Jessé Souza, em sua obra A ralé brasileira: quem é e como vive, propõe o rompimento com uma explicação fácil da realidade brasileira e de seu percurso nos últimos séculos, baseada na interpretação culturalista, fechada em si mesma, impermeável aos condicionantes da estrutura social. A identidade nacional singular, comumente chamada como “cultura do jeitinho” não pode ser separada da estrutura econômica patrimonialista e suas respectivas instituições. Os valores e ideias que guiam a ação somente podem ser percebidos se vinculados a determinadas instituições, este é o cerne da dinâmica de racionalização que caracteriza a modernidade capitalista. O Estado tende, nesse contexto e sob uma interpretação weberiana, a se organizar mediante as mesmas ferramentas de gestão utilizadas pelo mercado, refletindo a classe dominante que o mantém. Ainda, a ação social se move, cotidianamente, a partir de um cenário de dominação, condições materiais de existência, representação do coletivo e, principalmente, por um enquadramento das instituições.
A instituição do Direito, da
moral, da família, e tantas outras instituições sociais, acabam por determinar
o norte da ação social. Isso se dá através da racionalização dominante, que
torna tudo muito estável e previsível, características típicas do capitalismo.
Um exemplo básico se dá no dever de trabalho a fim de conquistar o capital
necessário para a sobrevivência, ou seja, por mais que um trabalhador não
queira levantar cedo para trabalhar, assim o faz para garantir o sustento de
sua família, abrindo mão de suas liberdades para cumprir um contrato já
estabelecido. Assim, as instituições não são externas aos indivíduos ou isentas
de valores, mas estabelecem uma hierarquia valorativa em relação ao
comportamento dos indivíduos em geral. A dinâmica de racionalização
desenvolvida por Weber enxerga esse enquadramento como uma forma de aprisionamento
e busca uma antítese na luta pelo rompimento com esses padrões. Na realidade
brasileira pode-se observar esse tipo de esforço através de décadas de lutas
sociais que trouxeram recursos para ações afirmativas importantes para as
classes dominadas, como as cotas para acesso ao ensino superior, por exemplo.
O discurso conservador recorrente
em nossa sociedade brasileira atua de forma a valorar as ações ditas como ideais,
desprezando e institucionalizando o ódio e aversão a tudo que seja considerado
fora do padrão estabelecido pelas classes dominantes. A reprodução de questões
ligadas a direitos de família, por exemplo, repudia direitos humanos básicos
como o direito à vida (no caso do aborto, visto como pecado e erro material),
ou direito à dignidade (no caso de episódios de homofobia). Embora pareça um
pensamento irracional, esse modo operante nada mais é do que o aprisionamento
em moldes pré-determinados, onde o que foge de seu escopo deve ser ignorado e destacado
da cultura dominante. Ainda, o mercado, como grande inviabilizador de tudo
aquilo que escapa à perspectiva do padrão, torna tantas questões latentes de
nossa sociedade ainda mais excludentes, como a subvalorizarão do trabalho da mulher
ou a constante busca pela redução dos direitos trabalhistas de uma forma não tão
evidente.
Enfim, a realidade de nosso país
pode ser entendida sob uma perspectiva social onde a classe dominante atual se intitula
liberalista com comportamentos conservadores. Essa dualidade, própria do
sistema e modernidade capitalista, transforma a classe dominada em personagens
a serem catalogados segundo a ótica vigente. Diante de tantas incongruências e
dificuldades no enquadramento de nosso cenário atual, o patrimonialismo é fruto
de uma má compreensão, decorrente de variações culturais em todo Ocidente,
próprias dessa dupla fonte moral. O fim último se dá através da disciplina e autocontrole,
levando aquilo que é válido e racionalizado para todas as esferas da vida da
racionalidade moderna.
(Laredo Silva e Oliveira - 1º Ano Direito Noturno)