A perspectiva dos sociólogos estudados até aqui tem como fundamento as suas maneiras e filosofias de conceber o mundo, a apreensão do conhecimento humano e a organização social como um todo. Max Weber é, se não o primeiro, o mais importante entre os pioneiros cientistas que viveram uma época de estudo e leitura mais ampla que a de seus antecessores e que, a bem e a mal, é o que constitui a ciência do mundo contemporâneo. Os cientistas e a ciência a partir de então passam a ser a formulação de um conhecimento cada vez mais adquirido racionalmente por meio de leituras de clássicos e estudiosos políticos, jurídicos e da sociologia, no que tange à perspectiva weberiana, na qual o principal produto enquanto método e conteúdo de sua obra é a perspectiva plural, a consolidação de suas perspectivas fundamentadas em outros conceitos e fundamentações teóricas já consolidados, e o caráter completo de seu produto final, que não trabalha com generalizações como era feito até então, ou como outras formas de ciência trabalham ainda hoje. isto posto, analisemos o caso da perspectiva weberiana, principalmente exposta nos parágrafos a que nos foi proposta a leitura, e na exposição em sala de aula, e o caso do transexualismo no quadro jurídico brasileiro, especificadamente na decisão de um magistrado da comarca de Jales.
As discussões em sala de aula demonstram que a perspectiva weberiana é antes classificatória do que busca identificar efetivamente qual é o funcionamento que se dá no meio social por meio de suas impressões, da mesma forma como acima mencionado e que sedimenta-se na cultura científica contemporânea. Podemos observar esse fenômeno claramente nos manuais de Direito Civil ou Penal, por exemplo, ou Constitucional, classificando tudo o que há para classificar-se. Ora, de certa forma é desse modo que trabalha Weber, de maneira que propõe a si mesmo, antes de uma formação conceitual própria acerca do tema, a reflexão teórica sobre os conceitos e a teoria até então construída, partindo daí sua percepção. O tema que reiteradamente foi discutido em sala de aula é a Racionalidade FORMAL em contraposição à Racionalidade MATERIAL de forma que seriam ambos realidades opostas e que constituem a possibilidade de tomada de posição. Acredito, diferentemente, que a perspectiva weberiana e a obra construída pelo grande pesquisador social e jurídico, é fundamento para muitos dos conceitos hoje empregados na vida jurídica e científica, de forma que os conceitos por ele expostos, veja bem, em sua grande maioria não foram por ele criados, mas que foram sistematizados em sua obra, consistem naquilo que no direito ocidental moderno em sua transição para o direito contemporâneo assimila enquanto fundamento teórico.
Se desta forma for, sendo que não empreenderei esforço para prová-lo agora, a pesquisa sobre a formação da sociedade e do direito no Estado Moderno, principalmente quando este tem a expressão máxima da burguesia nos momentos de suplantação do modelo de Estado medievo, que estava desgastado e falido, empreendida por Weber, considera que neste momento era fundamental para o ordenamento da nova sociedade que o direito formal se constituísse enquanto maneira hegemônica ou, no mínimo, fundamental para a mudança de paradigma de uma sociedade que era, até então, estamental e regrada por normas muito rudimentares para os avanços e interesses que estavam em relevância agora, sobrepostos sobre os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade e a construção de uma lógica racionalista, esta nova sociedade abole os direitos estamentais e torna, no quadro jurídico-formal, diagnosticado como o princípio para os próprios privilégios estamentais, todos os cidadãos iguais. Com o decorrer da construção deste Estado, sob a ótica das Ciências Humanas e do olhar social, esta nova igualdade, já não tão nova assim, era obsoleta para a efetiva transformação social. A liberdade e a igualdade jurídica não eram o suficiente para sustentar a emancipação de todo o quadro social e, desta forma, surge a demanda por um racionalismo material, que sustentasse a igualdade jurídica então composta e que fundamentasse o avanço necessário para a prática do bem-estar social. Se antes, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, as transformações eram objetivas e se tratavam de questões políticas, as questões sociais que representam a necessidade primeira da sociedade que avança da Idade Moderna para a contemporaneidade é marcada pela subjetividade e, portanto, de difícil demarcação e constante luta social.
A razão formal e a razão material constituem o pensamento do homem contemporâneo, não de forma a constituir uma antinomia da qual podemos lançar mão de uma das duas formas, mas como uma constituição una do modo de pensar social e científico. Por mais que um cientista ou um cidadão tome partida de uma das duas formas de razão, negando a outra, ainda assim este estará, no mais extremo dos casos, mesmo que por iluminação divina esteja desprendido desta limitação que a todos os humanos se impõe, do conhecimento até então produzido, limitado ao conhecimento alheio. A razão material e a razão formal são fundamentos de nós mesmos, constituindo um único conceito que nomeio razão ocidental contemporânea. é, nesta perspectiva, por este motivo, que não é único, que "pessoas de camadas mais abastadas podem ser mais "liberais" e pessoas de classes desfavorecidas podem ser mais "conservadoras"", como dito em sala de aula, sem que isso cause um alvoroço ou uma falha na constatação científica. Estes são os fundamentos que norteiam a discussão do caso sob a ótica weberiana aqui apresentada.
O caso judicial proposto para estudo tratava de uma solicitação de um(a) transexual pela troca de sexo no registro civil, troca de nome e cirurgia de transgenitalização. O deferimento do magistrado de uma pequena comarca do interior de São Paulo, baseado em amplos conhecimentos e pesquisa empreendida pelo nobre juiz da causa, está sustentada pelos avanços da tecnologia por meio do contato interdisciplinar, que foi construído pela lógica racional ocidental contemporânea, que é a expressão máxima do uso do normativismo formal que, a bem ou a mal, está em grande conta hodiernamente, e o direito nos seus limites, em sua transformação. por meio da convergência de ambos os fenômenos jurídicos na forma de conhecimento e aplicação por meio dos genéricos termos propostos pela legislação brasileira no qual se enquadra a situação posta em causa. Aqui está a prática adequada para que ocorra transformação social em relação à ciência e ao modo de operação social de reforma do sistema jurídico, mas é aqui que encontra-se o problema central desta transformação: o meio, o local e os atores.
Por conta de um amplo processo do qual não cabe aqui caracterizar, mas que de uma forma ou de outra é compreendida no meio científico jurídico, a judicialização do direito, a organização de mudança social e construção do direito, seja ele para confirmar os pressupostos que vem defendendo, seja para mudá-los, tem sido maculada em sua forma estrutural formal. O local onde estas questões devem ser resolvidas, seja para a solução A ou seja para a solução W, na lógica formal, é no âmbito do Legislativo. Sem entrar no mérito das questões que completam e compreendem esta problemática, duas soluções se apresentam neste caso: ou reafirma-se esta maneira de mudança jurídico-social ou é necessário pensar novas formas de mudança social. Talvez por falta da competência necessária para solucionar o caso pela segunda via, tendo a crer que a primeira via é a mais correta de solução: veja bem, não é que esteja assumindo a posição de estudante lógico-formal, isto seria impossível na sociedade ocidental contemporânea por motivos acima expressos, mas compreendo que a mudança deve ocorrer no órgão Legislativo.
A ciência, assim como foi para o caso de Jales, é a informante principal das escolhas políticas, ou deveria ser, para que a sociedade tenha seus fins de bem-estar social ampliados e qualificados, com a distinção de que o Legislativo transfere para todo o ordenamento jurídico a concepção política a que se propôs e sobre a qual fundamenta sua matéria, enquanto o estudo do magistrado, embora acertadamente constituído, representa uma transformação apenas na realidade local, quando muito. Como dito em sala de aula, existe o trabalho de comissões, constituídas por diversos membros da sociedade, diversas áreas da ciência e de diversos interesses que estão se organizando para a construção de uma solução para estes casos "novos" e, consequentemente, mudança no quadro normativo, de forma que existe uma comissão nacional de biótica, salvo engano é este o nome, que a pedido de um Deputado Federal tem se reunido para organizar um projeto de lei que exerça efetivamente a solução científica para o caso, enquanto o magistrado de Jales o fez por conta, pois à época não havia solução, mas quantos não são os casos de magistrados que indeferem em semelhante causa?
Artur Marchioni
Direito Diurno XXXI