Durante toda a década de 1930 e no começo dos anos 40, a Alemanha vivenciou um período obscuro de sua história política: a ascensão e institucionalização do nazifascismo. Através de medidas públicas e órgãos estatais, o chanceler e, posteriormente, ditador interino Adolf Hitler promoveu uma segregação em massa de minorias étnicas, religiosas e sociais, visando à formação de uma Alemanha “pura” cujo povo deveria ser moral e esteticamente perfeito, longe de interferências externas que contribuíssem para uma maior diversidade populacional.
Os judeus consistiam no principal alvo da necropolítica nazista. Já no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o governo alemão optou por adotar um programa conhecido como “Solução Final”, o qual foi responsável por não somente segregar, mas também eliminar definitivamente o povo judeu. Estima-se que o Holocausto, isto é, a subtração sistemática dos judeus ao longo do governo nazista, assassinou mais de seis milhões de pessoas, incluindo mulheres e crianças.
O nazismo, ao obstruir completamente os direitos individuais e fundamentais do ser humano, tornou-se, após a Guerra, motivo de repúdio em todo o mundo.
A Declaração Universal de Direitos Humanos, publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, teve por objetivo reprovar os atos cometidos na década anterior e estabelecer princípios básicos a serem respeitados por todos os Estados no quesito da integridade humana, buscando, assim, evitar a repetição de um momento tão aterrorizante da nossa trajetória.
A Alemanha, país central no contexto descrito, não ficou para trás em sua legislação: o Código Penal alemão passou a proibir explicitamente a negação pública do Holocausto, bem como a disseminação de propaganda nazista. Ademais, já no fim do século XX e início dos anos 2000, a lei alemã estabeleceu sanções para crimes de incitação ao ódio e apologia à líderes, símbolos, slogans e saudações vinculadas ao nazismo tanto em ambientes virtuais quanto em práticas políticas “off-line”.
No entanto, apesar de possuir um regulamento rígido e já adaptado às necessidades modernas, a Alemanha vem enfrentando uma ascensão progressiva de partidos e grupos vinculados à extrema-direita, muitos deles se utilizando de fundamentos semelhantes (ou iguais) aos vistos no nazismo do século passado.
Todos os anos, em meados de agosto, o país se vê inflamado por projetos de marchas em memória de Rudolf Hess, considerado “braço direito” de Hitler. Em 2008, por exemplo, uma juíza do Tribunal da Baviera teve de proibir o ato com o objetivo de proteger a dignidade das vítimas do nazismo.
Em uma análise mais recente, quem ganhou destaque nas mídias mundiais foi o partido AfD (Alternative für Deutschland). Em 2024, o partido alemão de extrema-direita comemorou uma vitória histórica no Estado de Turíngia, no leste do país. Conquistando um terço dos votos, nove pontos a mais do que os conservadores moderados, a sigla ultrapassou os três partidos que formam a coalizão do atual governo federal. Björn Höcke, o principal candidato nesse Estado, já fora multado por fazer uso de slogan nazista em campanha.
Diante do cenário descrito, apresento a seguinte questão: será que, para analisarmos a origem de tal fenômeno, basta um olhar sobre princípios e ideias?
O sociólogo Karl Marx (1818-1883) e seu parceiro Friedrich Engels (1820-1895) oferecem a solução para a pergunta.
Na obra “A Ideologia Alemã”, ambos promovem um entendimento da história através de um viés materialista: para os pensadores, é impossível compreender a história humana em sua totalidade sem levar em conta as relações de produção dispostas ao longo da nossa evolução coletiva.
O homem, ao produzir seus meios de existência, modifica suas necessidades e manifesta um modo de vida determinado por meio da produção material. Limitar a análise dos fenômenos humanos a um plano metafísico, como Ética e Moral, vai contra o desenvolvimento da própria humanidade em si, sendo, portanto, insuficiente para explicar os fatos sociais.
Logo, seguindo a lógica marxista, percebe-se uma diferença ampla entre a teoria e a prática: no plano do Direito Ideal, isto é, no âmbito teórico, a Alemanha possui uma legislação rica que prevê devidamente os crimes de ódio relacionados ao neonazismo. Entretanto, na realidade cotidiana, os movimentos de extrema-direita com inspiração nazifascista vêm crescendo e ganhando popularidade entre os alemães, chegando até mesmo aos cargos públicos.
Para compreendermos esse cenário atual por inteiro, não basta uma cultura baseada em princípios abstratos e leis escritas. Devemos, através de um estudo crítico da história humana, entender que todos os atos, sejam gerais ou particulares, estão diretamente ligados ao modo de produção vigente e às relações interpessoais concretas.
Em suma, a crise da democracia alemã pode ser explicada, de forma exata, pela defasagem na avaliação da política como fenômeno factual e social.
Se Marx ainda vivesse, tenho certeza de que manteria seu pensamento: “Guerra à situação na Alemanha! Sem dúvida! Semelhante situação está abaixo do nível da história, abaixo de toda a crítica; [...]. Na luta contra esta situação, a crítica não é uma paixão da cabeça, mas a cabeça da paixão. [...]”
Vitória Alvarenga Pistore - 1º ano - Direito (Matutino)