O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, votou uma importante questão
que envolve a vida humana e mobilizou diversos setores sociais: a descriminalização
do aborto de anencéfalos. A anencefalia consiste na má-formação do cérebro e do
córtex do feto, restando apenas um “resíduo” do tronco encefálico. Assim, o
feto pode sobreviver durante todo o período gestacional, mas sem muita
expectativa de vida no ambiente exterior ao corpo da mãe, pois, segundo dados
da Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTS), 65% dos fetos anencéfalos
morrem ainda dentro do útero, embora haja a possibilidade de sobreviverem somente
algumas horas e, no máximo, poucos dias.
No julgamento, foi decidido que, em caso de anencefalia, a realização do
aborto é permitida, assim como quando a gestação é consequência de estupro ou
apresenta riscos à vida da mulher. Em outros casos, o aborto voluntário é
descrito como crime, com punição prevista no Código Penal de reclusão de um a
três anos para a gestante e de um a quatro anos para o profissional, mesmo que
a gestante consinta.
Se a gestante optar pelo aborto, pode solicitar o serviço do Sistema
Único de Saúde (SUS), sem necessidade de autorização judicial. Os médicos que
realizarem o processo não estarão sujeitos à acusação penal, visto a
legalização no referido caso.
Ao fazer uma análise da questão apresentada sob a perspectiva
sociológica de Pierre Bourdieu, há de se remeter a determinados conceitos que
ele expõe em sua obra. Um desses
conceitos é o que Bourdieu concebe como campo. Os campos correspondem, portanto,
aos espaços simbólicos autônomos, que têm características muito próprias. Outro
conceito que se relaciona ao mencionado é o de habitus, que se refere a uma
matriz estabelecida em função da posição que o indivíduo ocupa na sociedade,
que conduz seus modos de pensar e agir. Dessa forma, na questão da
descriminalização do aborto de anencéfalos, nota-se a colisão de dois campos,
com seus respectivos habitus: o campo religioso e o campo do Direito.
As instituições religiosas brasileiras, em sua maioria, condenam a prática
do aborto por considerarem-no pecado, alegando defender a vida do nascituro e
sendo inflexíveis quanto à possibilidade de descriminalizá-lo. Esse tipo de
pensamento é fundamentado em uma moral religiosa, que instiga o comportamento e
as ações dos indivíduos inseridos no campo religioso. O campo do Direito, por
sua vez, acaba por dialogar com outras áreas do conhecimento e procura
engendrar a lógica positiva da ética e a lógica positiva da moral, as quais têm
suas estruturas por ele reguladas. Além disso, é importante que, ao procurar
solucionar certas questões, como a apresentada, o campo jurídico se afaste do
instrumentalismo, a fim de não favorecer as classes dominantes, e do
formalismo, através do qual o Direito pode agir como força autônoma diante das
pressões sociais.
Por fim, é adequado que o Direito se fundamente na realidade para
satisfazer as demandas da sociedade, visto que regula a vida social e política
dos cidadãos por meio de instrumentos normativos. No caso do aborto, o âmbito
jurídico levou em conta o caráter laico do Estado, o direito da mulher de
escolher por prosseguir ou não com a gravidez e o fato das reduzidas
expectativas de vida do nascituro, que serviram de argumento para que a decisão
fosse deferida.
Bianca Carolina Soares de Melo – 1º ano de Direito - Noturno