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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Paixões primitivas

O que é crime? Por que alguns atos são considerados criminosos e como se quantifica a pena que se deve dar a cada um deles? Émile Durkheim aborda essas questões de maneira muito interessante, estabelecendo as relações entre o crime e a sociedade. Primeiramente, nota-se que o grau de nocividade do ato criminoso nem sempre é proporcional à intensidade da pena que recebe, e o autor questiona por que crimes como o assassinato são muito mais severamente punidos do que outros que, em sua visão, provocam um mal maior à sociedade (falências, por exemplo). Segundo ele, "O que é um homem a menos na sociedade? O que é uma célula a menos no organismo?". Por mais que esses questionamentos sejam controversos, eles nos levam a entender o sentido da pena e a verdadeira função que exerce. Crimes são, essencialmente, atitudes universalmente reprovadas pelos indivíduos, ou seja, ações que, dentro de nossas mentes, já estão condenadas e estigmatizadas por consequência de uma consciência coletiva. Portanto, o crime é uma ofensa aos sentimentos coletivos, mas não os mais banais ou comuns, e sim os que estão fortemente gravados em todas as consciências, mesmo que não de maneira explícita. Tanto é que o direito penal não dita o dever a ser cumprido; não estabelece proibições, e sim penas. Isso nos mostra que, mesmo a regra não estando claramente expressa, ela é conhecida e aceita por todos; não é preciso que esteja escrito que algo é proibido para que saibamos que o é. E assim é a consciência coletiva: ela se forma a partir de paixões tão definidas que não se pode contrariá-la, e quando algum ato as ofende, fica claro que trata-se de um crime, como Durkheim coloca, "não o reprovamos porque é um crime, é um crime porque o reprovamos."

É nas sociedades primitivas (menos complexas) que a consciência coletiva se manifesta de maneira mais intensa, e a ideia de pena está relacionada a vingança. Por isso os crimes eram julgados de maneira difusa, sendo o povo encarregado de administrar a justiça e aplicar essa pena, que de maneira geral representava uma vingança contra aquele que ofendeu um forte sentimento coletivo. Nesse ponto destacamos as paixões públicas, que configuram essencialmente uma reação passional, quase que instintiva, contra a ofensa sofrida. As paixões individuais podem até não serem afetadas com determinado ato, mas a repressão do crime é reclamada não como algo pessoal, mas por conta de um sentimento sagrado, superior a cada um analisado separadamente. E, nesse contexto, é a sociedade que se vinga pelos indivíduos, visto que o Estado é a expressão máxima do tipo coletivo, se encarregando de estabelecer uma pena por um ato que acabou por perturbar o equilíbrio da sociedade. Disso concluímos que a manutenção da coesão social é, portanto, a verdadeira função da pena, demonstrando o apego do indivíduo à sociedade e a superioridade desta sobre ele (aspecto sempre presente no pensamento de Durkheim). Dessa maneira, tudo o que abala as paixões coletivas compromete a sociedade, merecendo, por esse motivo, uma sanção.

É importante ressaltar que, nessa análise, o autor refere-se às sociedades primitivas, e não à sociedade moderna. Entretanto, muitas vezes nos deparamos com casos contemporâneos que revelam que muito disso também vale para uma sociedade considerada complexa, como a nossa. O embate entre paixões públicas e privadas continua muito vivo na atualidade, e o fato de a consciência coletiva ser colocada acima de tudo pode ser verificado constantemente, como no caso da estudante que foi fortemente hostilizada numa universidade pelas roupas que vestia. O que nos cabe analisar aqui é o motivo que levou as pessoas a agirem dessa maneira: o modo como a estudante estava vestida certamente não influenciaria em nada as vidas ou o cotidiano de cada um, mas a consciência coletiva falou mais alto e fez com que achassem por bem condená-la moralmente. É isso que Durkheim procura deixar claro, que a pena nada mais é do que uma expressão dos sentimentos coletivos, das paixões que nossas mentes cultivam de maneira conjunta, e acabam por sobrepôr-se às questões individuais. E o que chega a ser ainda mais intrigante é que isso esteja se fazendo presente na nossa sociedade, com toda sua modernidade e complexidade. Será que isso quer dizer que, apesar de toda a evolução que presenciamos, ainda nos deixamos levar por paixões e hábitos primitivos? E até que ponto essas "paixões" podem refletir de maneira negativa em nossos atos, e no modo como julgamos os outros?

(Postagem baseada no Tema 2)

O passado é agora

Durante a vida escolar sempre houve, há e haverá preferência por determinadas disciplinas em detrimento de outras por parte dos alunos. No caso da matéria História, muitos se já se questionaram a necessidade de se aprender sobre acontecimentos tão remotos como, por exemplo, a Antiguidade Grego-romana. Bem, uma das razões identificáveis para tal estudo é o de ser capaz de reconhecer e interpretar as influências do passado na contemporaneidade.

Émile Durkheim, ao desdobrar-se sobre o tópico da divisão do trabalho social, mais especificamente no campo da solidariedade mecânica, possibilitou uma base sólida de pensamento para o surgimento de novos exames sociais sobre a atualidade. Portanto, forneceu meios àquela capacidade histórica de identificação e aclaração aos sociólogos modernos.

Assim, entre outras ideias notáveis, Durkheim deixou-nos como herança a concepção de consciência coletiva, quando tratou extensivamente sobre a essência do crime e as características de sua devida sanção. Essa consciência deriva dos valores, representações e motivações sociais.

Dentro daquela concepção, nas sociedades ditas primitivas, Durkheim afirma que a consciência coletiva impera sobre o indivíduo, coagindo-o a se portar dentro dos padrões já determinados. Caso haja uma extrapolação desses parâmetros, haverá uma sanção, uma vez que o delito parecerá maléfico e a reação àquele expressa a forma pelo qual o crime é sentido no agrupamento social.

Em contrapartida, Durkheim previu que nas sociedades denominadas complexas, o individualismo – porém sem a inclusão nele do egoísmo e egocentrismo – avançaria nas pessoas e mudaria completamente o seu jeito de raciocinarem. Isso não foi de todo errado, pois a maior parte da humanidade realmente redirecionou seu ponto de vista e liberalizou-se nos comportamentos e costumes sociais.

Porém, pode-se notar que os assuntos polêmicos que hoje se apresentam – homossexualidade, aborto, experiências com células-tronco, adultério, laicismo, pedofilia, cotas raciais, entre outros – têm pontos em comum além do fato de dividirem populações em diferentes opiniões e argumentos. Eles expõem das sociedades complexas traços característicos de agrupamentos primitivos. Aqui está a atuação do pretérito no presente.

Ainda hoje, pleno século XXI d.C, julga-se, por exemplo, as opções sexuais e religiosas de cidadãos. Trejeitos primitivos enraizaram-se de tal modo que a consciência social continua sendo objeto para repressão e violação. A intolerância sempre existiu, mas Durkheim – muito infelizmente – enganou-se ao imaginar que a solidariedade orgânica reinaria sobre todos os seres sociais. Basta aos integrantes esclarecidos das sociedades mudarem esse quadro.