Conversa de bar de um
cidadão de bem
Como
costumeiramente faço aos sábados, levantei-me já pelo adiantado da manhã,
vesti-me com uma muito confortável bermuda do meu glorioso Santos Futebol
Clube, e assim, parti rumo ao bar que sempre se mostra um excelente terapeuta,
pois é no bar que tentamos esquecer as agruras que nos afligem durante a
semana, é neste mesmo ambiente sagrado que buscamos alento para seguir na
labuta na semana que há de vir.
Assim
dirigi-me ao estabelecimento do Sr. José para os ritos semanais. Passadas as
bravatas iniciais que pontuam as idas ao nobre espaço, os cumprimentos aos
demais frequentadores e provocações acerca do futebol, assunto que mais permeia
as conversas de tal ambiente, as reflexões sobre como fora o clima durante a
semana passada e demais amenidades que são costumeiras em uma bodega; sentei-me
a uma mesa ao canto e pedi uma cerveja.
Logo
comecei a degustar minha cerveja coloquei-me a observar os demais, buscando,
pelos fiapos de suas conversas, entender, mesmo que superficialmente, a mente
dos que frequentavam o ambiente da bodega. Alguns comentavam sobre seus times,
uns de maneira mais apaixonada outros com sendo sarcásticos para inflamar a ira
dos apaixonados; uns falavam sobre as dificuldades que o país enfrentava, sobre
como a quantidade de pessoas em situação de rua vinha aumentando.
Neste
contexto, percebo a conversa entre dois senhores que discutiam sobre como as
pessoas vinham agindo nos últimos tempos em relação a sensação de violência, um
defendia vigorosamente que os populares deviam se proteger, me pareceu ser um
entusiasta da posse de armas de fogo, e do que muito ocorre ultimamente, os
inúmeros justiçamentos populares.
Enquanto
o outro senhor, bem mais moderado, se mostrava contrario a estes posicionamentos
de seu interlocutor, lhe dizia que a todas as situações deveria se analisar
todas as partes, que a ponderação era melhor que o arrependimento.
Com
o decorrer da discussão outros frequentadores emitiam suas opiniões acerca do
assunto, em sua grande maioria favoráveis a o processo de justiça com as
próprias mãos defendidas pelo por um dos interlocutores, o que me levou a
refletir sobre um texto já lido de Durkheim, onde este explica que a força do
coletivo é o que condiciona as inúmeras formas de agir, ou seja, se um
individuo defende os processos de justiçamento outros que também pensam assim
se manifestam em apoio e temos então uma turba que pensa de maneira idêntica,
mesmo que não sejam capaz de chegar aos extremos se fossem racionalmente
inquiridos sobre.
O
que nos leva a utilizar Durkheim em relação a analise de uma sociedade que
casos de justiçamentos tem se tornado cada vez mais frequentes? Pois, para este
pensador, a punição de crimes a ser exemplos para que outros não os cometam é
característica das sociedades pré-modernas, que vivem em uma situação onde as
regras não cabem para a solução dos problemas ou inexistem regras, chegando a
uma situação de anomia, a total ausência de regras.
É
obvio que vivemos em uma sociedade complexa, discrepante e inúmeras vezes
injusta, contudo, a meu ver, por mais que vivamos em uma sociedade assim, com
todas as suas peculiaridades ainda não chegamos em uma situação de completa
anomia. Pois, entendo que as sociedades modernas tem se tornado cada vez mais
orgânicas, ou seja, tem buscado a solução das demandas de seus membros da
maneira mais eficiente e rápida possível.
O
que é possível compreender desta cena que presenciei é que talvez as soluções
que antes se antecipavam ou vinham de maneira mais rápida, não tem sido de
maneira eficiente para os demandantes, o que faz com que surjam figuras e
discursos como estes, colocados como a virtuosa alternativa à “politica”, mesmo
sendo mais do mesmo mas que ganha um espectro diferente por possuir um discurso
popular, e ainda carregados de uma logica imediatista e irrefletida, que se
utiliza da ciência jurídica como uma valquíria punitiva, punindo pobres e
marginalizados pelo sistema.
Pois
bem, muito divaguei, o desenrolar desta pequena historieta é que o senhor
comedido acabou sua cerveja, se despediu dos demais e foi embora, os outros logo
se envolveram em outros assuntos e bravatas características de bares.
Quanto
ao que defendia energicamente os justiçamentos e penas mais duras, ao ir embora
pude notar um adesivo em seu carro escrito “Bolsonaro 2018”, o que foi o
suficiente para elucidar para mim o posicionamento do tal indivíduo. E a única
coisa que posso dizer é, tenho um enorme receio dos chamados “cidadãos de bem”,
pois estes gostam mesmo é de linchamentos públicos e violência estatal.
Cassiano
Mendes Cintra Direito Noturno