O sociólogo francês Bordieu, ao tratar do poder simbólico do
campo jurídico, busca retratar a realidade
principalmente no que diz respeito às lutas dos diferentes pensadores
para dizer o Direito de fato: diante de um contrassenso, há o choque de egos e habitus ( valores e costumes), e, na
medida em que ambos são doutrinadores na área jurídica, isso pode ser demonstrado durante o julgamento da Arguição
de Descumprimento de Princípio Fundamental (ADPF) 54, em 2012, quando os
ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso discordaram diante do tema
tratado: o aborto de fetos com anencefalia.
Tal assunto, ao ser pautado na excelsa corte, demonstra a
neutralidade e universalidade da mesma, sendo ambos os preceitos defendidos por
Bordieu na aplicação do Direito. A neutralidade foi constatada pelo fato de
pessoas alheias ao drama vivenciado durante a gravidez anencefálica julgarem a
respeito dessa questão, bem como demonstrarem suas diferentes visões e opiniões
sobre o assunto. Já a universalidade se constata pelo fato de o Direito
abranger tanto a Ciência quanto a Ética, ao exprimir uma demanda social de
fato, considerando tanto a ala médica quanto a social da questão proposta.
Ao aprovar a realização do aborto em casos de fetos
anencefálicos, os ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal pautaram-se
na liberdade de escolha da mãe de prosseguir ou não com a gestação (o direito à
liberdade está previsto no caput do
artigo 5º da Constituição brasileira), bem como, ao se considerar que o
prosseguimento da gravidez anencefálica apresenta riscos para a mãe, no caput do artigo 6º da Magna Carta, que estabelece o
direito à saúde.
Assim, ao se considerar que o feto anencefálico tem parca
sobrevida (expectativa de prolongamento do tempo de vida), o prosseguimento
compulsório da gestação consiste-se no cerceamento dos direitos reprodutivos da
mulher, bem como numa tortura psicológica, algo que fere a dignidade da pessoa
humana, preceito assegurado no artigo 1º inciso III da Constituição Federal.
Por isso fez-se necessário o indeferimento da alegação de descumprimento de
princípios fundamentais previstos na Magna Carta.
Júlia Salles Correia. Turma XXXV de Direito. Turno: Matutino.