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sábado, 9 de junho de 2018


O sociólogo francês Bordieu, ao tratar do poder simbólico do campo jurídico, busca retratar a realidade  principalmente no que diz respeito às lutas dos diferentes pensadores para dizer o Direito de fato: diante de um contrassenso, há o choque de egos e habitus ( valores e costumes), e, na medida em que ambos são doutrinadores na área jurídica, isso pode ser  demonstrado durante o julgamento da Arguição de Descumprimento de Princípio Fundamental (ADPF) 54, em 2012, quando os ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso discordaram diante do tema tratado: o aborto de fetos com anencefalia.

Tal assunto, ao ser pautado na excelsa corte, demonstra a neutralidade e universalidade da mesma, sendo ambos os preceitos defendidos por Bordieu na aplicação do Direito. A neutralidade foi constatada pelo fato de pessoas alheias ao drama vivenciado durante a gravidez anencefálica julgarem a respeito dessa questão, bem como demonstrarem suas diferentes visões e opiniões sobre o assunto. Já a universalidade se constata pelo fato de o Direito abranger tanto a Ciência quanto a Ética, ao exprimir uma demanda social de fato, considerando tanto a ala médica quanto a social da questão proposta.

Ao aprovar a realização do aborto em casos de fetos anencefálicos, os ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal pautaram-se na liberdade de escolha da mãe de prosseguir ou não com a gestação (o direito à liberdade está previsto no caput do artigo 5º da Constituição brasileira), bem como, ao se considerar que o prosseguimento da gravidez anencefálica apresenta riscos para a mãe,  no caput  do artigo 6º da Magna Carta, que estabelece o direito à saúde.

Assim, ao se considerar que o feto anencefálico tem parca sobrevida (expectativa de prolongamento do tempo de vida), o prosseguimento compulsório da gestação consiste-se no cerceamento dos direitos reprodutivos da mulher, bem como numa tortura psicológica, algo que fere a dignidade da pessoa humana, preceito assegurado no artigo 1º inciso III da Constituição Federal. Por isso fez-se necessário o indeferimento da alegação de descumprimento de princípios fundamentais previstos na Magna Carta.

Júlia Salles Correia.  Turma XXXV de Direito. Turno: Matutino.

Luta simbólica: descriminalização ou não do aborto de anencélafos


A interessante discussão acerca dos limites do direito individual de uma pessoa ganhou repercussão e entrou em pauta em muitos debates jurídicos depois que no ano de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no que tange a criminalização do aborto de anencéfalos, pois a lei presente no código penal brasileiro coloca em risco os direitos fundamentais da mãe. A priori deve-se entender quais são as condições físicas e psíquicas de um anencéfao: a anencefalia configura-se por uma má formação do tubo neural no feto logo nas primeiras da gravidez, e como consequência dessa má formação o recém-nascido anencéfalo pode nascer sem os principais sentidos como a audição, visão; ou até mesmo inconsciente, sem a possibilidade de sentir dor ou reagir a toques, por exemplo. Vale ressaltar que, grande parte das gestações nessas situações não chegam ao final. Para o médico e professor de ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, Thomaz Gollop a interrupção da gestação de um feto com anencefalia não pode ser considerada um aborto, já que não há perspectiva de uma vida extrauterina do bebê. O que de fato acontece nesses casos pode ser considerado apenas uma antecipação do parto, isenta de criminalização.
Mediante a criminalização do aborto de anencéfalos, o Estado obriga a mulher a manter uma gestação sem perspectiva de futuro, o que afeta negativamente o psicológico da mesma e instrumentaliza seu corpo sem dar a ela a possibilidade de escolha.
No momento em que a questão começa a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a comoção da população majoritariamente religiosa no território nacional foi expressivamente contra o aborto mesmo diante dessas condições delicadas. E apesar da opinião popular ser pertinente em determinados assuntos, é um ato perigoso deixar que o direito se molde segundo as pressões populares, o que Bourdieu chamou em sua obra de instrumentalismo, no que tange o aborto de anencéfalos, permitir que a população guiada por um extinto religioso interfira na decisão, seria imprudente para com os direitos fundamentais da mulher. É importante lembrar que mesmo que nesse caso o direito não pudesse agradar a opinião da maioria, o formalismo (visão do direito como algo inerente à pressão popular) também deve ser evitado.
Segundo Bourdieu a luta simbólica entre os doutrinadores (encarregados da elaboração teórica) e os operadores (associados aos trabalhos dos magistrados, que realizam atos de jurisprudência e contribuem para a construção jurídica) está representada metaforicamente pela dualidade de opiniões dos ministros responsáveis pelo caso exposto. Os doutrinadores representam aqueles que almejam seguir rigidamente o código penal e o que nele está juridicamente previsto a respeito da criminalização do aborto, alegando que a esfera judiciária não tem competência para ir de encontro com uma lei legalmente vigente. Por outro lado, temos os operadores do direito, que alegam a impossibilidade de se seguir leis retrogradas em certos aspectos, e que através da jurisprudência modelam o direito ao contexto social atual, encontrando no próprio código penal falhas para justificar a descriminalização do aborto de anencéfalos. A disputa pelo direito de dizer o direito foi vencida nesse caso pelos operadores. Destarte, em 2012 foi decidido a favor de descriminalização do aborto de anencéfalo