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domingo, 6 de setembro de 2020

Abandonai toda a esperança, vós, juristas, que entrais!

O intelectual Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920), mais conhecido simplesmente como Max Weber, é uma das figuras mais importantes para a fundação da Sociologia. De acordo com ele, o objetivo dessa ciência não é o de modificar o mundo, como os marxistas defendiam, mas sim compreender o mundo através da análise das ações dos indivíduos. Dessa forma, é perceptível que o indivíduo ocupe um lugar centra na análise weberiana, já que a subjetividade é a ação última da ação social, que nada mais é do que o modo como alguém conduz sua vida, sempre orientada em relação ao outro, e que “esconde” nele as interpretações do coletivo. Ao entendermos o fundamento da ação social, entendemos a sociedade em que ele se insere, já que esse conceito está muito ligado à cultura.

            Além da ação social, Weber desenvolve outros conceitos como o de dominação e poder. Em sua obra “Conceitos Básicos de Sociologia”, ele as define: dominação implica na probabilidade de “ter o comando de um dado conteúdo específico, obedecido por um dado de pessoas” e poder é “a oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém impor a sua própria vontade mesmo contra a resistência e independentemente da base na qual essa oportunidade se fundamenta”. Nessa mesma obra, Weber defende um ponto muito interessante: na modernidade, o exercício do poder e da dominação no capitalismo se dá predominantemente por meio de dinâmicas de racionalização, que tratam da calculabilidade dos fenômenos como pressuposto da vida econômica, que é inclusive observado no Direito. Por mais que essa obra tenha vindo a público no início do século XX, atualmente podemos dizer que essa racionalização expressa no Direito continua extremamente relevante e cada vez mais desafiadora na contemporaneidade.

O fenômeno que desafia o Direito se chama 4ª Revolução Industrial: "Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes", diz Klaus Schwab, autor do livro A Quarta Revolução Industrial. Essa revolução está relacionada com o desenvolvimento de tecnologias como nanotecnologia, neurotecnologia, biotecnologia, robótica, inteligência artificial e diferentes formas de armazenamento de energia. Essas mudanças cada vez mais rápidas desafiam o Direito na medida em que elas se fazem cada vez mais presentes no dia-a-dia das pessoas e as normas para regulamentá-las não são elaboradas na mesma velocidade. Juridicamente, essas novidades criam situações muito delicadas, pois a previsibilidade delas cada vez diminuem mais, trazendo um clima de insegurança jurídica.

A dificuldade em racionalizar o Direito atualmente não está vinculada exclusivamente às novidades tecnológicas, podemos sentir impactos no setor empresarial também, mas especificamente nas startups. De acordo com Steve Blank e Bob Dorf, na obra “Startup: Manual do Empreendedor”, startup é uma “organização temporária constituída para buscar por respostas que levem a um modelo de negócios que seja recorrente e escalável”. Em outras palavras, uma startup é um modelo de negócios que ainda não foi validado e, portanto, tem na sua essência a disruptividade, já que ela sempre busca uma solução que o mercado ainda não viu para problemas que já existem. Dessa forma, o desafio da ciência do Direito frente à atualidade é justamente casar previsibilidade e segurança para as relações sociais com imprevisibilidade, uma tarefa delicada e, que muitas vezes, deságua em uma espécie de “limbo jurídico”. Um dos exemplos mais importantes na relação delicada entre lei e um modelo de negócio inédito ocorreu com a Uber em diversos países do mundo, em que muito se discutiu a respeito de maneiras de regulamentar esse novo serviço, sendo cogitado, em diversas ocasiões, até mesmo seu banimento em diferentes locais. No Brasil, esse imbróglio só foi resolvido no ano de 2019 quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que plataformas tecnológicas de mobilidade urbana como a Uber não podem ser proibidas e que os municípios que optarem pela regulamentação não podem contrariar ou estabelecer requisitos adicionais àqueles estabelecidos na Lei Federal 13.640, que regulamenta o transporte individual privado por aplicativo.

É possível concluir, portanto, que a racionalização formal do direito para Weber é extremamente importante para o mundo capitalista. No entanto, a 4ª Revolução Industrial e as novas tecnologias advindas dela trazem novos desafios para o universo jurídico quase diariamente. Se a adequação da Uber a legislação brasileira demorou 5 anos – a Uber chegou por aqui em 2014 – e cada vez mais modelos de negócios disruptivos – startups – estão disponíveis para as pessoas experimentarem, é fácil perceber que temos um grande problema à caminho. O Primeiro Círculo do Inferno se aproxima de nós cada vez mais, só que desta vez, não há Virgílio nem Beatriz para nos guiar.


DIOGO PERES TEIXEIRA -  DIREITO 1º ANO - MATUTINO

Confiança e Dominação; Consciência e Disciplina

De acordo com as definições de Weber, a dominação se dá pela probabilidade de que um indivíduo possa, com êxito, influenciar outro a tomar ações de acordo com as vontades do primeiro. Em um primeiro momento, a dominação possa parecer uma atitude nefasta, mas pode-se perceber que as qualidades coercitivas do ato dominador também estão presentes no simples e inocente ato de utilizar da confiança em outrem. Um pai que aconselha seus filhos, um professor que ensina seus alunos, ambos estão exercendo dominância através da confiança que lhes é incumbida a partir do pressuposto de que eles possuem mais conhecimento sobre aquilo que estão ensinando do que aqueles que estão sendo dominados, nesse desigualdade de conhecimentos se legitima a dominação. Seria essa estrutura de poder inerentemente imoral ou problemática? Acredito que não, o ato de dominar é mero instrumento no objetivo humano de transformar o mundo que nos cerca, algo que se encontra na própria fundamentação do direito, e nem toda transformação almejada por um indivíduo é egoísta, embora o formato de tais transformações sempre sejam moldados pela cosmovisão individual. O que quero dizer é que, se um indivíduo deriva prazer da felicidade e satisfação alheia, porque deveríamos considerar seu altruísmo menos valioso do que aquele realizado por um misantropo? Creio eu que talvez isso seja consequência das estruturas culturais abraâmicas, que tendem a valorizar uma ação baseado no sacrifício e no sofrimento que tal ação requereu, uma visão útil na conformação do sofrimento para indivíduos abusados. De qualquer modo, simplesmente queria demonstrar que nem todo exercício de dominação implica em um avantajamento do dominador. Mas, se aqui eu defini o uso pedagógico como sendo um uso moral da dominação, e a pedagogia sendo uma dispersão de conhecimentos, não seria então a dominação melhor vista como um "mal necessário"? Conforme o conhecimento é ensinado, o desequilíbrio de poder entre mestre e discípulo se reduz, então não estaríamos aspirando à um mundo sem desequilíbrio de poder, um mundo sem dominação? Primeiro, vale dizer que um mundo com um perfeito equilíbrio de poder seria um mundo sem individualidade, diferenças de poder não nascem apenas de diferenças em termos de magnitude sobre conhecimentos e capacidades, mas também de uma diferença de valores e morais que decidem nossas ações e como essas interagem com o mundo material. Segundo, é realmente o potencial de dominação, e por consequente a necessidade da confiança, puramente uma coisa ruim? Embora seja uma potencial ameaça para a liberdade e para aqueles que prezam por uma completa inviolabilidade do ser, o exercício de confiar e de ter a confiança de alguém é talvez uma das ações mais humanas que exista, que gera afeição, empatia, e um forte sentimento de comunidade.

Embora até aqui eu tenha argumentado pelos potenciais aspectos benéficos da dominação, não tenho nenhuma intenção de negar seus aspectos maléficos, um pai que aconselha apenas para desdenhar a individualidade de seu filho afim de satisfazer seu próprio egocentrismo, ou um professor que recusa críticas de seus alunos, utilizando de um argumentum ad verecundiam, ou seja, um apelo à autoridade de sua posição como professor para silenciar qualquer questionamento, seriam claros exemplos de um exercício de dominação sendo usado egoisticamente pelo dominador e para o detrimento dos dominados. Mas, para mim, o problema não deve ser enfrentado meramente repelindo o potencial para a dominação como um todo, pelos motivos apresentados anteriormente, mas sim pensando as questões de tratamento na nossa organização social e repensando os critérios que utilizamos para decidir quem merece nossa confiança. Para o primeiro, se ora somos mestres e ora somos escravos nesse grande jogo de dominação que envolve as relações sociais, por que aceitamos a noção de humilhar e desrespeitar os dominados? Por que damos razão para uma cultura de carteiradas, que usam de indicadores de autoridade não para ganhar e prezar uma confiança quanto a uma especialidade, mas sim para perpetuar uma ilusão de maior valor enquanto indivíduo, menosprezando os méritos dos outros? E para o segundo, enxergo que o maior desafio seja desenvolver um senso crítico sobre quem é digno de confiança, mas também ser capaz de aceitar o domínio de alguns sem danificar sua legitimidade. A legitimidade é uma necessidade administrativa, se fôssemos plenamente críticos de tudo e todos, seria impossível coordenar qualquer projeto comunitário. Mas por outro lado, se permitirmos que nossa confiança seja facilmente sequestrada por apelos irracionais, não seria difícil usar de esforços de marketing com mensagens de efeito, apelos emocionais e tradicionalistas, e utilizar dos ídolos Baconianos para convencer-nos a confiar tudo para qualquer "mito" por aí, por mais desmerecedor de confiança que ele fosse. Nisso se caracterizaria o complicado equilíbrio entre consciência e disciplina. 

Uma sociedade completamente disciplinada seria uma sociedade facilmente maleável, que iria facilmente acatar ordens e se encaixaria em qualquer estrutura de poder. Embora tal sociedade pudesse ser muito eficiente, em termos administrativos, sem uma consciência bem desenvolvida, a sociedade não seria capaz de regular ou direcionar o propósito de seus trabalhos, ou de se desenvolver enquanto seres humanos. Por isso acredito que nunca devemos acreditar naqueles que exigem a disciplina de uma máquina, infalível e subserviente, temos que desenvolver um sistema que nos permita manter a nossa coesão e coordenação social, mas que também melhor atribua legitimidade e nos permita usar da nossa consciência para direcionar nossa confiança sem sermos iludidos por mal agentes.

Violência e exclusão por meio da perspectiva de Max Weber

          O sociólogo alemão Max Weber trabalha a ideia de “ação social” como método para se estudar a sociedade. Diferentemente do “fato social” de Durkheim, a análise de Weber é mais objetiva, não olhando para o núcleo social como um todo, mas sim às ações individuais que compõe um fenômeno social a fim de identificar seus respectivos sentidos. Assim, compreende-se cada ação voltada para uma outra pessoa como uma mobilização de valores do indivíduo, a qual é dotada de uma intencionalidade, seja ela racional, efetiva ou tradicional. Já na área política, Weber reflete sobre os tipos de dominação encontrados na sociedade, na qual determinados indivíduos se submetem à vontade de outros de acordo com a legitimidade dada pela relação, podendo ela ser de ordem legal, carismática ou tradicional. Logo, a ideologia weberiana pode ser utilizada para entender as divergências entre indivíduos de diferentes culturas e como isso acarreta problemáticas como a violência, e para refletir acerca das explorações cotidianas e formas como se exclui do cidadão humilde o direito de questionar a realidade capitalista, onde o direito é o grande mecanismo de controle social e mantimento da ordem vigente.

            Sabendo que ações são condicionadas pelos valores adquiridos pelo indivíduo ao longo de sua vida, o cenário social brasileiro, repleto de realidades distintas entre os habitantes, se torna local de análise das diferentes ações sociais possíveis. Na música “Fim de semana no parque”, do grupo de rap Racionais Mc`s, é tratada a exclusão do direito ao lazer do povo pobre. Na letra, o eu lírico faz comparações entre as interações entre pessoas de classe mais elevada em um clube esportivo fechado e as relações entre crianças nascidas e criadas na periferia. Enquanto aquelas têm suas ações condicionados por uma criação repleta de oportunidades e privilégios, essas são descritas como frutos da informalidade e da degradação do meio, brincando com os pés descalços em ruas de terra, interagindo por meio de palavrões naturalizados em sua linguagem, e em constante contato com as drogas e a criminalidade. Assim, é possível entender, de forma breve, como que se dá o ciclo da criminalidade em periferias. Da perspectiva de Weber, abandonar a escola e ingressar no crime, para o jovem da realidade humilde periférica, pode ter motivação racional (ganhar dinheiro), emocional (apelo dos vínculos sociais) ou tradicional (falta de representatividade no meio educacional por parte de familiares). Logo, a questão da perpetuação da violência em áreas mais pobres mostra-se como um fator complexo, merecendo uma devida atenção por parte das autoridades, que devem prezar por maiores oportunidades para esses cidadãos, ao invés de tratar apenas como “vagabundagem”, como pensam os representantes do conservadorismo que toma conta do quadro político atual.

            Além da análise individual do indivíduo periférico, é relevante que se reflita sobre a relação da localidade composta por esses cidadãos com o aparelho estatal. Por meio da tipificação ideal das comunidades pobres por parte dos agentes do Estado, tem-se a ideia de que o crime toma conta do lugar e que a problemática deve ser tratada de maneira autoritária. Assim, vê-se que, em periferias, as autoridades agem, majoritariamente, de forma agressiva, vendo o morador pobre como o estereótipo do criminoso, colaborando para que esse preconceito se perpetue na cultura da sociedade capitalista excludente. Tal ideia é vista frequentemente em noticiários, onde são veiculadas notícias sobre ações policiais com fins trágicos. No estudo “Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada”, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, moradores de uma favela carioca relatam a relação da comunidade com os meios policial e jurídico brasileiros. Citam como a polícia exerce sua autoridade sob a comunidade por meio da violência, e como juristas efetuam sua dominação por meio do código de conduta elitizado e burocrático do direito, comprometendo a compreensão do povo humilde de sua situação jurídica. Não obstante, todas as relações entre o povo da favela com demais esferas da sociedade aparentam ser condicionadas pelo status legal da comunidade. Em certo momento do texto, um dos moradores fala sobre patrões que dispensam candidatos a vagas de emprego ao descobrirem que esses vivem na favela. Nesse sentido, o que se entende é que a classe empreendedora brasileira leva consigo um pensamento preconceituoso que desfavorece trabalhadores inocentes. A mesma índole pode ser vista em demais setores da sociedade, gerando cenas como a do entregador de aplicativo que, recentemente, foi humilhado por um morador de um condomínio fechado, que afirmava que o rapaz sentia “inveja” de sua condição social e da cor de sua pele.  Dessa forma, percebe-se que a periferia e seus moradores sofrem com as dominações legal, vista nos abusos dos representantes do Estado; carismática, a partir do surgimento de políticos populistas que se aproveitam das deficiências locais para fazerem falsas promessas e se elegerem; e a tradicional, expressa na cultura preconceituosa popular como um todo.

            Logo, o método de análise de Max Weber permite que se repare como a conduta dos indivíduos é traçada e a relação desta com a realidade na qual está inserida. Não somente, a visão de dominação reafirma que vivemos em uma sociedade que preza por aqueles que seguem as normas de uma classe hegemônica, mostrando que o Estado está a serviço dessa elite e trata de forma desigual os cidadãos. Assim, o que se vê é que a existência da criminalidade no Brasil está diretamente relacionada com sua grande desigualdade social e a consequente falta de oportunidades do povo mais pobre. Enquanto se perpetua o ideal dominante de que criminosos são só, e unicamente, frutos de desvio de moralidade, a problemática não será enfrentada da maneira correta, e a injustiça seguirá tomando conta da realidade nacional.

 

João Victor Rodrigues Ribeiro

1º ano- Direito

Noturno

Referências:

 

https://www.letras.mus.br/racionais-mcs/63447/

SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história

jurídico-social de Pasárgada.

https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2020/08/07/entregador-registra-boletim-de-ocorrencia-apos-sofrer-ofensas-racistas-em-condominio-de-valinhos-video.ghtml

LE(I)GITIMIDADE

 

Lucas Costa Mignoli Ferreira da Silva - Direito / Noturno