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domingo, 26 de agosto de 2012

A pré-modernidade no Século XXI


            Quando Emile Durkheim escreve a respeito da solidariedade mecânica, em seu livro “A divisão do trabalho social”, ele retrata como era a forma de pensar e de agir de pessoas que viviam no mundo pré-moderno, permeado pela barbárie, porém essas concepções acabam descrevendo diversas ideias e opiniões que permeiam a realidade social até hoje, depois de inúmeras realizações sociais modernas e pós-modernas, ainda é possível observar alguns dos comportamentos descritos pelo sociólogo.
            A influência que a cultura de massas e o senso comum exercem sobre a vida cotidiana das pessoas é impressionante, pois a maioria das que possuem um grau de instrução menor acabam se deixando levar por ideias retrógradas, preconceituosas e extremistas amplamente divulgadas em meios de comunicação de massa que buscam o apoio da comunidade para as suas ideias, sem que pra isso ela forme suas próprias opiniões previamente com informações, tanto quanto seja possível, imparciais, mas que absorva opiniões pré-fabricadas e parciais, que acabam integrando toda a população com as mesmas concepções e excluindo qualquer um que não compartilhe de suas ideias de modo instintivo, sem ser realmente consciente por parte de quem realiza essas ações.
            O fato de algumas pessoas infelizmente se sentirem guiadas por aproveitadores com mentalidades tacanhas só pode ser considerado um impulso inerente à falta de informação a que o espectador tem acesso, uma clara demonstração de como a população age conforme seus impulsos, como acontecia na sociedade pré-moderna.

Os supostos dois mundos



O direito punitivo é a expressão do que esta gravado na consciência de cada indivíduo da sociedade. A criminalização de certas condutas ocorre, pois estas são contrarias as consciências. O direito penal em si, não determina a obrigação certa, o comportamento correto a ser seguido, mas apenas impõe sanções a conduta desviante, isto revela que a obrigação está enraizada no consciente de cada indivíduo, já que não precisa ser enunciada por aquele . Esse tipo de direito predomina , segundo Durkheim nas sociedades ditas “simples“ , onde a solidariedade é mecânica, ou seja, há uma similaridade entre os indivíduos, seja   na função social/ trabalho ou,  nas crenças e sentimentos e, onde a obediência às normas é quase que transcendental.. Assim a sociedade reconhece a autoridade do direito punitivo.
A solidariedade mecânica representa de certa forma, sociedades mais “primitivas” ou pré-modernas, onde aparentemente os dogmas predominam, os instintos e a  irracionalidade e, em contraposição temos o mundo Racional, especializado pós-moderno, que se vangloria por sua superioridade e flexibilidade de adaptação à dinâmica social. Neste ultimo o direito restitutivo como o nome já diz, aparece para devolver a coisa / pessoa ao lugar a qual pertence. Está claro que isso é em grande parte teórico. Pois ocorre, por exemplo, que a pessoa criminalizada pela sociedade, mesmo depois de punida, não é reabsorvida pelo corpo social, é apenas marginalizada e esquecida; criando uma disfuncionalidade. Na realidade o racional não é tão racional assim!
E porque esse desejo erótico pela racionalidade extrema?? Sabemos que o homem carrega em si o irracional, o impulsivo, o instinto, o desejo, o sentimento  etc. e até certo ponto isso é bom.  É utópico pensar em um homem 100% racional, até porque somos mais do que singelas porcentagens. Se quisermos viver na realidade, temos que encarar o fato de que esses supostos “dois mundos” habitam um mesmo espaço e ser, estão entrelaçados; na realidade não existem dois mundos, e sim um único e complexo , que vai  muito além de definições extremistas  e rotulações entre racionalidade e irracionalidade, entre  “direita e esquerda” , entre cultura e não-cultura. Assim é importante entender o funcionamento do sistema,das ações sociais e, inclusive daquelas previstas pelo direito, o que  requer de nossa parte enxergar a dinâmica da vida, e não apenas partes seccionadas dela .
Jéssica Duquini

Consciência coletiva X Leis escritas


     O sociólogo francês Émile Durkheim foi o idealizador da teoria da "consciência coletiva", em que a sociedade teria um padrão, e quando tal padrão fosse quebrado seria configurado o crime. A tal "consciência coletiva", seria simplesmente o retrato dos costumes de tal sociedade.
     Atualmente, os "costumes" configuram um ramo muito importante do direito, o chamado Direito consuetudinário, que é o direito pela tradição, que não exige uma constituição escrita. Exemplo clássico da aplicação disso é o sistema jurídico inglês.
     Entretanto, e uma constituição escrita? Como conciliar a consciência coletiva com a Constituição? Afinal, apenas uma assembléia constituinte fica responsável pela elaboração da mesma, enquanto os costumes são o reflexo de toda uma sociedade. Com isso, constantemente nos deparamos com casos de extrema revolta com uma condenação de "pouco tempo", para a população, por um crime passional, ou uma condenação "muito dura", para o povo, por um furto de um litro de leite.
     Não estou dizendo que os costumes são melhores, ou que são a solução para tudo, porém, devemos tentar ao máximo aproximar nossa lei maior à dita "consciência coletiva", para uma maior aceitação, ou aprovação do sistema jurídico brasileiro.













Mascarados.


                 Quantas vezes não são encontrados comentários como “Esse bandido tem que morrer” ou “Matou tem que morrer, igualzinho ao que fez”? Não apenas de “jornalistas” sensacionalistas, pessoas públicas, mas de todas as camadas da população. 
                O código de Amurabi(“Olho por olho, dente por dente”) existiu há cerca de 3700 anos, mas ainda há quem queira aplicá-lo.  Atitudes como essa podem ser explicadas pelo sociólogo Emilé Durkheim. Em sua obra “Da divisão social do trabalho”, o sociólogo francês analisa tanto a sociedade pré-moderna como a moderna.
                Segundo Durkheim, na sociedade pré-moderna prevalecia o direito penal e o caráter passional, ela era pautada pela consciência coletiva. Já as sociedades modernas são pautadas pela racionalidade.
                Porém, como visto no exemplo, ainda é possível encontrar pensamentos e muitas vezes até atitudes que são resquícios da sociedade pré-moderna na sociedade moderna. Atitudes como agressões baseadas em preconceitos ou vingança ainda são presentes na sociedade moderna.
                Na maioria das vezes, porém não passam de pensamentos ou impulsos. É como se o homem moderno vestisse uma máscara que o impede de agir segundo seus instintos. 


              
              

Opnião estruturada

Para julgar, antes há necessidade de existirem convenções sociais. Elas que determinam o que ofende a moral geral de um grupo de pessoas. É comum partir da consciência coletiva o conceito de crime, por exemplo. Durkheim constroi teses sobre seu estudo desse senso comum que envolvem conceitos como solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.

O que mais desperta interesse e sensação de revolta na população é algum tipo de ação taxada como atrocidade ou cruel, que fere algum princípio comum. Casos como estupros ou violência contra crianças e idosos costumam surtir esse  efeito. É nessa hora que o sistema punitivo é questionado e que a mídia sensacionalista se aproveita para ganhar espaço.

Esse é um momento em que brota a solidariedade mecânica. As pessoas se compadecem automaticamente de forma intensa, impulsionadas pela impressão geral e concordando com ela. A solidariedade orgânica também tem o mesmo sentido. Os dois conceitos são separados por uma questão temporal, apenas. A mecânica se aplicaria às sociedades pré-modernas e, a orgânica, às pós-modernas.

Crime é o que fere a consciência coletiva. Sua unidade de efeito vem das percepções individuais sobrepostas pelo senso comum de uma época. É fácil concluir então, que uma maioria se torna formadora de opiniões que têm força de verdades absolutas.

Coibir ou corrigir

Segundo Durkheim, as sociedades são caracterizadas por dois tipos de solidariedade que se inter-relacionam frequentemente, essa solidariedade depende das relações existentes nas sociedades. A solidariedade mecânica é uma resposta a um impulso externo, é a obediência a algo maior mecanicamente, por uma normatividade estabelecida transcendentalmente; enquanto a solidariedade orgânica é estabelecida através de uma interdependência interna, portadora de uma complexidade muito maior, com um caráter mais científico.

Para entendermos melhor podemos pensar na nossa cidade, eu preciso ir ao médico, assim como o médico precisa ir a uma padaria, e o dono da padaria precisa do dentista, as relações são muito mais de interdependência, do que de consciência coletiva, cada um cumpre seu papel na sociedade, sendo orgânica pois a negação de si cumpre o sentido de uma coesão econômico-social. Já em uma sociedade caracterizada pela solidariedade mecânica as diferenças sociais são limitadas, obedece-se e pronto, por instinto, existem dogmas que tem que ser cumpridos. 

Os valores mudam dentro dessas sociedades, por isso o que é uma afronta a uma, não necessariamente será a outra, e a maneira como ela é tratada difere nas duas. A conduta disfuncional contamina o coletivo nas sociedades com solidariedade mecânica, o que afronta o coletivo determina o que é criminoso ou não, e o saber jurídico está na consciência de todos, por isso proíbe-se e coíbe-se, predominando o direito penal. Com a solidariedade orgânica a parte disfuncional deve ser corrigida e colocada no lugar, há mediações que podem ser feitas, e é preciso conhecer detalhes técnicos para conhecer o saber jurídico. 

As duas solidariedades de inter-relacionam continuamente, já que é muito difícil até hoje as pessoas superarem um dogma, a religiosidade ainda está muito presente e seu caminho se intercruza com o da ciência diariamente, alguns valores não conseguem ser sepultados interiormente, e o povo clama pela justiça do olho por olho.

O Direito Repressivo e a Consciência Coletiva.



Consciência: capacidade que o homem tem de conhecer valores e mandamentos morais e aplicá-los nas diferentes situações (MICHAELIS online). Analisando esta definição, é possível perceber o elo entre a moral e a capacidade humana de dissertar sobre essa. E é baseado na consciência coletiva, aquela comum aos integrantes de uma sociedade, que Durkheim discorre acerca do crime e sua punição.

Para o autor, a existência de um pensamento comum leva a criminalizar aquilo que vai de encontro a este. Seria uma maneira de evitar possíveis desvios da conduta social. Pune-se, portanto, somente aquilo que ameaça diretamente essa ordem? Não. A consciência coletiva, por vezes, possui fatores muito alem do âmbito social, mas também religiosos. “Em que é que o fato de tocar um objeto tabu, um animal ou um homem impuro ou consagrado, (...) de não celebrar certas festas, etc., pôde alguma vez constituir um perigo social?” Nesse trecho, Durkheim demonstra a forte influencia da religião nos atos cotidianos e na própria dignidade.  Desrespeitar certas regras pode não ter nenhum impacto social; mesmo assim, é punido com severidade aquele que o faz.

Além disso, outro ponto questionado acerca do Direito repressivo é a pena. Estaria esta em proporção direta com o tipo de crime cometido? Por vezes, não. O ato enunciado acima, apesar de não possuir grande impacto social, fere a consciência estabelecida naquela sociedade, o que faz ser punido de forma agressiva, muitas vezes mais dura do que a punição a um assalto ou assassinato.

E é em torno desse aspecto que o autor apresenta o estudo sobre a solidariedade, tanto mecânica quanto orgânica. Aquela esta relacionada a uma homogeneidade social, formado por laços de parentesco, enquanto esta está baseada nas diferenças sociais, em virtude de uma divisão de trabalho social.

Por fim, é notável a tentativa de Durkheim para chegar a uma conclusão final. Através de pequenos passos, no capítulo Solidariedade mecânica ou por similitudes, o autor chega à ideia de crime como ato que desafia o pensamento predominante na sociedade, ou seja, a consciência coletiva, e demonstra que sua pena, na maioria das vezes, está associada ao impacto do ato na consciência das pessoas, e não diretamente na própria sociedade.

Fio coletivo


Em sua obra, “A divisão do Trabalho Social”, Durkheim apresenta-nos a análise da solidariedade mecânica e da solidariedade orgânica. Aquela estaria ligada diretamente a uma consciência coletiva enquanto essa a um saber especializado.
Através dessa consciência coletiva, o filósofo apresenta-nos a ideia do ato criminoso, este seria aquele que ofende, rompe ou fere um padrão moral de conduta intrínseco às consciências sãs. Pelo fato de ser algo que abrange toda uma sociedade, o crime necessita de uma pena, a fim de servir de exemplo.
Durkheim coloca-nos, entretanto, que a pena aplicada a muitos crimes não são compatíveis com o delito, ou mesmo o próprio pode não ser nocivo ao grupo. Muitas vezes o crime está associado com um tabu criado pela própria sociedade, como o filósofo mesmo exemplifica acerca de algum objeto, animal ou festa sagrada. Portanto, a aplicação da pena quando um indivíduo rompe esse tabu seria algo místico, com o propósito de manter a sociedade com a mesma forma.
Em contrapartida, quando nos deparamos com uma crise econômica, fato que causa um desequilíbrio bem maior que o rompimento de um tabu, não se encontra repressão com o fato, principalmente se essa for causada por erros governamentais ou relacionar pessoas de grande importância.
Logo, se o delito contra o Estado receber pena maior, este fato justifica-se porque sempre abrange crenças e práticas coletivas. Portanto, a pena ocorre conforme o delito é sentido e  está ligada por um fio inquebrável com a expressão da consciência coletiva.

Homem, sujeito coletivo


Para que exista e se mantenha coesa, a organização social é embasada no consenso entre os indivíduos. Este consenso é chamado por Durkheim de solidariedade. Temos dois tipos de solidariedade: mecânica e a orgânica.
A primeira é caracterizada por ser sociedades arcaicas como agrupamentos de tipo tribal ou clã. Ou seja, são sociedades mais simples as quais possuem indivíduos semelhantes, funções iguais, sem uma divisão do trabalho estabelecida, um direito mais repressivo, pouco desenvolvimento socioeconômico e mecanismo de coerção violento e punitivo.
Já o segundo é marcado por sociedades modernas no qual seus indivíduos são diferentes, isto é, possuem crenças, valores, interesses bastante distintos. Há uma divisão do trabalho complexa. Como o próprio autor diz, esse tipo de agrupamento humano são grandes organismos vivos no qual os órgãos são diferentes entre si, além de haver uma interdependência entre tais indivíduos. Solidariedade orgânica é caracterizada por  ser uma sociedade industrial, consciência social maior, isto é, uma ética do bem comum incrustada na mente dos indivíduos. Há um predomínio do direito reparador.
O indivíduo da solidariedade mecânica é um sujeito coletivo, sua idéia é coletiva, contrapondo-se ao da solidariedade orgânica que sua idéia é individual, no entanto, abre mão para o bem em comum.

Arthur Gouveia Marchesi

Racionalidade x passionalidade


Desde o surgimento das sociedades, os seres humanos impõem algumas regras para a convivência em grupo. Dessa forma, cada um é livre para tomar as suas decisões, desde que respeitem as noções de certo e errado. Se alguma atitude considerada errada for cometida, o individuo arcará com as consequências, foi dessa forma que o direito penal nasceu e se aperfeiçoou. 
Durkheim defende que nas sociedades mais primitivas predomina a passionalidade e nas mais evoluídas predomina a racionalidade. Essa afirmação é completamente questionável, porque em pleno século XXI temos claros exemplos onde a opinião coletiva impera em julgamento de crimes. 
Existem vários casos em diferentes sociedades que podem ser utilizados como exemplos da passionalidade humana. Recentemente saiu uma matéria no jornal britânico The Guradian que fala sobre estupro de homens em casos de guerra. Atualmente prisioneiros durante os conflitos no continente africano sofrem violência sexual e psicológica, o problema é que na cultura deles, mais precisamente no Congo, os homens devem assumir o papel de chefe e não pode ser vulnerável. Por causa desse tipo de pensamento, essas vítimas não recebem assistência médica e psicológica, os traumas causam danos gigantescos na vida dessas pessoas. A sociedade ao invés de ajuda-los, os recriminam, e como consequência muitas dessas vítimas cometem o suicídio.
Casos como esses são provas de como as sociedades atuais não podem ser consideradas totalmente “evoluídas” e “racionais”, a passionalidade continua mais presente do que se imagina. Aparentemente alguns costumes ainda estão acima das leis.

A tênue divisória entre racionalidade e passionalidade

Durkheim em 'A divisão do trabalho social" define a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica, na primeira há prevalência do Direito Penal mais primitivo, com a passionalidade imperante sobre qualquer racionalidade existente, tal pode ser observado em sociedades pré modernas como a hebraica na qual imperava a lei de talião. Configurando desa forma, um direito mais primitivo, movido muito mais pela vontade de vingança da sociedade do que por punir um crime a fim de evitar que outros mais se repetissem. 
Em oposição à solidariedade mecânica está a orgânica, qu consiste na maior racionalidade da pena e d conceito de crime. Isso pois, há uma pena para um determinado crime, mas ela é mensurada por alguma instituição que irá aplicá-la. 
O sociólogo discorre também sobre o que é um crime para os indivíduos de uma certa comunidade. Para ser tido como crime ele deve primeiramente, ser inaceitável para a sociedade como um todo, ou seja, primeiro ele fere a moral e os costumes sociais, para então ser tido como tal. Pois, há alguns acontecimentos que mesmo que destruam o equilíbro social (como crise financeira) não sao tidos como crime. 
O crime é uma atitude que todas as pessoas têm a consciência de que é errado, elas deixam de fazer aquilo porque dentro de sua consciência elas sabem que aquilo é reprovado por aqueles que a cercam, e a sua própria consciência individual a reprimire antes de praticar o ato socialmente reprovado. 
Entretanto, muitas vezes o indivíduo mesmo sabendo da reprovação social ele pratica o crime, sendo que este pode causar uma repulsa muito grande na sociedade. Nesses casos, a comunidade a que pertecende o criminoso o julga de maneira passional, sem analisar com a razão necessária a cada caso, é o que ocorre com crime que chocam as sociedades, como aqueles ditos hediondos. A própria população se coloca no lugar no magistrado e quer dar uma punição ao criminoso, sendo muitas vezes, pena de morte. 

A Passionalidade das Punições


           Primeiramente, devemos entender que o texto de Durkheim tem mais embasamento na atualidade do que na época do próprio autor.
           Seu objetivo seria discutir a solidariedade - orgânica e mecânica – e buscar entender como a sociedade se mantém coesa e como as ciências sociais poderiam auxiliar nesse equilíbrio, impedindo assim que a sociedade entrasse em estado de anomia – ausência de regras.
           Podemos dizer que foi o temor da anomia que levou Durkheim a se preocupar com a sociedade. Ao contrário dos marxistas, que acreditavam que seriam os elementos de pressão que causariam as revoluções – primeiro o estado de anomia e depois o socialismo -, Durkheim afirmava que toda essa racionalidade e divisão do trabalho não resultaria em competição, mas sim na solidariedade - ao invés de confrontá-los em luta de classes, ela os interconecta no sentido orgânico, no seu aspecto essencial da expressão.
            Para Durkheim, ainda que consigamos construir laços de solidariedade orgânica, carregamos conosco muito das tradições e das formas pretéritas das relações sociais. E são essas formas que ele vai tentando entender, principalmente em relação ao que é considerado crime passível de punição ou não, dentro das sociedades modernas.
            Por fim, denota que o ato criminoso seria aquele que ofendesse a consciência coletiva, evidenciando que a passionalidade quanto às questões criminais é muito mais atual do que se imagina.

O crime e a pena

                Émile Durkheim transparece em sua obra "A Divisão do Trabalho Social" que a essência do ato criminoso está na ofensa da consciência coletiva. Porém, essa ofensa nem sempre significa um grande impacto ou perigo social.
               O autor desenvolve dizendo sobre a atitude de tocar em um "objeto tabu" (ato criminoso em algumas culturas de sua época), celebrar festas que seriam consideradas impuras por algum motivo; e levanta a questão de como isso pode constituir um perigo real social. De fato, certas penas são aplicadas em desacordo com seu impacto social real, algumas são desproporcionais ao mal que essas atitudes realmente causam; enquanto outras ações realmente prejudiciais a sociedade de forma mais contundente são relevadas.
              Porém, esse desequilíbrio não ocorre somente com assuntos misticos da sociedade da época do autor. O direito penal brasileiro, por exemplo, defende com maior afinco a propriedade do que a própria vida. Durkheim defende que a reação penal expressa a forma pela qual o delito é sentido. Logo, sentimos com maior afinco a perda de nossas casas hipotecadas do que de um parente próximo. Mesmo que próprio autor levante em alguns momentos que uma crise financeira tem um mal maior que a de um homicídio; invertendo esses valores para se chegar a nossa realidade, para uma sociedade que tenta esconder (mesmo que fracassadamente) a superioridade do econômico à vida, esse fato é fortemente contraditório.
              Portanto, a natureza do crime vem da reprovação da sociedade, e não o contrário; vem do sentimento ofendido de toda uma consciência coletiva. No caso do brasileiro, essa ofensa vem do bolso.


                 Murilo Thomas Aires

Olho por Olho

        O ser humano tem a capacidade de ter comportamentos contraditórios determinados pelo seu ambiente. Engana-se quem imagina que o determinismo de meio, foi uma teoria completamente falha, estudando esse capítulo específico de Durkheim entende-se mais sobre uma faceta humana, a característica animalesca que faz com que as decisões se tornem extremas e que ímpetos como a vingança e a justiça familiar sejam positivadas.
        Durkheim determina solidariedade mecânica como um conceito presente nas sociedades pré-modernas, em que autoridades transcendentais (principalmente relacionadas à religião) influenciam no comportamento social, regido pelos tabus estabelecidos. Dessa maneira as atitudes perante o Direito tomam uma posição radical e punitiva, tirando a proporcionalidade do equilíbrio entre ação e correção.
       Em contra-partida a solidariedade orgânica é dita como a característica da sociedade pós-moderna, determinando os comportamentos em torno da racionalidade, fazendo impessoal o processo de decisão no que tange o âmbito jurídico. Dessa forma, de acordo com o funcionalismo de Durkheim, pretende-se restituir à sociedade suas partes defeituosas prontas após devido conserto. Utilizando e transformando o Direito Restitutivo para esse fim.
       Pensando nos comportamentos contraditórios do início do texto, deve-se refletir, se realmente essas duas posturas são determinadas apenas pelo tempo histórico. É dito que na atualidade o que existe são apenas resquícios da solidariedade mecânica, ou da consciência coletiva, porém, estando dentro dessa 'atualidade' é possível dizer que a antiga lei de Hamurabi 'Olho por olho, dente por dente' tem maior respaldo entre a população que o Novo Código Civil. Infelizmente.
     
     
          

O conceito pré-moderno de Direito nas sociedades pós modernas

    A discussão de Durkheim no segundo capitulo do livro “A divisão do Trabalho social” tem como foco a maneira como divisão do trabalho em uma determinada sociedade vai determinar o funcionamento do Direito. Para isso o sociólogo apresenta dois conceitos fundamentais de sua teoria. Primeiramente apresenta a Solidariedade Mecânica, que seria um tipo de conexão interpessoal quando prevalece laços que são feitos por impulsos determinados por uma autoridade maior que faz parte das consciências coletivas, como exemplos dessa autoridade têm-se a religião. O segundo conceito chama-se Solidariedade orgânica que seria um tipo de conexão onde segundo o funcionalismo de Durkheim visa o funcionamento do organismo social através de uma logica de racionalidade politica, econômica e social, com varias vertentes que reforçam os laços sociais entre os indivíduos.
   Com isso, a solidariedade mecânica seria predominante nas sociedades pré-modernas, o que interfere diretamente em sua concepção sobre o direito, uma vez que embasado em princípios religiosos, o Direito passa a ser algo revelado “conhecido por toda a gente”, o direito é visto como algo que permeia a consciência coletiva baseada não nas necessidades, mas sim na revelação de preceitos estabelecidos por uma autoridade transcendental, com caráter exclusivamente punitivo. Com isso, é notável em tais sociedades   o caráter  difuso da justiça repressiva, ou seja, não exerce por intermédio de magistrados mas de toda a sociedade.
   Por isso a pena consiste essencialmente numa reação passional, de intensidade gradual, que a sociedade exerce por intermédio de um corpo constituído, sobre aqueles de seus membros que tenham violado certas normas de conduta. É importante ressaltar que a lei deve ser aplicada contra todos os que a violarem de maneira objetiva e direta, independente de seus agentes serem de elite ou não. Durkheim adverte  que é em nós apenas que reside o sentimento de vingança. O erro é superior ao indivíduo. Assim, qualquer pessoa poderia visualizar um erro, mas desconhece a profundidade da forma como violou as emoções da vítima. Durkheim chama de atitude mística, qual seja o poder de resgatar sensações através do sentimento da dor e só assume a sua falta na atitude coletiva e socialmente aceita desta condição.

A consciência coletiva, a pena e a hipocrisia

"Ainda que exista uma grande hipocrisia a respeito da violência, todas as pessoas estão fascinadas por ela. Afinal, o homem é o assassino mais cruel que jamais pisou o planeta".Stanley Kubrick

    Ao discorrer sobre a funcionalidade da sociedade, Durkheim concluí que esta é mantida pelas relações interpessoais denominadas como solidariedade. Dentro do pensamento de Durkheim há dois tipos de solidariedade: a mecânica, presente nas sociedades ditas “primitivas"; e a orgânica, presente nas sociedades modernas. No entanto, após uma análise sobre o que caracteriza a solidariedade mecânica, percebe-se uma extrema semelhança dela com a nossa sociedade dita "moderna". 
    A principal característica da solidariedade mecânica é a presença de uma consciência coletiva, ou seja, todos os indivíduos que integram a sociedade possuem uma inclinação para seguirem um mesmo padrão de ideias sobre fatos e assuntos que atingem de forma perceptível a todos. Sendo assim, a consciência coletiva com os seus padrões de opinião sobre atitudes específicas acabam se configurando como a essência do direito nas “sociedades primitivas". O crime é aquela atitude que ofende a consciência coletiva. Partindo dessa definição é possível afirmar que a solidariedade mecânica continua mais presente do que nunca atualmente. 
     A ideia do que é crime e do que fere a integridade da sociedade não varia muito de um indivíduo para outro. Possuímos uma consciência coletiva daquilo que "fere" a moral da sociedade e é assim que aplicamos a pena para tais "crimes", e é inegável que a condenação das massas interfere nas sentenças oficiais. No entanto, essa influência da consciência coletiva na aplicação da norma penal acaba por condenar de maneira maior aquilo que afronta de forma mais perceptível as nossas convicções, abandonando a análise do verdadeiro mal causado, e é neste fato que reside a hipocrisia do ser humano ao aplicar punições. 
     Gostamos de vestir uma máscara de protetores da vida, e por isso o assassinato é um crime, porém, quando somos roubados ou algo do tipo, a nossa primeira reação é de, no mínimo, desejar a morte do sujeito que nos causou aquele mal. Alguns gostam de se dizer contra a pena de morte, mas quando o mal acontece com eles, os mesmos defensores da vida estão prontos para matar os "bandidos lazarentos" que roubaram o seu celular, por exemplo.
    No fim, essa consciência coletiva presente na sociedade atual alimenta ainda mais a hipocrisia presente em todos nós. Ainda sobre a solidariedade mecânica e sobre o seu sistema penal, Durkheim mostra que os delitos contra o Estado são repreendidos de forma mais enérgica, uma vez que quase sempre ele encarna crenças e práticas coletivas. Mas e os delitos cometidos pelo próprio Estado? Quem é que pune a instituição que é a expressão da consciência comum? No filme "Laranja Mecânica" (1971), Kubrick de maneira única nos faz pensar sobre os mecanismos de controle da sociedade e mostra o Estado que reprime a violência com mais violência. Alex, personagem principal, acaba sendo vítima do sistema que utiliza mecanismos que suprimem a sua liberdade e transformam o amante da violência em um sujeito indefeso. No entanto, o método do sistema para controlar todo o ímpeto violento de Alex não surte nenhum efeito permanente e seus traços violentos voltam, só que dessa vez ele possui a conivência do seu lado.  Relacionando Durkheim e o filme genial de Kubrick, percebemos que as penas nunca provocarão mudanças e não vão nos deixar mais seguros se continuarmos com a hipocrisia de querer usar a violência para condenar a violência. O indivíduo não irá deixar de cometer crimes se o próprio sistema em que ele está inserido também comete crimes em nome da ordem.

Kratos, sua passionalidade e a consciência coletiva


God of War é um jogo eletrônico, criado para a plataforma Playstation e PSP. É mundialmente conhecido e foi um dos jogos mais vendidos do mundo quando lançado. O protagonista é Kratos, que tem por seu objetivo principal a vingança, ou seja, o seu desejo é matar os seus inimigos, um por um. Logo, a cada inimigo que encontra, Kratos mata brutalmente, sem se arrepender de sua violência.
Paralelamente a isso, abre-se uma interpretação para o capítulo segundo da obra de Émile Durkheim, denominada “A divisão do Trabalho Social”. Nesse capítulo, o sociólogo trata sobre um assunto, que infelizmente permeia a sociedade atual: a consciência coletiva como característica da solidariedade mecânica entre os indivíduos. Percebe-se que a última é, ainda, caracterizada por uma passionalidade, ou seja, não há uma racionalidade sobre os crimes cometidos num determinado lugar e numa determinada época. Eles são, portanto, fruto de um instinto criado pela natureza humana.
Assim, adentrando a uma análise mais profunda, uma situação de consciência coletiva ocorrida recentemente, foi o repúdio com que alunos (se é que assim podem ser chamados) da Uniban trataram uma moça que fora com um vestido considerado curto para freqüentar a faculdade. Ela foi maciçamente chamada de prostituta, em seu sentido mais pejorativo e, por conseguinte, tornou-se famosa pelo acontecimento infeliz. Nota-se, portanto, que todos os que xingaram e humilharam Geisy Arruda, foram movidos por uma solidariedade mecânica, e, desse modo, por uma passionalidade.
Agora, analisando a foto acima, apesar de ser uma brincadeira, leva-se um ar de vontade, seja dos que gostam e dos que não gostam de política, de que o governo deve ter seus integrantes exterminados brutalmente, pelo personagem que representa muito para os gamers, o famoso “Deus da Guerra”. Daí, fragmenta-se um pensamento: o de que o crime de matar e “limpar” o governo não seria considerado um crime grave, exatamente porque a política tem, mesmo atualmente, um aspecto “podre” que ninguém se importaria em executá-la (exemplo de consciência coletiva baseada na passionalidade).
Além disso, nota-se que não só a importância de interpretar os pensamentos de Durkheim, mas também é de extrema importância a aplicação de seus conceitos na concepção atual do Direito Penal e do Direito em si. Infelizmente, no que diz respeito à criticidade das pessoas em relação à algo, é inevitável dizer que elas são cada vez mais atrasadas, na medida em que o tempo passa e a política vai sendo esquecida e as consciências coletivas se fortalecem mais e mais, dando espaço, quase que exclusivamente, à passionalidade.


Amarras sociais

Cercados por diferenças, que vão desde a personalidade das pessoas ate os objetivos e desejos, vivemos em uma sociedade que se agrupa, apesar do conflito diário e das opiniões contrarias existentes dentro de nosso convívio. Tais divergências surgiram com a industrialização e o capitalismo que ao separar a mão de obra, também dividiram ideais, e os objetivos. Sofremos também com a diferença religiosa que na maioria das sociedades primitivas é o cerne que gera o consenso entre todos do mesmo clã. Pensando nisso Durkheim entende a coesão social com base na visão do todo, identificando duas formas de agrupamento, a chamada solidariedade mecânica e orgânica.

A Solidariedade mecânica entende como se da a união das sociedades mais primitivas, onde todos possuem ideais e objetivos coletivos, onde seguem uma mesma religião e convivem sob o âmbito do coletivo, sem pensar nos seus ideais individuais. Dessa forma essa chamada solidariedade coletiva, promove a coesão do todo, e mantém a sociedade preservada.

O problema se da justamente ao se estudar as atuais sociedades, onde vivemos de forma egoísta e sempre pensando nos nossos próprios ideais, em busca dos nossos próprios desejos. Sendo assim as amarras sociais que nos mantém a vida coletiva se dão de outra forma, e são chamadas por Durkheim de solidariedade orgânica.

Enxergando as sociedades como um grande corpo, onde a função de cada órgão é necessária para o funcionamento do todo, Durkheim vai priorizar a ação do individual para que o todo possa funcionar, e dessa forma apesar de cada órgão exercer funções e ter objetivos distintos ele deve se ater a um objetivo em comum, que é o funcionamento do todo, e para que isso seja garantido se utiliza da norma, ou seja, de regras coletivas, que limitem os homens em alguns momentos a um objetivo central e superior sempre em prol de todos, e assegurando assim a unificação social. É em busca disso que o direito surge como o limitador de cada individuo, e o necessário para que haja a coesão e o desenvolvimento do todo.

Imbecilidade Coletiva

Émile Durkheim, em sua obra Da divisão do trabalho social define a consciência coletiva como o "conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado com vida própria".

São inúmeros os exemplos de como a consciência coletiva pode se manifestar de maneira negativa e desumana. Um exemplo recorrente em nosso dia-a-dia é o conflito entre torcidas organizadas de times de futebol.

A paixão pelo time por parte de alguns torcedores ganha proporções exageradas, tornando o ato de torcer em uma devoção religiosa cega, criando um grupo portador de uma irracionalidade absurda, que por muitas vezes é externalizada na forma de violência.

A homogeneidade desses grupos é absoluta, seja nas vestimentas; no modo de falar; nos gritos de guerra; e principalmente naquele que pode ser considerado o pilar fundamental dessa coletividade: a imbecilidade.

O que é o crime?

Em sua quarta definição, o  dicionário Houaiss defini crime como sendo "ação com consequências sociais desastrosas ou desagradáveis; qualquer ação, individual ou coletiva, ética e socialmente condenável" de acordo com essa definição o caso da moça que "roubou" o shampoo e passou 1 ano e 2 meses na cadeia não se enquadraria, pois o fato de ela ter supostamente pego um shampoo não se traz consequências desastrosas para o estabelecimento, no caso uma farmácia. Mas não é só isso, a nessa condenação uma série de absurdos. Primeiro, a moça estava com a shampoo na mão, todavia não tinha saído da fármacia, como se pode estabelecer que foi um roubo se ela nem sequer fugiu? Ademais, ela esperou por seu julgamento durante 7 meses, período o qual foi vítima de tortura, os policias jogaram ácido no olho dela e ela perdeu a visão, nós, construtores do direito, sabemos que no artigo 5 da Constituição Federal no seu inciso XLIII, a lei magna equipara a tortura a crimes inafiançáveis, como os crimes hediondos. O crime nesse caso não foi cometido pela "ladra" e sim por quem supostamente deveria garantir que os crimes não ocorressem. E ainda, a acusada foi condenada a passar mais 5 meses no cárcere, uma pena que como pode-se depreender do texto de Durkheim não está de acordo com seu impacto social.
Em contraposição a essa visão vem o positivismo, que segue a normatividade das leis e são aquelas pessoas que acreditam que casos como o citado tem que ser punido para que isso não se repita. Uma frase que rebate esse pensamento esta no livro de Luiz Flávio Gomes: "Não há castigo pior que o castigo inútil,nem atitude mais reprovável que daqueles que, em nome de alguns dogmas ou ficções  pseudo- legitimadoras, preferem ignorar os efeitos reais da pena". 
O fato é que não há visão certa ou errada, há aquela que você adota para sua vida, entretanto para fazer isso é preciso antes de tudo conhecer os dois lados e fazer um sopesamento de ideias. Afinal quem parecia ser o criminoso pode ser a vítima e nossas concepções, como diria o filósofo, podem se desmanchar no ar.
Émile Durkheim, em alguns de seus escritos, discorre sobre a relação das sociedades e o Direito. Segundo ele, as sociedades pré-modernas estabelecem a chamada 'consciência coletiva' que nada mais é que uma ideia que permeia todas as consciências, fazendo com que as pessoas agam de acordo com o que está estabelecido por ela. O direito que prevalece nesse tipo de sociedade é o Direito Penal, e o ato criminoso é considerado aquilo que agride a consciência coletiva.
A normal penal é responsável por reprimir tais atos com o intuito de cessar a ameaça à coesão social trazida por tal crime. Por esse motivo, acredita-se que, em alguns casos, o considerado crime numa dada sociedade não traz impactos reais sobre ela, mas por desorganizar a consciência coletiva é reprimido.
Ainda que alguns atos não sofram repressão penal, muitas vezes eles sofrem repressão moral, pois o sentimento é inerente a todas as consciências. Isso faz c om que talvez a justiça não seja feita por magistrados ou profissionais especializados para isso, mas sim pela própria sociedade.

Maria Cláudia Cardin - 1º ano Direito Diurno

De Aristóteles a Von Trier.


   




  Nós,  sociedade contemporânea, ao contrário de que esperava Durkheim, não somos em essência solidariedade orgânica, mas sim um eterno e complexo jogo retórico e dialético entre essa solidariedade e a mecânica.
   O individualismo funcional da organização orgânica só existe até o ponto em que serve de pretexto para suprimir qualquer ideia de igualdade, legitimando o pensamento capitalista de funções quase que biologicamente outorgadas a cada qual, assunto já tratado em texto anterior aqui publicado.
   Quando o assunto é extraído do âmbito legal-capitalista, aflora-se o desengonçado e tirânico corpo mecânico de nossa sociedade, o receio pela anomia social constrói um ditador incomensurável, de massas,  talvez chamado por Aristóteles de demagogos em lato sensu.
  Esse corpo se legitima pelo simples ato de sua existência, pressupondo-se irrefutável. A pena , exercida por esse, tem a função de restaurar a consciência coletiva, sancionada pela massa como unicamente sua. Faz-se o castigo pelo castigo, sem pretensão de proporção ao mal causado ou zelo pela posterior reinserção do punido.
   Von Trier, em seu espetacular Dogville, constrói um desconfortável retrato da consciência  pseudocoletiva agindo mecanicamente contra a não tão inocente Grace. A força desse ímpeto de massas é tão intensa que impede controvérsias e mesmo os que dela discordariam são carregados pelo todo, sem tempo para questionar-se, como em uma enxurrada rumo a derrubar e arrastar consigo aquilo que foge do “padrão”.
    Como já dizia Montesquieu, toda pena que não advier da absoluta necessidade é tirânica.  Na interpretação durkheimiana de punição, encontro a desconfortável conclusão de que a forma como se aplica e pelo motivo que se aplica a pena constrói uma tirania coletiva. Derrubamos o príncipe e nos instalamos em seu lugar para tomada de decisões não menos arbitrárias que as de outrora. 

O peso do coletivo


A atualidade não é sinônimo de racionalidade e modernidade, apesar de representar a inovação em outros aspectos. A racionalidade e a modernidade estão inconclusas, pois ainda são fortes os resquícios de opiniões, de condutas e de modelos sociais do passado, o que influencia nas diretrizes sociais do presente e do futuro.

A consciência coletiva presente na sociedade aponta para o senso comum, geralmente influenciada pelos resquícios da estrutura pré-moderna e pré-racionalista. Essa consciência tem o peso de querer julgar e punir tudo aquilo que não está adequado a suas diretrizes, o que explica a diferenciação social pouco complexa, pois não se aceita desvios.

No Direito, a consciência coletiva mostra-se mais viva no Direito Penal, pois a ocorrência de um crime desencadeia a ofensa à consciência coletiva e o desejo de punir a qualquer custo, a qualquer medida, mesmo que isso signifique infringir os Direitos Humanos: as atitudes serão tomadas por passionalidade e por impulso (solidariedade mecânica).

O que se busca como ideal é a interdependência social, ou seja, a inter-relação por organicidade social e diferenciação social sofisticada. Apoiado na racionalidade, o Direito é restitutivo, é especializado para analisar e lidar com a sociedade complexa, usado para restaurar e não como instrumento violento e passional na resolução de conflitos.

"Deus me fará Justiça"


     O público fica ansioso por mais um capitulo da novela. Temas onde o vilão causa dor a mocinha, sendo punido no final de alguma forma, alegra o povo. A novela Avenida Brasil, baseada superficialmente em O conde de Monte Cristo e um dos assuntos mais comentados ultimamente, demonstra o conceito de solidariedade mecânica de Durkheim e o leva ao extremo. A punição pelas próprias mãos de alguém culpado, sendo a justiça falha ao penalizá-lo.
     A emoção ao ler sobre a vingança de Dantès, personagem da obra de Alexandre Dumas, contra aqueles que cometeram injustiças se propaga na vida real, na pulsão do público pela radicalização das penas para os criminosos. Podemos ver também, em O Conde de Monte Cristo, a vontade de punição, ainda que de um homem inocente, atinge extremos de violência, e como uma entidade superior surge como uma salvação para punir aqueles que o fizeram mal. “Deus me fará Justiça”, famosa frase do romance, mostra a crença de que mesmo caso a justiça terrestre falhe, a divina não. O direito penal é então visto como algo insuficiente e ineficaz, gerando uma sensação de impunidade, sendo necessária a intervenção divina para que a justiça seja feita.
     De onde vem esse ódio reprimido?  Para Durkheim, podemos ver isso como uma emoção pertencente à consciência coletiva, ao atual senso comum, sendo que o crime é uma ofensa a essa coletividade, a uma entidade transcendente. A solidariedade mecânica seria substituída pela orgânica, por uma racionalidade que faria com que as pessoas substituíssem a ânsia da punição, pela restituição do individuo na sociedade. Porém, como podemos perceber a sociedade ainda mantém a passionalidade, que leva muitas vezes a pensamentos retrógrados e incompatíveis com o momento de inovações que vivemos.  


Murilo Martins