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quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

ADPF 186 não é um favor !

  A ADPF n.186 apresentada ao  Supremo Tribunal Federal decorreu da ação ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) para impugnar a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). Por unanimidade dos votos tal ação foi julgada improcedente, utilizando-se de argumentos baseados nos princípios fundamentais e nos direitos já garantidos na Constituição Federal, como no caso do arts 3°, 6°, 204, 205, também foram mencionados as Leis de Diretrizes e Base da Educação Nacional e o Plano Básico de Educação. 

  Defender o oferecimento de cotas para acesso às entidades de Ensino Superior não pode se visto como um favor ou um “agrado” por parte do Estado, também há a responsabilidade ético-jurídica da sociedade e do Estado em adotar políticas públicas que respondam a esse déficit histórico, na tentativa de superar, ao longo do tempo, essa desigualdade material e desfazer essa injustiça histórica de que os negros são vítimas ao longo dos  anos. Ademais, é sobre a defesa de um ensino democratizado onde cada vez mais todos possam ter as mesmas oportunidades e receber os mesmos privilégios, que apesar de atualmente ainda serem mínimos, já vemos o resultado quando jovens pobres, pretos e da periferia alcançam um diploma de ensino superior, superando perspectivas que eram impossíveis décadas atrás. 

  Atualmente, com as políticas de ações afirmativas e de cotas, as classes minoritárias passaram a fazer parte dos “Espaços dos Possíveis” de Pierre Bourdieu, que antes eram habitados pela elite, que no processo pode ser representada pelo DEM, afinal verificamos no dia a dia resultados de tal política pública, tendo como base dados da plataforma Quero Bolsa, constatou que de 2010 a 2019, o número de estudantes negros no ensino superior cresceu quase 400%, totalizando 38,15% dos matriculados

    Segunda ainda Garapon e Maus, tal processo é caracterizado pela magistratura do sujeito, uma vez que há mobilização do sistema judiciário em garantir um direito fundamental que demorou vários anos para ser conquistado e obtivesse resultados efetivos, afinal sem o envolvimento da jurisdição ações como essa que defendem o acesso democratico as Universidades Públicas, tal direito talvez nunca fosse materialmente consagrado.Além disso, todo o movimento foi impenetrado através da lutas dos grupos sociais que eram atingidos, e não por um mero “ativismo judicial” realizado por uma pessoa específica tentando valer-se de sua autoridade. 

    Para mais, podemos perceber na decisão do STF a ruptura de um padrão que até então era presente nas decisões, ideais conservadores e preconceituosos, ocorre então um distanciamento com a ideia de “monocultura jurídica", tendo em vista que o padrão anterior não contemplava a classes minoritárias. Portanto, ao julgar improcedente a arguição o Supremo dá um grande passo em busca de uma igualdade material para a sociedade brasileira. 

     Por fim, não devemos conceder toda a fama para aqueles que tomaram a decisão, mas sim pelas comunidades que lutaram por ela, por cada jovem que superou suas próprias perspectivas para alcançar um patamar antes inabitável por jovens pretos e de classe baixa, a luta pela igualdade e pelo acesso à educação está longe de chegar ao fim, celebremos o que já foi conquista mas não devemos nos esquecer que ainda há muito mais para fazer.


Thais Maria Rosario

Direito Noturno


(mandei um e-mail avisando que esse texto tinha sido salvo como rascunho, estou reenviado agora, obrigada)


Afinal quem está sendo protegido? Os pretos ou os racistas?

 



 O partido Cidadania, através da Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) 6987, busca que o Supremo Tribunal Federal  reconheça o crime de injúria racial como espécie de racismo. O partido pede a declaração da inconstitucionalidade parcial do disposto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal (injúria qualificada), para excluir dele os critérios “raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, de forma a assentar que a conduta de ofender um indivíduo em sua honra por elemento racial deve ser compreendida como o crime de racismo.

  O  discurso racista na sociedade brasileira se dá, principalmente, na forma de ofensas a indivíduos por seu pertencimento a grupo racial minoritário, o que se convencionou chamar de injúria racial. Essa ofensa à honra subjetiva por elemento racial constitui uma das principais ferramentas do racismo estrutural para a inferiorização da população negra. Assim, não reconhecer a injúria racial como espécie do crime previsto na Lei do Racismo, torna ineficaz o repúdio constitucional ao racismo, por não considerar imprescritível e inafiançável uma das suas principais formas de manifestação de tal modalidade de preconceito no cotidiano. Desse modo, seria como considerá-la supostamente menos grave, uma espécie de crime de menor importância do que a ofensa a coletividades por questões raciais, o que inviabiliza não só a efetividade, mas a própria eficácia do repúdio a todas as formas de racismo.

   Apesar de ambos os crimes estarem diferenciados no Código Penal, o crime de injúria racial e o racismo, na prática do dia a dia não se distanciam, uma vez que a principal forma de manifestação de um ato racista é realizado por meio do que é definido como injúria.Nesse sentido, podemos perceber o que Achille Mbembe conceitua como alterocídio, um fato presente na atualidade no qual se cria a necessidade de excluir o outrem quando este não se adequa às necessidades de um outro em posição de controlador. Portanto, tal teoria se enquadra em relação aos crimes raciais, afinal como o racismo é estrutural em nossa sociedade, ele está presente principalmente na elite branca brasileira, que na prática, são as mesmas que fazem parte de toda a estrutura do direito, desde sua criação até sua aplicação.Sendo assim, tais medidas como a diferenciação da injúria como racismo serve como um mecanismo da elite branca de atribuir menor grau de culpabilidade ou seriedade para os crimes de racismo, que são em sua maioria, cometidos por essa nata da sociedade contra a comunidade preta. 

   Por fim, a ADI 6987, ao atender o pedido do Cidadania, torna possível, o início de uma luta anti racista também na esfera constitucional, ao quebrar os mecanismos do alterocídio, e ao proteger aquele que realmente é atingido pela ofensa racista e não mais aquele que a profere. 


Thais Maria Rosário

Direito Noturno