Em seu capítulo 2 do primeiro volume
da obra “A divisão do trabalho social”, por título de “Solidariedade mecânica
ou por similitudes”, Émile Durkheim aborda as influências da consciência
coletiva sobre a sociedade e a organização geral do Estado. Para o autor, essa
autoridade que permeia todas as consciências dos indivíduos é baseada nas
tradições e culturas que moldam os modos de agir e pensar. No texto, Durkheim
coloca o crime como sendo a maior violação dos dogmas criados pelas
instituições formadoras da consciência coletiva, situações que possuem um
aspecto histórico de reprovação pelo sentimento coletivo e, a partir disso,
ganharam uma reação de condenação e cumprimento de pena prevista em um ordenamento
jurídico, além do agravamento pela vergonha, movida pela passionalidade da
consciência comum.
Isso nos remete a realidade
brasileira do Código Penal e suas implicações para os indivíduos da nossa
sociedade. O nosso sistema pode ser caracterizado como punitivo e construído
sobre um pilar da consciência coletiva, chegando a ser comparado a sociedades
menos complexas, que têm a pena como defesa social baseada em uma reação
passional.
O Professor Sérgio Salomão Shecaira,
advogado, Professor Titular do Departamento de Direito Penal da Universidade de
São Paulo, Presidente do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do
Ministério da Justiça, em seu artigo “A Lei e o outro” escreveu que o “sistema
punitivo é burocrata e insensível”. Ao defender que as penas e o sistema
carcerário brasileiro não pretendem restituir o individuo a sociedade, como é
defendido pelo direito moderno, o Professor Shecaira conclui que ninguém está
interessado no destino do acusado, destacando o distanciamento que cada instituição
que forma o sistema punitivo e seus profissionais do direito mantém em relação
aos autores dos crimes. Esse fato possui relação com a seguinte afirmação de
Durkheim, que coloca a consciência coletiva: “O crime aproxima as consciências
honestas e as aglutina”.
Por fim, podemos concluir que o
caráter restitutivo do direito, que deveria ser criado, segundo Durkheim, a
partir da solidariedade orgânica da sociedade, perde sua eficácia diante dos
aspectos passionais que vigoram na consciência coletiva e no processo jurídico
atual. O Professor Shecaira coloca mais esse aspecto em seu texto:
O crime, como expressão de um conflito,
na maior parte das vezes, não é mais compreendido pelos juristas. Seu
encastelamento em torno das normas impede o questionamento da lei e a busca do
fundamento doutrinário da pena. Os conceitos com puro esteio na norma
neutralizaram a discussão sobre as determinações sociais do delito, sobre qualificação
política da transgressão ou sobre as razões existenciais, estruturais e
conjunturais que condicionam a pena. A dogmática estrita cobre com um manto
supostamente neutro as decisões cotidianas da justiça que são (ou deveriam
ser), antes de tudo, humanas. O referencial de sensibilidade foi substituído
pelo paradigma da lei. Muitos perderam a liberdade de escolha como se o tamanho
do problema carcerário não fosse fruto das nossas decisões. Acredito que ainda
está por ser elaborado o manifesto da sensibilidade jurídica que possa fazer
com que os operadores do direito pensem sobre o papel que desempenham
socialmente e sobre os papéis que estão sobre a mesa diante de si.
REFERÊNCIAS:
Shecaira, Sérgio Salomão. “A Lei e o Outro”. Disponível em: <
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/20/Documentos/Artigos/00000030-001_SergioShecaira.pdf>.
Data de acesso: 23 de agosto de 2012.