Com a aprovação da
Reforma Trabalhista, em vigor desde o último sábado, faz-se bastante frequente
a presença de debates apaixonados e altamente (desmedidamente, talvez) saturados
de ideologias – seja ela de direita, esquerda, pra cima, pra baixo, pra cá ou
pra lá − muito devido às circunstâncias atuais de extrema e chata
polarização. Não é incomum encontrar-se aqueles
que, ao invés de primar pela criação ou exposição de uma teoria da tradução, ou seja, buscar-se uma proposição que absorva a
realidade tangível; acabam por simplesmente simplificar a coisa empírica
(falseando-a, não raramente) para que esta caiba nos pré-requisitos de sua teoria previamente estabelecida (sinônimo
para ideologia). Feita a consideração, embasar-se-á a discussão na XXVIII
Semana Jurídica, no apresentado na segunda-feira, 06/11, sobretudo, referente à
“Nova lei da terceirização e as diferentes e novas formas de trabalho”, na qual
se tivera como palestrantes Dra Regina Duarte, Dr Jair Cardoso e Dra Patrícia
Maeda. Entre os principais pontos destacados − e a serem analisados aqui –
estavam as questões de uma possível precariedade do trabalho, tornando o
trabalhador descartável; a eventual dificuldade que o trabalhador viria a ter,
num momento posterior às reformas, para exigir seus direitos com uma perda de
representatividade, de salário e uma situação de desigualdade entre trabalhador
efetivo e o terceirizado.
Impossível encetar
qualquer questão trabalhista brasileira sem mencionar a tão falada CLT. Nesse
aspecto, deve-se fazer o adendo de que, independe de defender-se uma legislação
trabalhista rígida ou flexível, verem-se nelas verdadeiras garantias de direitos
ou formas de dificultar as negociações, fato que parece bastante claro é a necessidade
de modernização da Consolidação das Leis do Trabalho – há quem diga que ela já
nasceu ultrapassada, tendo em vista seus resultados à época. A legislação, inspirada
essencialmente na Carta del Lavoro,
da Itália fascista, fora colocado em vigor no auge do Estado (de exceção) Novo,
com o claro de objetivo de controlar e cooptar a classe trabalhadora: num país ainda
fortemente agrário, com postos de trabalho totalmente distintos dos atuais –
como ressaltado pelo Doutor Jair, em suas considerações −, a legislação fora minuciosa
num contexto que já não mais existe, deixando de considerar, sobretudo, os conflitos nas relações de
trabalho, o que termina por inviabilizar qualquer possibilidade de negociação entre
partes e acaba por sobrecarregar a Justiça do Trabalho – como exclusiva
encarregada de ponderar as questões, acaba por ter a primeira e única palavra
num conflito, vendo-se como salvadores da pátria e acabando ideologicamente por
demonizar a relação empregador-trabalhador. A inevitabilidade de reforma e
modernização pode ser mais bem compreendida e acomodada numa análise mais
global: a própria França, país com forte e atuante atividade sindical, vem
encarando mudanças na legislação trabalhista desde o governo – do Partido
Socialista, diga-se − de François Hollande – mesmo após inúmeras e intensas manifestações.
A questão trabalhista,
em geral, muitas vezes é permeada por visões antipáticas ao capital: a ideia do
capitalista ou empregador como um gordo de cartola, sentado à mesa, fumando
charuto. Esse imaginário, em maior conformidade com o século XIX, acaba por levar
como base a relação direta e automática de que a pobreza de uns é resultado da
riqueza de outros, como se a economia fosse uma espécie de jogo de soma zero –
um ponto de vista ainda mercantilista, da economia como algo estático e
imutável. Para se pensar a questão mais proveitosamente faz-se necessário, por
outro lado, uma análise mais realista da história econômica recente, levando-se
em conta, por exemplo, tamanha a ascensão social que (só) o capitalismo
possibilitou, pondo fim, por exemplo, às castas e estamentos. Exemplo disso é que qualquer cidadão de classe média hoje leva uma vida mais saudável, segura e
confortável que qualquer rei, dotado de prestigio e poder, da Idade Média: o
sistema capitalista de produção proporcionou um enorme aumento de produtividade
e levou, como nenhum outro, tanta prosperidade a tanta gente (em 1820, 75% da humanidade vivia com menos de 1 dólar por dia; passados 200 anos, esse número é de 17%) − embora tenha
seus problemas e possa sempre ser discutido e aperfeiçoado. E é justamente nessa
análise panorâmica que se podem ver os países com as legislações trabalhistas
mais rígidas como justamente aqueles que acabam por exportar trabalhadores.
Pode se ver, por exemplo, a migração de mexicanos para EUA: trabalhadores,
muitas vezes de forma ilegal, deixando um país em que o custo médio da
demissão é de 74 semanas de trabalho; partindo a outro, onde inexiste aviso
prévio, multa por rescisão de contratos e férias remuneradas – com cem vezes
menos sindicatos. Da mesma forma, portugueses e espanhóis em direção à
Inglaterra – país de fácil contratação e demissão. Se tais exemplos parecem só
levar em conta países desenvolvidos, têm-se diversos outros exemplos de países
do dito “Sul”, que adotaram medidas liberalizantes e vivenciaram
invariavelmente inegáveis crescimentos, como Chile (maior IDH da América Latina),
Paraguai (mais recentemente), Nova Zelândia (medidas promovidas por um governo
mais à esquerda, após um período de 23 anos de sucessivos déficits), Cingapura
(país em um momento anterior intensamente explorado pela metrópole, com diversas religiões em sua
composição e com pouca variedade de recursos naturais), Hong Kong, Estônia (ex-república
da URSS, que tivera de enfrentar toda a problemática da derrocada do
socialismo), entre outros. E o contrário também é possível se ver: como a
Suécia, que após virtuoso crescimento e riqueza, por volta da década de 1950 passara
a adotar um estado de bem-estar social insustentável e, após grande estagnação
e crise estrutural, voltara a adotar medidas liberalizantes recentemente.
Complete-se ainda que esses países mais livres são exatamente aqueles que apresentam
menor desigualdade social, vide o Coeficiente de Gini; ao contrário daqueles em
que o governo intervém pesadamente na econômica e termina por gerar nada além de uma elite burocrática
política muito rica e os demais igualmente, é verdade, pobres.
Analisando-se os
efeitos das leis trabalhistas, em si, vê-se que estas acabam por prejudicar
justamente àqueles que pretendem defender, como o são os trabalhadores menos
qualificados – aqueles que por falta de oportunidade, não tiveram uma formação
escolar ou superior. Esses poderiam iniciar uma carreira em um baixo posto,
adquirir um capital humano, entrar em contato com uma nova realidade, locupletando
seu currículo e instruindo-se sobre dada área profissional – contudo, isso tudo
é impossibilitado pelos excessivos encargos trabalhistas de uma legislação
engessada, centralizadora e autoritária – como se pode ver até em suas origens
totalitárias. Encargos que poderiam ser colocados como justo, se objetivassem,
de fato, “pagar bem” o trabalhador e levar-lhe prosperidade. Entretanto, o que
acontece é a situação de uma pessoa que recebe um salário mínimo (pouco mais de
novecentos reais) e acaba custando ao empregador o dobro disso. Têm-se,
portanto, o quadro de "muito para quem paga" e "pouco para quem recebe", com a premissa
de se estar contribuindo com o Estado que, por sua vez, “estaria” garantindo
serviços públicos de qualidade à população. Diga-se ainda que este seja o “melhor”
dos cenários, sendo o outro, cada vez mais recorrente no momento atual, de desemprego ou realocação desse referido trabalhador na dita economia informal – esta, sim,
configurando-se numa real precarização. Assim, é necessário ter-se com clareza
a seguinte lógica e raciocínio: quanto maior o salário, maior deverá ser a produtividade
em questão para sua sustentabilidade; uma vez isto não ocorrendo, haverá fatalmente
demissões. O empregador, não existindo mágica, acaba por atuar entre duas opções:
manter o mesmo quadro de funcionários a salários mais baixos, ou manter os salários
e reduzir o números de trabalhadores.
A questão que parece,
de fato, central é: qual o valor de tão-só uma folha de papel garantista? Uma legislação
que, no papel, garanta tudo a todos, e, na realidade... não? Configuram-se planos completamente distintos a imposição de uma legislação escrita e
sancionada pelo Estado e o cumprimento efetivo e minimamente satisfatório desta.
Exemplo da Venezuela: existia uma lei que proibia a demissão de trabalhadores
que ganhassem menos que 1,5 salários mínimos. Parece-me lindo, afinal uma
parcela vulnerável como tal ficar desempregada seria e é trágico em qualquer local. Resultado: o patrão venezuelano promovia os funcionários para, assim,
poder aumentar os seus salários e os demitir na sequência, levando a absurda
situação de funcionários com medo de serem promovidos. Exemplo esse de um país
geograficamente próximo, mas que se pode achar coisa ainda mais cotidiana da própria
academia: setores do mercado (e órgãos públicos) que contratam estudantes
universitários para supostamente estagiarem, quando, na verdade, tem-se um
trabalho que nada tem a ver com o curso da graduação; como para atuarem na
função de secretários. Qual a razão, erro estratégico? Por que não contratar um
trabalhador com mais experiência e maturidade? Simplesmente porque o
trabalhador celetista (não estagiário) viria necessariamente acompanhado de diversos
encargos trabalhistas e o mesmo salário mínimo pago ao estudante universitário sairia,
no caso do trabalhador, a dois salários mínimos para o empregador – um indo para
o trabalhador e outro para... a compra de parlamentares ou fundo eleitoral (?),
talvez, se elencadas as possibilidades menos tenebrosas.
Dessa forma, reitera-se
novamente a necessidade de se libertar das pré-noções e dos “ídolos” – como se
vê como Bacon e Descartes, em qualquer iniciação cientifica – para analisar-se
uma questão bastante ideologizada. Necessário perceber que o discurso de que a
reforma gerará diretamente empregos é ideológica. Necessário perceber que o
discurso de que a reforma põe fim aos direitos conquistados é ideológica. Agora, o
trabalhador passa a ser tido como indivíduo, dotado de racionalidade, e,
portanto, capaz de negociar, podendo agenciar seu banco de horas com o
empregador, sem a figura dos sindicatos (que certamente sofrem com uma crise de
representatividade e contestação). No que se refere a férias, como o Prof. Jair
esclareceu, a reforma vem para esclarecer a vagueza das “situações excepcionais”
de outrora, permitindo o parcelamento dessas em até três vezes. O Home Office,
que já existia, agora passa a estar disciplinado e as regras deverão estar
expressas no contrato. A terceirização, por sua vez, bastante tratada no
referido dia de palestras, passa a ser legalmente explicitada, já que outrora
não se sabia a distinção conceitual entre atividade-meio e atividade-fim –
apenas se tinha jurisprudência a respeito, na figura da súmula 331 do TST,
deixando margem para dúvida, como mostra o número de que quase metade dos
processos trabalhistas se dava em relação à terceirização. Os dois últimos pontos
representam claramente a conferência de segurança jurídica às relações de
trabalho.
Dessa forma, encerra-se
primando pela moderação e equilíbrio. Reconhecendo-se a necessidade de
modernização e do rompimento com uma legislação centralizadora e autoritária que,
muitas vezes, ao contrário do que diz o "senso comum", não necessariamente protege
o trabalhador: quando muito, protege a grupos de advogados, que ganham muito
dinheiro com passivos trabalhistas, e a máquina estatal judiciária. No outro polo,
ficam empregados e empregadores, os primeiros sem empregos; os segundos,
demonizados, com uma produtividade reduzida – quando não se dá a falência –, acabando por diminuir a
possibilidade de gerar mais empregos e riquezas. Têm-se, portanto, na proposta e desejo
de modernização a maior a aproximação com países mais livres, prósperos e igualitários, como
Estados Unidos, Canadá, Austrália, Hong Kong, Chile e Cingapura; e o
afastamento de países não muitos simpáticos às liberdades – recheados de
legislações trabalhistas que “protegem” seus trabalhadores −, como Venezuela,
Coréia do Norte, Bolívia, Nigéria e Congo.