Hodiernamente,
em oposição ao que Émile Durkheim preconizava, a solidariedade mecânica aumenta
exponencialmente, manifestando-se de forma automática, por impulso, como, por
exemplo, através de crenças. Embora não esteja na consciência individual, ela
se encontra na consciência coletiva, já que, ao contrário da solidariedade
orgânica, o indivíduo não está vinculado à sociedade, mas sim ao hábito e ao
costume. Esse aumento é preocupante, pois tal visão entorpece a sociedade,
intensificando a desconfiança no direito como técnica e nos legisladores,
gerando uma afinidade crescente com o direito punitivo e repressivo, o que
acaba por retomar os padrões de uma sociedade pré-moderna, que busca eliminar o
indivíduo que descumpre a norma.
Em
contraste com a solidariedade mecânica, a solidariedade orgânica não se
manifesta apenas por uma pulsão da tradição ou crença, mas sim quando o
indivíduo reconhece sua função social em prol do coletivo, sendo algo realizado
em nome do funcionamento do todo. A coercitividade do direito pode criar a
solidariedade orgânica, mesmo que de maneira artificial. Essa solidariedade é a
ligação do indivíduo ao todo, permitindo que a sociedade continue a funcionar.
Nesse contexto, Durkheim defende o direito técnico como elemento restitutivo,
argumentando que, em uma organização social tão complexa e interligada como a
atual, não é possível eliminar todos aqueles que cometem um crime, já que ainda
haveriam funções sociais a serem cumpridas. Além disso, o direito, como
elemento central da sociedade, também oferece um horizonte de conduta para os
indivíduos, e, por meio de suas punições, pode fazer com que o infrator se
torne o instrumento de ressonância que reitera para o restante da sociedade a
reafirmação constante da moral e da norma.
Nesse
contexto, o caso de Malcolm X, um americano preso por assalto à mão armada,
condenado a 10 anos de prisão (dos quais cumpriu 6), e, após sua soltura,
tornou-se um dos maiores ativistas pelos direitos dos negros nos Estados
Unidos, exemplifica a importância do direito restitutivo. Durante seu
encarceramento, Malcolm X se dedicou a aprender a ler e escrever, estudando
história e filosofia para embasar suas reivindicações, o que lhe permitiu se
tornar uma figura central na luta pelos direitos civis e pela cultura negra.
Esse caso ilustra a importância do direito restitutivo, pois suas contribuições
para a sociedade reverberam até os dias de hoje, influenciando movimentos de
direitos civis, ativismo racial e até mesmo questões de justiça social. Caso o
direito punitivo tivesse prevalecido, eliminando-o, o importante papel social
de Malcolm X, juntamente com suas lutas e conquistas, não teria se
concretizado.
Ademais,
cabe enfatizar que, ao contrário do positivismo preconizado por Comte, que
condena as mudanças, o funcionalismo as compreende como necessárias. Em uma
sociedade funcional, o indivíduo nasce com uma função pré-estabelecida e, a
partir da solidariedade, renuncia às suas vontades em favor do bem comum, ou
seja, a sociedade prevalece sobre o individual. Assim, quando necessário, a
sociedade cria novas funções sociais para cada um, visando à integridade do
coletivo. A força que une os indivíduos, mesmo quando estes negam a si mesmos e
seus impulsos, para cumprir as normas e sua função social, é a solidariedade,
que se expressa por meio da consciência coletiva. O indivíduo cumpre essas
normas mesmo sem perceber, razão pela qual, para Durkheim, o individual não
existe como uma entidade isolada, pois cada pessoa é a expressão constante do
que a sociedade espera dela.
Nesse
contexto, ao analisarmos casos como a criação da "Americans with
Disabilities Act" (ADA), em 1990, que garante direitos às pessoas com
deficiência, pela ótica funcionalista, percebemos como a sociedade se adequa às
reivindicações sociais, considerando essa mudança como necessária. Para evitar o
declínio, a desintegração da sociedade, ou seja, a anomia que poderia surgir a
partir do menoscabo estatal frente à movimentos como o "Independent
Living", que defendiam a criação de leis para garantir a igualdade de
oportunidades e acesso, ficou claro que a sociedade precisava abraçar essas
reivindicações e se adaptar a elas. Não seria possível cerceá-las, como
defendia a lógica positivista. Assim, a lei foi sancionada, garantindo que
pessoas com deficiência tivessem os mesmos direitos que os demais cidadãos nos
diferentes âmbitos sociais, tornando-se uma das leis mais impactantes de
direitos civis dos Estados Unidos, promovendo a acessibilidade e a igualdade de
oportunidades para pessoas que, antes, não possuíam amparo legal.
Gustavo Zoca Goulart de Andrade
– primeiro ano de direito noturno