Para a compreensão de Bourdieu é essencial sua crítica ao formalismo e ao instrumentalismo, isto é, a autonomia absoluta da forma jurídica em relação ao mundo social e ao uso do direito a serviço dos dominantes, respectivamente. Sua discordância com a Teoria Pura do Direito é total.
Não só restringe-se à teoria de Kelsen, mas também aos marxistas estruturalistas que ignoram a estrutura do sistema simbólico do Direito, isto é, consideram-no apenas como instrumento de manutenção da ordem, mas veementemente ignoram a estrutura jurídica em si como dominadora independente e estável, dona de si. Não basta situar-no como produto das forças históricas, o Direito requer profundidade do universo social.
Como o autor afirma, a busca pelo poder não se caracteriza pelo poder em si, mas em uma luta simbólica que busca o "monopólio do direito de dizer o direito", isto é, reproduzir no mundo social a ideologia predominante. Neste ponto, o trabalho contínuo de racionalização próprio aumenta o fosso social entre os profissionais plenamente capacitados e os leigos, fazendo-os duvidar do seu sentido de equidade, e recorrer ao campo jurídico.
O ponto crucial para a discussão do julgamento do STF a favor do aborto em anencéfalos é justamente quanto Bourdieu fala da conversão da conquista dos dominados em saber específico jurídico. Assim, anos de luta para uma conquista de tamanha repercussão tornam-se apenas um notório saber jurídico quanto a garantias individuais em um julgado. Isso produz o que o autor chama de eficácia simbólica, ou seja, a impressão de que a lógica jurídica é necessária para alcançar todos os atos da vida civil e a plenitude dos direitos. É importante ressaltar que a busca pelo Direito afim da resolução de conflitos é consequência do pensamento de neutralidade que transmite este campo, como se os juízes fossem plenamente capazes de julgar de forma avalorativa.
Assim, Bourdieu resume a dinâmica do campo jurídico pelo pressuposto da suposição de universalidade em conflito com a "procura social", e por sua vez, ambas conflitam com a lógica do trabalho jurídico.
Jade Soares Lara - Primeiro Ano Direito Diurno