O presente texto
tratará da implantação e consequências da implementação da política de cotas
(principalmente da “racial”) em instituições de ensino públicas no Brasil.
Centraremos em três eixos básicos, o primeiro será introdução e
contextualização histórica, o segundo será uma analise da questão pela ótica,
do jurista e intelectual, Boaventura de Souza Santos e o terceiro será manterá
a argumentação, mas através de outras perspectivas.
O Brasil durante mais
de três séculos (primeiro como colônia e depois como Estado independente) permitia
a utilização da mão de obra escrava. Os primeiros a sofrerem com essa prática
foram os nativos e depois os africanos deslocados a força (a inclusão do trabalho
escravo africano não extinguiu o dos indígenas que continuou predominante em
regiões afastadas).
Em 1888, foi promulgada
a Lei Áurea que extinguiu o trabalho escravo, todavia, faltou um plano de
inclusão dos libertos na sociedade. Criando um elevado contingente de
indivíduos que vivam na pobreza e que não lhes eram oferecido condições mínimas
para terem seu sustento.
Foi imposta pelos
governos brasileiros, dos séculos XIX e XX, uma política para embranquecer a
população. Para isso foi patrocinando a vinda de imigrantes, principalmente de
regiões conflituosas da Europa, para ocupar os antigos opostos nas fazendas e
na nascente indústria. Mesmo com uma aceitação melhor na sociedade e
conseguirem uma relativa ascensão, muitos dos imigrantes também ficaram na
marginalidade.
Essa questão continua
presente até a atualidade. Em 1988, promulga-se uma nova constituição que
expressamente garante que entre os objetivos da República Federativa do Brasil está
“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais”. Então
é obrigação do Estado propor e implementar medidas que atinjam esse fim.
Entre as alternativas
adotadas está a Lei nº 12.711/2012,
conhecida como Lei de Cotas, que reservava 50% das vagas em universidades e
institutos federais para certos grupos, sendo assim feita a divisão:
“serão
subdivididas — metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar
bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para
estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo
e meio. Em ambos os casos, também será levado em conta percentual mínimo
correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com
o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).”
Partindo-se
então do princípio de que aqueles que ao concluírem o ensino superior os
indivíduos de baixa renda terão condições de conquistarem cargos com maiores
salários no mercado.
Apesar
de realmente ser uma política de inclusão que visa à redução da desigualdade, ela
não tende a concretizar os objetivos iniciais.
A
sociedade surgiu a partir de um contrato social que deveria atender as demandas
básicas e estabelecer restrições para garantir sua manutenção. Mas na
modernidade esse contrato está em crise, pois a desigualdade levou a exclusão
de parcelas significativas da população. No Brasil devido ao passado escravista
quem mais sofre com essa questão são os afrodescendentes.
Então
seria necessário um novo contrato que realmente atenda as demandas, ou seja,
que seja capaz de formar uma sociedade com menos desigualdade. Dificilmente as
cotas teriam essa capacidade.
No
primeiro semestre de 2016, através do Sisu
foram oferecidas aproximadamente 228 mil vagas em instituições públicas
(federais e estaduais) de ensino superior, então obedecendo a Lei de Cotas, metade
delas serão destinada aos cotistas.
Conclui-se
então que 50% das vagas serão disputadas por aproximadamente 82,7% alunos
(percentual de alunos do ensino médio no ensino público, em 2014, segundo o
IBGE),
claramente demonstrando que praticamente não se alterará a realidade
brasileira, visto que existem poucas vagas quando comparada com a demanda e
assim o contrato social continuará defasado.
Alega-se
que as cotas seriam uma alternativa a predominância das elites nas
universidades públicas, mas isso não significaria necessariamente o fim de sua
influência, visto que existem renomadas universidades particulares. Além de
terem condições de se aperfeiçoar e tornarem-se mais competitivos no mercado de
trabalho através de ferramentas não oferecidas nas universidades públicas ou
são restritas (cursos pagos, intercâmbios, entre outras).
O
atual contexto leva Boaventura alegar que a principal luta deve ser contra o capital
e a política de cotas não se mostrou eficaz contra esse adversário.
A
política de cotas pretendia a inclusão pelo consumo, ou seja, capacitar o indivíduo para o mercado e assim ele ter condições de se sustentar. O que acaba
sendo benéfico para o mercado, que sempre está a serviço da classe dominante. E
pode ocasionar a diminuição da qualidade do ensino público, que é voltado para
ensino, pesquisa e extensão e para facilitar a ascensão financeira o foco deverá
mudar o ensino voltado para o mercado.
Também
beneficia o mercado a instabilidade, mesmo com as cotas a maioria da população
de risco continuará nessa condição. Então apesar de ser uma forma não
hegemônica de exercer o direito, está beneficiando a classe dominante ao manter
a instabilidade com uma sensação maior de estabilidade (afinal as costas foram
comemoradas como uma grande conquista).
Com
o avanço do neoliberalismo, tende-se a existir uma menor regulamentação do
mercado e maior exploração do trabalhador, com o aumento nas negociações
diretas. Passando a ser questionável a melhoria da qualidade de vida através de
um emprego que exige ensino superior.
As
cotas visam incluir no sistema, não questionando o número de vagas nas
universidades públicas e não questiona a qualidade do ensino básico e médio,
dessa forma não podendo ser considerada uma medida emancipatória, pois não
discute os problemas em suas origens.
Agora
continuarei a argumentação, mas me afastando do professor Boaventura e focando
em outros aspectos.
Um
dos principais exemplos para justificar a política de cotas, principalmente da
“racial” foi que essa prática já era existente nos Estados Unidos há algumas
décadas. Entretanto esses métodos já estão sendo questionáveis, sofrendo
restrições e
em algumas localidades (com tendência para se expandir) sendo extintas,
já que não surtiu os efeitos esperados.
O
contexto nos Estados Unidos e no Brasil é diferente, o ingresso nas
universidades norte americanas está atrelado a uma entrevista, enquanto nas
brasileiras o critério é somente a aprovação em prova. Se o entrevistador for
adepto de teorias eugênicas a imparcialidade está comprometida e na aplicação
da prova o corretor não sabe de quem está corrigindo, sendo nesse caso difícil
questionar a imparcialidade.
Visando
conseguir um ingresso de forma mais fácil nas instituições de ensino público,
candidatos vêm se declarando, principalmente, negros e pardos. Pouco pode se
fazer a respeito, pois o sistema pede a “auto declaração”, o que é difícil,
visto que a miscigenação existente é provável que muitos indivíduos tenham
antecedência nesses grupos, mesmo que não aparenta fisicamente.
Instituições,
de forma polêmica, tentam estabelecer quais são as características físicas para
poder ser cotista. Tal prática se aproxima das
existentes durante o apartheid na África do Sul, que dividiam as supostas “raças”.
Para
o ingresso no ensino universitário público é necessário, inclusive para os
cotistas, conseguir um mínimo de pontuação, mas infelizmente existe uma grande
defasagem entre os ensinos (fundamental e médio) públicos em comparação aos
particulares. Levando a ociosidade de vagas, pois
elas não podem ser disputadas pela ampla concorrência, sendo um desperdício dos
recursos públicos e para a sociedade que não terá esses profissionais
formados.
Meritocracia
pode ser definida
“como um sistema ou modelo
de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo. A origem etimológica da palavra
meritocracia vem do latim meritum, que significa “mérito”, unida ao
sufixo grego cracía, que quer dizer “poder”. Assim, o significado
literal de meritocracia seria ‘poder do mérito’”.
Medidas que visem atingir esse princípio estarão acarretando
em injustiças, visto que o fato de alguém ter tido melhores condições para se
dedicar aos estudos, não significa que não seja merecida a vaga.
Após a formação educacional o normal é a tentativa de
ingressar no mercado de trabalho e as cotas não necessariamente irão auxiliar
nessa questão, já que podem selecionar pelos próprios critérios os
funcionários.
Ao
utilizar o termo “racial” presume-se que os seres humanos possam ser divididos
em raça, o que é uma falácia, só a utilização desse termo já pode ser
considerado racismo. A comprovação vem do Projeto Genoma Humano, que ao
sequenciar a maior parte do DNA humano permitiu afirmar
“que mesmo com as diferenças físicas entre as
pessoas, a espécie humana é única. Assim, não importa se sua pele é negra,
branca, parda; se seus olhos são arredondados ou puxados; se seus cabelos são
lisos, crespos, pretos ou loiros – todos fazemos parte da mesma espécie.”
Conclui-se
que as cotas (sociais e “raciais”) dificilmente atingirão seus objetivos
revolucionários, pois em um cenário mais próximo do brasileiro (nos Estados
Unidos) não funcionou e está sendo debatida sua diminuição. Isso se deve a ela não enfrentar
completamente a raiz do problema (marcado, capital, elite, entre outros) e não
garantir que após a diplomação os beneficiários conseguiram uma mudança
revolucionária em suas condições. E em certos casos essa política até ajuda aqueles
que seriam os causadores da desigualdade, formando mão de obra e impondo uma
educação mercadológica nas universidades.
João Pedro Costa
Moreira 1º Ano Direito Noturno