegue enxergar sendo usada na contemporaneidade sem dúvida é a de Pierre Bordieu, pelo menos em sua teoria e em suas intenções. Iniciando sua perspectiva alegando que o Direito não pode se prender nem à abstração formal kelseniana e nem a única e total ligação às questões materiais da sociedade proposta pelos marxistas – especialmente os estruturalistas -, devendo sim ser uma mistura entre os dois; formal e ao mesmo tempo material.

Essa mistura entre formalidade e materialidade resultaria em um Direito baseado em princípios como o da universalidade, impessoalidade e neutralidade, o que faria com que, em muitos casos, o magistrado necessitasse de uma certa autonomia para aplicar as situações à ética e valores da realidade social, ainda que para isso devesse considerar que o Direito que aplica é uma manifestação do Estado em que se vive. Entretanto, até que ponto essa visão do Direito, de neutro e dentro dos limites da visão de Estado que se tem, é capaz de absorver com propriedade as pressões externas?

A título de exemplo para se fomentar este debate, pode-se utilizar a legalização do aborto de anencéfalos pelo STF em 2012. Os magistrados tinham em frente de si uma lei em que o Direito criminalizava essa forma de aborto e expunha a mulher a riscos de saúde com ela sendo obrigada a manter essa gravidez ou a abortar clandestinamente. Diante de tal lei, optaram por declararem-na inconstitucional, considerando-a uma questão de saúde pública principalmente em relação ao amparo da mulher. Entretanto, pode-se dizer que se exerceu o Direito de forma neutra, se ele foi diretamente de encontro aos movimentos principalmente feministas? Ou que ele representou a visão de Estado ou de ética da sociedade se 80% da população é contra a legalização do aborto?

Porém, caso o magistrado não tivesse tal postura, ele também atentaria contra a universalidade dos direitos e contra a função principal do Estado de zelar por todos os seus indivíduos, não devendo permitir sua exposição a situações que possam eventualmente comprometê-los.

Por fim, conclui-se que a ideia de um Direito neutro e que mantenha as estruturas do Estado constituído pode ser uma boa ideia para os governantes, que buscam manter sua estabilidade política e a continuidade da forma como se dá a organização do poder hoje. O que não podemos nos esquecer é que a base do Estado atual é justamente a desigualdade social e a presença de uma elite que domina basicamente todas as instâncias do poder, o que faz, claro, com que toda vez que a suposta neutralidade do Direito entraria em ação, essa elite se apropriasse da postura antitética da Constituição nesse sentido (que ao mesmo tempo que prevê determinados direitos, prevê mecanismos que impedem sua efetivação) para mais uma vez defender os seus próprios interesses e deixar a população em geral à míngua.


Defender a luta contra a desigualdade social, o enfrentamento das elites dominantes e a criação de uma nova ordem, igualitária, é também uma posição; uma ideologia ao Direito defender. Agora cabe aos doutrinadores e aplicadores do Direito decidirem se querem assumi-la. De que lado eles estariam?

Luiz Antonio Martins Cambuhy Júnior
1º Ano - Direito Matutino

Rótulo

      Na esteira das ideias de Pierre Bourdieu, a sociedade é sistêmica e relacional. Sendo que o alicerce social é hierárquico através de poder e privilégios, definido tanto por relações de ordem econômica ou material quanto pelo simbolismo entre os indivíduos, os quais, de acordo com o status (simbologia), está inserido em um dado campo, que é definido como um território de relações sociais explicado por interesses específicos e que em seu interior há uma dinâmica de funcionamento que é expressa na mobilização de recursos intrínsecos que são capitais simbólicos, os quais garantem poder para os que o detiverem.
      Então, o campo sociológico abordado será o jurídico, e uma vez que na linde do campo a linguagem, comportamento, cultura são próprias, tendo como embasamento teórico o uso da razão e da moral, pois dessa maneira, pode ser reivindicado pelos atores sociais desse “território” que o que é dito pelos mesmos é a verdade, portanto tem caráter universal.
     Nesse entendimento, as questões externas ao campo necessitam adquirir “roupagem” jurídica para serem processadas em seu interior e receberem uma “rotulagem” própria, e assim terá força normativa para fazer valer um direito no mundo concreto.
      Tomamos como exemplo a ADPF 54, a qual tem como escopo a descriminalização do aborto em fetos anencefálicos. Esse fato é vivenciado externamente ao campo jurídico, ou seja,  para que as mulheres, cuja gravidez é de fetos anencefálicos, terem o seu direito reconhecido ao aborto,  uma Confederação representativa dos profissionais da saúde teve que entrar com uma ação especifica, sendo essa Condeferação legitimada pelo Art.103 da Constituição Federal a fazer esse pedido perante o Supremo Tribunal Federal, órgão jurídico que tem o poder de jurisdição.
      Em suma, no parágrafo anterior é explicado os mecanismos, recursos, separação interna e externa do campo jurídico, rótulo e forma, para fazer valer o direito.

Lucas Tadeu de Oliveira A Pereira/ DIREITO NOTURNO

O poder simbólico e a ADPF 54

Segundo Pierre Bourdieu, o poder simbólico - capacidade de influenciar ideias e crenças e intervir nos acontecimentos - por meio de sistemas simbólicos - a linguagem, a arte, por exemplo - desenvolve uma realidade homogênea. Para o sociólogo, os símbolos são entendidos como instrumentos de integração social e representam outro modo pelo qual o poder simbólico atua. O teórico acrescenta que as comunidades, sendo elas linguistas, artísticas ou religiosas, entram em acordo a respeito dos sentidos desses símbolos e reproduzem os paradigmas da ordem social vigente. Ao fazer um paralelo com as ideias de Marx, Bourdieu explica que as produções simbólicas estão relacionadas com os interesses da classe dominante e ajudam a reafirmar as culturas e valores desses grupos privilegiados.
As lutas e conquistas sociais, dentro do Direito, podem parecer morosas, por conta da pressão exercida pelo poder simbólico, entretanto avançam progressivamente, mesmo que de maneira acanhada. Como foi evidenciado no julgamento feito pelo STF sobre o caso de aborto de anencéfalos. Após o pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), o aborto em casos de anencefalia foi descriminalizado, revelando que o Direito recebe influencias externas de lutas sociais e não possui, portanto, autonomia absoluta.
Feita a releitura, foi entendido que a antecipação terapêutica do parto não pode ser compreendida como aborto, posto que o feto em questão não apresenta vida potencial extrauterina. A nova análise substituiu a ideia de que o direito à vida do feto deve prevalecer em detrimento do direito à dignidade, à integridade física, psicológica e moral e à autonomia de vontade da gestante.
O caso da ADPF 54 deixa evidente que as lutas sociais dentro do direito são necessárias para trazer alterações aos sentidos dos símbolos que reproduzem os paradigmas perpetuados por valores ultrapassados e, por extensão, tornar a realidade mais heterogênea.

Kleber Sato Rodrigues de Castro
1ro ano - Noturno
Para Pierre Bourdieu a sociedade é constituída por campos de poder simbólico, onde agentes sociais dotados de mais ou menos valor social competem pelo acumulo de uma forma de capital simbólico que é admitida por seus pares, numa sociedade complexa existem diversos campos e diversas relações entre eles.
Ao entender o Supremo Tribunal Federal como um órgão que faz parte do campo jurídico podemos evidenciar uma certa autonomia do Direito em relações a forças de influencias externas, entretanto a ADPF 54 que trata da descriminalização do aborto em casos de anencefalia só foi levada a cabo pelo STF devido ao pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), uma decisão que foi debatida tendo como base argumentos jurídicos, da medicina, da sociologia e da psicologia, mostrando que mesmo com uma relativa autonomia o Direito sofre influencias externas.
Os campos possuem uma logica de funcionamento interno relativamente autônoma com suas própria linguagem, hábitos e valores, entretanto ainda sofrem interferência de campos externos, no caso da ADPF 54, demandas sociais de diversos outros campos fizeram com que o direito tivesse que trazer um novo olhar sobre a questão do aborto, tendo como base novas formas de compreensão das relações sociais.


Elias Manoel do Nascimento Junior – Direito Noturno

Bourdieu, suas críticas e a atualidade.

Desde o início do semestre relacionamos autores que trataram sobre o Direito com temas provocadores da nossa reflexão. Tais discussões nos forçam a trabalhar o pensamento de a quem, e para o que serve o Direito?  Não muito distantes dos nossos atuais dias, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, em um dos seus casos, que o abortamento até o terceiro mês de gestação não é crime; tal situação me preencheu de esperanças em saber que, as discussões de elevado nível jurídico realizadas em turma, existem em outras esferas do Direito e são efetivas. Bourdieu, como nosso último autor, também nos engrandece com sua teoria, expandindo nossos horizontes de pensamento, argumentação e fala.
Ao já iniciar sua obra, o autor francês faz críticas ao que podemos chamar de dois extremos pensadores: Kelsen e Marx. O primeiro tendo sua crítica relacionada à tentativa Kelseniana de afastamento da moral e de uma leitura social em que o próprio direito se funda, tem origem; ao segundo, ao erro de negar à estrutura da norma e a única observância ser a material. Cria-se então, se afastando do radicalismo, a ideia de Bourdieu: a convivência do modelo formal e o material, resguardando suas diferencias e peculiaridades. É essa ideia de dualidade que coexiste no campo do direito, sendo estae estruturado por influências externas (a estrutura do sistema jurídico, bem como sua dinâmica de luta) e influências internas (o próprio universo jurídico, linguagem e condutas).
Há nesse campo jurídico uma disputa simbólica entre os que criam o direito (filósofos e acadêmicos) e os que o exercem (magistrados). De nada de tira o mérito dos produtores de norma, mas o texto em sua frieza não acompanha as necessidades sociais que caminham e evoluem com o tempo. É com atualização na interpretação normativa feita pelos magistrados, que se resolve tal dilema.
É no nosso caso prático que observamos de forma plena tal responsabilidade: o caso, antes julgado como um delito e cabível de punição, é considerado pelo Supremo Tribunal Federal como um direito referente à liberdade, à saúde e à dignidade da mulher. Não serviu a manutenção de um status quo ou a conservação de qualquer privilégio de classe. Não deixou também de avaliar a extensa carga social que carrega tal decisão.
Cabe a nós juristas e estudantes do Direito, buscar um Direito mais humano, menos prolixo, crítico e mais do que isso: atualizado e contemporâneo. Os julgados trabalhados até então, nos trouxeram o primeiro contato com as peças jurídicas e com argumentos validos de (sempre) os ambos lados do debate. Com isso, cabe a nós também, ouvir, entender e estudar o posicionamento apresentado pelos nossos opositores, coisa faltante no nosso meio acadêmico e que, ao contrário do que se pensa, só engrandece nossa bagagem.

Ana Carolina Gracio de Oliveira – 1 º ano – Direito – Diurno