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terça-feira, 7 de setembro de 2021

"Uma intepretação compreensiva de um país difícil de se compreender".

 A eterna condição dos excluídos

Uma sociedade fundada na escravidão, que o único projeto nacional foi extrair incansavelmente as riquezas naturais do país, que plantou uma cultura meritocrata e colheu uma casta de privilegiados nas costas de milhões de brasileiros miseráveis. Sempre privatizando os lucros e socializando as perdas, em um sistema que privilegia poucos e procura, de todas as formas, manter uma estrutura institucional de eterna repetição das mesmas dinâmicas. 

Um processo de manipulação social - conforme identificamos na tese do sociólogo Jessé de Souza - a qual origina-se do conceito que acusa o patrimonialismo Estatal como o provedor de todos os males, seja econômicos ou sociais. Porém, tal pensamento trata-se de uma reprodução errônea da realidade, já que na sociedade capitalista, quem retêm o poder é o próprio mercado. Mesmo que o poder político oriundo do Estado desfrute de uma série de privilégios, a política acaba sendo usada como um intermédio daqueles que realmente possuem o poder. Uma cortina de fumaça que acaba por ignorar o mercado, expondo a culpa apenas aos seus lacaios políticos.

A partir desse pensamento, podemos enxergar como somos estimulados a compactuar com uma ideal de país que não visa abranger ou esclarecer seu povo, pelo contrário, nos guia por um caminho no qual não seja possível visualizar novas formas de sociedade. Uma desigualdade coletiva, fantasiada de uma vontade individual. Nesse sentido, a política brasileira abraça uma determinação econômica que serve para perpetuar, como uma condição imutável, concepções de uma suposta identidade nacional, além de negar que haja mazelas de um passado que insistimos em repeti-lo. Um comportamento que permeia o capitalismo moderno e propaga uma série de dogmas legitimadores de valores meritocráticos que, continuamente, ignora e exclui, geração após geração, grande parte da nossa população. Não interessa um sistema que desenvolva social e economicamente os milhões de excluídos, ao invés disso, insiste em reproduzir falsos ideais de diminuição da distância entre as classes. 

Nesse sentido, a ideia de ação social de Max Weber se faz presente, pois determinamos aquilo que é historicamente construído a partir de referências culturais, uma processo constante de dominação.. Logo, uma cultura condicionada essencialmente nestes padrões, distingue os mesmos atos de acordo com a classe social do indivíduo. Quem nunca ouviu a máxima que no Brasil, quem pouco rouba é o ladrão, mas quem muito rouba é chamado de Barão. É o jeitinho brasileiro, do povo cordial e feliz, que vive na miséria porque não se esforçou o bastante. Visto que o mesmo jeitinho que culpa o Estado pela corrupção, para o mercado só projeta-o com muita perfeição. Nada é culpa do mercado, a culpa sempre é do trabalhador ou do Estado, são eles que sempre atrapalham aqueles que querem empreender. Portanto, leis trabalhistas precisam ser removidas, tudo para atender a lógica neoliberal, a lógica do mercado, a mesma que vende diariamente a ideia  de provedora do progresso e que acusa o Estado como o grande culpado pela corrupção e pelos impostos mal gastos.

Deste modo, as próprias instituições de poder nos guiam por ideais meritocratas, os mesmos que negam a existência de um racismo estrutural e classista. Porém, mesmo que tentem esconder, demonstram invariavelmente uma luta de classes presente na sociedade brasileira. Conforme observamos facilmente nas palavras do ministro da economia do governo Bolsonaro, o maior lacaio da nossa República. Ao proferir a frase que de o dólar alto é bom para todo mundo, já que na época do câmbio baixo, até as empregadas domésticas estavam indo à Disney, o ministro demonstra - além de um ódio contra a classe mais pobre - um ideal de que uma parcela da sociedade exista unicamente com a função de servi-los por toda eternidade e nada mais.

Claudio Pacheco Marinheiro - Turma XXXVIII (Noturno)

O Brasil como paradoxo social

 

Realizar uma interpretação compreensiva do Brasil é, com certeza, uma tarefa complexa. Isso porque diversos assuntos poderiam ser debatidos, como o meio ambiente, a economia, a sociedade e, é claro, a política. Porém, o que será aqui destacado é o paradoxo que se constrói entre uma sociedade conhecida pelo seu ´´jeitinho brasileiro´´ e uma mesma sociedade que acredita que a legitimação social só é alcançada por meio do trabalho.

O trabalho é apontado como valor social central. Pela crise que o covid-19 instaurou no país, uma vez que o governo claramente não soube lidar com o ocorrido, a taxa de desemprego no Brasil cresceu, e este fato dá abertura para que aconteça uma maior exploração das relações de trabalho.

Ao mesmo tempo em que muitos continuam desempregados e em busca de trabalho, outra grande parcela se submete a exploração de mão de obra para conseguir sobreviver em um país com o preço do gás de cozinha a mais de 100 reais e com os impostos aumentando.

A população se submete a isso, como dito, por uma questão de sobrevivência, mas também pela ideia imposta de que a dignificação do homem vem do trabalho e ninguém pode parar, pois quanto mais você se dedicar, mais perto estará de alcançar sua meta, ou seja, uma falsa ideia de meritocracia.

Junto a esta ideia de ´´trabalhe enquanto eles dormem...´´ está um Brasil conhecido pela ´´cultura do jeitinho´´ (aqui aplicada no sentido de conquistar as coisas de maneira mais fácil mesmo que este adjetivo possa estar como um sinônimo a ilícito).

Muitos podem apontar que este ´´jeitinho brasileiro´´ deriva da considerada ralé brasileira, que se coloca em um papel pessimista (ou realista) da sociedade, entendendo que a meritocracia não pode ser aplicada em uma país de estruturação preconceituosa e com a corrupção enraizada. Isto é verdadeiro, de certa forma, uma vez que eles são a parcela mais prejudicada da sociedade, mas esse ´´jeitinho´´ não pode ser limitado a este grupo social, o poder político brasileiro também dá seu ´´jeitinho´´.

Dessa forma, é possível ver o porquê realizar uma interpretação compreensiva do Brasil é tão complicado, uma vez que o país vive um paradoxo sem fim e a cada dia tem mais um problema para ser debatido.

Isabella Anjos – 1° Semestre – Diurno.

Paráfrase de "Moça Linda Bem Tratada" de Mário de Andrade, 1922. No contexto da sociedade brasileira vigente

País rico, bem estruturado
Muito tempo de formação 
Classicista e negligente
Uma democracia emergente


Povo caloroso
Gás, gasolina e o dólar
Classicista e negligente
Um vexame


Cortina de fumaça, infame
Esconde a fragilidade do que acontece
Classicista e negligente
Desespero…


Presidente ineficiente

Comete crimes “democraticamente”

Viva a nação brasileira resiliente

Um povo conveniente


Alda Victoria- 1º Semestre Direito Noturno

O avesso do mesmo lugar

Entender o Brasil de hoje não é uma tarefa fácil. O país é uma soma de dimensões geográficas continentais, uma multitude de culturas e realidades socioeconômicas e uma formação histórica turbulenta que desemboca na realidade que buscamos compreender.

De início, tem-se a formação identitária brasileira como uma colônia totalmente dependente e subserviente a Portugal, com divisão de classes claramente estabelecida e que atinge o ápice da segregação com a instituição da escravidão como política pública. 

O processo de independência do Brasil foi um dos únicos do mundo que transformou um regime colonial em um regime monarquista e que foi arquitetado e praticado pelas elites políticas e econômicas dominantes - formadas, quase que em sua totalidade, pelos mesmos grupos. Grupos esses que, em benefício próprio, ao mesmo tempo que clamavam por liberdade faziam de tudo para que o regime escravocrata permanecesse uma realidade.

Após séculos de opressão institucionalizada por uma administração pública pautada no patrimonialismo, a forma como a abolição da escravidão foi realizada nos mostra a quem o Estado brasileiro servia. O último país do ocidente a abolir o regime escravista, sem qualquer tipo de respaldo aos escravizados e que buscou incessantemente ressarcir os escravocratas pela “mão de obra” perdida. 

Esses processos agravaram o abismo entre as classes sociais brasileiras de tal modo que podem ser identificados como a origem de muitos problemas que circundam a distribuição de renda e a divisão de classes atualmente. A elite brasileira de outrora e a elite brasileira de agora são, se não as mesmas, extremamente semelhantes. A intersecção e o repasse hereditário dos poderes econômicos e políticos se mantém presente na realidade do país. Como consequência disso, as classes que sustentam a base da pirâmide social pouco se modificaram nos cinco séculos da história brasileira.

A  permanência dessas instituições seculares como controladoras do poder econômico e político no país mostra que o patrimonialismo continua vivo, mesmo que de maneira mais sutil, construindo e perpetuando a ideia do “jeitinho brasileiro” de ser e de fazer. 

Essa, claro, é apenas uma das faces de uma realidade extremamente complexa. Porém, compreender o papel que as instituições político-econômicas têm na construção da imagem do país e de seus habitantes é essencial para que se analise a realidade de forma completa. É necessário entender que a construção da identidade brasileira é resultado de uma série de processos históricos e que, apesar de termos percorrido um caminho longo, não estamos muito distantes do ponto de partida.


História Pra Ninar Gente Grande / Samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira (2019)

“Brasil, meu nego/Deixa eu te contar/A história que a história não conta/O avesso do mesmo lugar/Na luta é que a gente se encontra [...] Desde 1500/Tem mais invasão do que descobrimento/Tem sangue retinto pisado/Atrás do herói emoldurado/Mulheres, tamoios, mulatos/Eu quero um país que não está no retrato”


Victoria Dote Rozallez da Costa
Direito Matutino Turma XXXVIII

 

DIÁRIO DE UM LAMENTO

São Paulo, dia sete de setembro de 2021, cinco horas da tarde
Aqui estou, mais um dia
Sob o olhar sanguinário da milícia
Você não sabe como é caminhar com a cabeça pensando em se alimentar
Apoiadores hoje, só Israel
Alguns políticos são o verdadeiro cartel

No trabalho, em pé, mais um cidadão José
Servindo a empresa, ganhando mal
Passa fome, pra sobreviver até o natal
Ele sabe o que eu desejo
Sabe o que eu penso
O dia é de luta e o clima propenso
Vários tentaram fugir, mas eu não quero
Essa oportunidade para muitos é zero
Será que Deus ouviu minha oração?
Será que o juiz aceitou a investigação?
Mando um recado lá pro meu irmão
Se o PM te ver, levanta sua mão
Sempre um susto, a cada esquina
Pode crer, moleque é gente fina
Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá
Tanto faz, o Capitalismo só quer mais
Por quanto tempo ainda vamos chorar?
Mato o tempo pra ele não me matar
Mulheres na luta, guerreiras de fé
Respeito é bom e necessário, né?
Se provando toda hora, calejando os pés
Cuidando da família, se transformando em 10

Cada dia menos uma vó, menos bença
Para esse crime, cadê a sentença?
Cada partida, um sorriso, uma história de lágrima, fome, vidas e glórias,
Abandono, miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo
Misture bem essa química
Pronto, este é o nosso momento
Lamentos no hospital, na escola, no pátio
Ao redor do campo, em todos os cantos
Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã
A gente não importa tanto
Ratatatá preciso evitar
Que esse traste em 2022 possa ganhar
Meus ideais e sonhos me protegem
Pra viver no país além do que eles querem
Tic, tac, ainda é 18:40
O relógio da covid anda em câmera lenta

Ratatatá, mais um metrô vai passar
Com gente de bem, engajada e eufórica
Lendo o jornal, insatisfeita com o hipócrita
Com raiva por dentro, a caminho do Centro
Olhando a manifestação, dos gados é lógico
Vendo todos eles, parece um zoológico
Infelizmente a vida não tem tanto valor
Quanto um celular ou computador
Hoje, tá difícil, até saiu um sol
Passaram por cima da Anvisa, mas não tem futebol
Alguns cidadãos têm a mente mais fraca
Classe média quis votar em piada
Graças a Deus e à Virgem Maria
Faltam só um ano, um mês e uns dias
Tem uma cela lá em Brasília fechada
Aguardando o presidente, ninguém abre pra nada
Só o cheiro de morte e Pinho Sol
Rafa Braga dormiu sem lençol
Qual que foi? Quem sabe? Não conta
Jair vai ficar 30 anos de ponta a ponta
Nada deixa um homem mais doente
Que a partida dos parentes
Aí moleque, me diz então, cê quer o quê?
A vaga 'tá lá, mas não pra você
Você não tem um carro importado
Seu currículo é bom, mas não é tocado
Não te permitem ter um futuro
E a vida bandida fica do outro lado do muro
Já ouviu falar de Lúcifer?
Que saiu da presidência sem moral
Um dia no Carandiru, não ele é só mais um
Comendo rango azedo com pneumonia
Nunca olharam para Osasco, Jardim D'Abril, Parelheiros
Mogi, Jardim Brasil, Bela Vista, Jardim Ângela
Heliópolis, Itapevi, Paraisópolis
Miliciano não tem moral na quebrada
Pro Estado será só um número, mais nada
Nove pavilhões, sete mil homens
Ganhando menos que merecem, quase nada
Minha mãe me falou para não desistir
Que essa luta precisa de mim
Não importa mais em quem ele votou
Mas se trocar uma ideia, o pensamento mudou
O dia a dia espanta e assusta
Com o dia cinza e a fuligem caindo com a chuva

Quero saber aonde o Brasil vai chegar
Pensar bem em quem vamos votar

Aquele que tenho ranço, pilantra corno manso
Não percebe que ele está só
Não simpatizei, desde menor
A incompetência até que dá dó!

Esses papos me incomoda
Vivemos pela nota

Esse sistema vicioso precisamos parar

Não, já, já, o processo 'tá aí
Ele vai perder e vai sair
Se eu trombo esse fulano, não tem pá, não tem pum
Vai perceber que não sou mais um

Amanheceu com sol, quase outubro
Tudo funcionando, cuidado com o mundo
De madrugada eu senti um calafrio
Não era do vento, não era do frio
Acertos de conta tem quase todo dia
Tem outra logo mais, lá em Brasília
Humanidade é o que a gente tenta
Comanda o país de forma violenta
Cada determinação faz mal a alguém
Estamos aqui para fazer o bem
Fumaça na janela, tem fogo na selva
Desmatamento, foi além, se pá, tem refém
Salles, liberou fazer
Achando que não têm nada a perder
Os indígenas começaram a fugir
Seus direitos, não deixam existir
Traficantes, homicidas, estelionatários
Constitui boa parte do plenário
Demos a brecha que o sistema queria
Mas Chico avisou, amanhã será outro dia
Depende do sim ou não de alguns homens
Que preferem ser neutros para manter o seu nome
Ratatatá, caviar e champanhe
Lira tá apoiando, irritando minha mãe
Negligência assassina, sem oxigênio
Um genocídio neste milênio
O ser humano é descartável no Brasil
Como modess usado ou Bombril
Cadeia? Claro que o sistema não quis
Esconde o que o jornal não diz
Ratatatá! Sangue jorra como água
Do ouvido, da boca e nariz
O senhor, meu pastor
É culpado pelo que o fiel fez
Periféricos no salmo 23
Sem padre, sem repórter
Sem arma, sem socorro
Vivendo na margem no lodo e esgoto

Cadáveres na rua, sem lugar no cemitério
Adolf Hitler tem parceiro pro inferno!
Quem dera o governo garantisse a vida plena
Tipo aqueles filmes do cinema
Ratatatá, no sistema deu pane
Vai preso o miliciano e sua gangue
Mas quem vai acreditar na minha insolência?
Dia 7 de setembro, dia da independência

(Reinterpretação da música "Diário de um Detento")

Eduardo Damasceno - Turma XXXVIII (Noturno)

Brasil: uma peculiaridade ?

 As frases comumente ditas por diversos brasileiros: ‘O brasileiro tem que ser estudado pela NASA” ou “esse é o jeitinho brasileiro” demonstra uma cegueira diante à realidade em relação às estruturas que mantém seu funcionamento. Atribuir esse “jeitinho” ao brasileiro, não passa de uma ilusão, já que o que rege e engendra todas essas ações é a maneira que a sociedade se organiza e mantém seu funcionamento, ou seja, o sistema capitalista.

A falta de instituições propriamente brasileiras, ou seja, criadas com base na realidade do país, são evidentes se analisado o cotidiano brasileiro. Com o país sendo alvo de explorações e domínios estrangeiros, durante todo a história, as instituições atribuídas nesse território também partem do princípio do estrangeirismo. Assim, o Brasil sempre se submeteu as normas europeias, pautadas no pensamento burguês ascendente durante o período.

O capitalismo da maneira que funciona hoje, é responsável pela manutenção dessas instituições e consequentemente da ação social. A ação social, teorizada por Max Weber (1864-1920), atribui todas as ações- ou “jeitinhos” - ao apontamento de um sentido, que sempre é manipulado pelo capitalismo. Desse modo, ocorre uma dominação ilegítima desse sistema sobre a vida dos indivíduos, em outros termos, a dominação está intrínseca à vida das pessoas. Então, atribuir uma peculiaridade ao brasileiro é controverso, pois todas as atitudes são tomadas a partir do pensamento de Estado e mercado que o sistema proporciona.

Dessa maneira, toda a estrutura cultural moderna se baseia no mercado e no Estado, que são os poderes máximos das sociedades do século XXI. Por consequência, todas as normas são pautadas em ideias burguesas, visto que esse grupo é o detentor do poder. Ideias, como a da meritocracia, não passam de uma tentativa de manipulação por parte desse grupo, pois as realidades enfrentadas pelos brasileiros são muito distintas em termos socioeconômicos, e qualquer tentativa de atribuição do mérito nessa questão não passa de manipulação, além de ser uma caminho para a tentativa de legitimar essa dominação.

Portanto, o brasileiro ser “estudado pela NASA” é um termo que não tem por base o verdadeiro problema da sociedade, visto que todas essas ações são manipuladas e submetidas pelo capitalismo e suas instituições- Estado e mercado- que dominam o consciente da população e as fazem acreditar que o “jeitinho” é peculiar, desviando a atenção do verdadeiro problema presente no mundo moderno.

Pedro Cardoso- Matutino 

Mas que país é esse?

De fato, Tom Jobim não estava equivocado ao afirmar que “o Brasil não é para principiantes”. O país tropical, do futebol, do carnaval, e da “alegria” não é fácil de se compreender. No entanto, assim como estabelece Weber em suas análises, não podemos deixar de realizar uma compreensão interpretativa e crítica acerca da realidade social de um determinado local, incluindo assim, a realidade social brasileira. Segundo o sociólogo, a Sociologia deve se portar como uma ciência da realidade, estabelecendo assim, reflexões criteriosas acerca da concretude. 

Certamente, não é incumbência simples estabelecer o que o Brasil é, no entanto, devemos determinar o que ele não deve ser. Dessa forma, ao seguir as bases teóricas de Max Weber, podemos realizar certas explicações interpretativas da realidade brasileira. Sendo assim, pautarei minhas reflexões na forma como o território nacional constitui suas estruturas democráticas e de Direito. 

Lastimavelmente, não é novidade que vivemos em uma estrutura na qual o Estado serve de manutenção para os interesses de uma classe dominante. A lei, que sempre emana do Estado, permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios de produção. 

Ademais, ao constatar que o Brasil se enquadra entre um dos maiores produtores de alimentos do mundo, destaque mundial na exportação de diversos gêneros alimentícios, promovedor do agronegócio, mas que possui uma enorme parcela da população passando fome, pode-se concluir que de fato, nesse mísero país, não só as leis são feitas para os “grandes”, mas a vida também. Como compreender um país possui fartura de alimento, mas que continua deixando milhares de pessoas sofrer a amargura da fome? 

Além disso, quando o Ministro da Educação de um governo, seja qual for, declara que a “educação, na verdade, deve ser para poucos”, pode-se concluir que a população desse país não está vivendo um estado de Direito. Para mais, quando esse mesmo Ministro afirma que “estudantes com deficiência atrapalham outros alunos”, torna-se lamentável dizer que as estruturas democráticas e de Direito se encontram, total ou parcialmente, corrompidas nessa sociedade.

No momento em que esse texto está sendo produzido, muitas mulheres brasileiras foram abusadas, violentadas psicologicamente, menosprezadas, inferiorizadas e mortas. O país tropical, do futebol e da alegria massacra covardemente as mulheres a cada minuto, hora e dia. Mas que país é esse? O feminicídio brasileiro é uma realidade, negá-lo é não somente um claro sinal de limitação intelectual, como um retrocesso para se construir medidas eficazes de exterminar essa atitude repugnante do país.

O negro, por exemplo, é outro indivíduo que não possui seus direitos protegidos no país. A música brilhante de Racionais MC’s evidência bem isso ao mencionar que “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoa mortas pela polícia, três são negras. Nas universidades brasileiras apenas 2% dos alunos são negros. A cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo. Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”. Sem dúvidas, o negro não vive no Brasil, ele sobrevive.

O Brasil é um país em que os indivíduos conseguem se juntar para disseminar o ódio contra uma criança de 10 anos que foi estuprada desde os seus 6 anos de idade (é claro que isso não é particular do brasileiro. Sinto que existem pessoas, em todos os lugares do mundo, que sentem prazer em propagar o ódio). Como compreender essa realidade? Como não se angustiar diante de uma concretude dessas? 

Diante de todos esses fatos que acontecem constantemente no território nacional, pode-se referir que o Brasil é: um país onde as leis e o Direito é feito para as classes dominantes, e o Estado é usado como meio político e econômico para que essa classe consiga inserir seus interesses na estrutura social. Além do mais, o Estado, em sua posição privilegiada deseja convencer a todos de que cessaram as contradições e, que o poder atende ao povo em geral e tudo o que vem dali é imaculadamente jurídico, não havendo Direito a procurar além ou acima das leis.

Certamente, para Weber, meus escritos, se eu fosse uma socióloga, seriam equivocados, tendo em vista que o autor menciona que não cabe ao cientista social emitir juízo de valor sobre aquela realidade que está sendo investigada. Contudo, pauto-me nos escritos de um grande jurista brasileiro – Roberto Lyra Filho. Este escritor proclama que “não adianta ver que “o mundo está errado” e encolher os ombros, fugindo para algum “paraíso artificial”, no porre, no embalo, no sexo obsessivo ou na transferência de qualquer atuação positiva para mais tarde, noutra vida, no “além”, é preciso realizar um processo de conscientização”.  

Torna-se plausível fazer um adendo de que Weber não estabelecia que a realidade social não deve ser modificada, contudo, este autor mencionava que a transformação do mundo não é papel da ciência e sim da política. No entanto, como converter a realidade social brasileira por meio da política se nossas estruturas organizacionais estão corrompidas? De fato, a política possui um enorme poder de renovação, mas não podemos nos esquivar de utilizar de todos os meios necessários para construir uma nova realidade no país. 

Assim, pode-se reiterar que compreender o que o brasil é não é simples nem instantâneo, requer reflexões criteriosas. Contudo, podemos ter uma clara distinção do que o Brasil não pode e não deve ser. Primeiramente que o Direito brasileiro deveria abarcar o todo e não somente uma classe. Além disso, as estruturas jurídicas de um Estado devem estar organizadas para atender as necessidades mais intrínsecas da população, como a vida, saúde, educação, lazer, dentre ouros. Sendo que não basta estar positivado, o Estado devem ser um mecanismo de ação social e garantir todos os direitos previstos na Constituição. O Estado deve ser, acima de tudo, um promovedor de garantias asseguradoras da dignidade de todos os indivíduos e não uma estrutura de sustento para classes dominantes. 


LÍVIA GOMES - 1° PERÍODO - NOTURNO


Verbete Brasil do Dicionário Weberiano

 Muito me questionei sobre a melhor forma de discutir o tema “uma interpretação compreensiva de um país difícil de compreender”, até que tive a seguinte ideia: a base de toda hermenêutica é conhecer a língua que está sendo desenvolvida, aquilo que está descrito nos dicionários. Portanto, decidi seguir o exemplo do Voltaire, com seu grande livro “Dicionário de Filosofia”, e tentar escrever um ensaio sobre o verbete “Brasil” em uma espécie de “dicionário weberiano”

BRASIL

Seria impossível escrever sobre esse tema sem uma rápida contextualização. Esse texto está sendo escrito no dia 07 de setembro de 2021, às 13h52 do horário de Brasília. Nesse exato momento o Brasil está vivendo a maior instabilidade democrática desde o fim da Ditadura Militar. Uma minoria barulhenta que se esconde sob as asas do presidente Jair M. Bolsonaro, um homem completamente incapaz de exercer suas funções, que reprovou no psicotécnico da vida e que sorri ao ver seu povo sofrendo com a morte, com a fome e com o medo. Apoiadores ou fanáticos? Impossível de diferenciar, pois parecem viver uma realidade paralela centrada na figura do genocida.  

Aí surgem aqueles jargões clássicos de todo “bolsonarista” aos opositores do governo: “e o petê?”; “e o Lula?”. Basta um post contrário ao regime atual que os ataques começam. As mensagens que seguem em anexo foram recebidas por uma amiga minha na manhã de hoje depois de um “stories” de cunho político:

É incrível a maneira como esses fanáticos aplicam o “BRASIL” como um coletivo, um inegável e hegemônico conjunto de pessoas. No livro Ralé Brasileira, o Jessé Souza fala bem disso, esse “conto de fadas sociológico” (p. 104) que faz parecer que a cultura é uma costureira que une todas as pessoas sob uma mesma perspectiva de amor cego ao governante que fez a gasolina chegar em 7 reais, tirou a carne da refeição do brasileiro e fez 100 milhões de pessoas viverem na insegurança alimentar. 

O retrato traçado pelo grande sociólogo Jessé nunca foi tão fidedigno quanto hoje, a unificação de uma cultura como base para todos os brasileiros que se juntam para defender “o cidadão de bem”, “aborto é pecado”, “comunismo é o verdadeiro mal” e “bandido bom é bandido morto”. É inegável que essas expressões representam uma grande parcela da população brasileira, mas não seria maior o barulho do que o volume? A resposta é um simples sim, afinal, segundo dados recentes divulgados pelo PoderData, 64% da população brasileira rejeita o governo atual. 

O verdadeiro questionamento é como eles são capazes de tanto furdunço? Como um número relativamente pequeno e desorganizado consegue movimentar tantas pessoas e parecerem uma soberania unida? Essas são questões mais complicadas, envolvem as Fake News, o uso de Robôs e a paixão pelos gritos (realmente paixão, oh galerinha barulhenta) 

Caminhando para o fim, cito indiretamente em uma tentativa de traduzir o livro Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva, do Weber a seguinte frase: As representações coletivas são representações que existem em parte ou tentam ganhar espaço de voga, mas não deixam de estar na mente de pessoas reais e orientar seu comportamento. 

Portanto, no cenário atual previsto por Weber, estamos em um momento que ideias de minorias bolsonaristas e religiosos fanáticos tentam ficar sempre nos Trending Topics e que essas concepções - embasadas na bíblia, na “lei” e nos ditos do sociopata que chamamos de Bolsonaro - passam a guiar o comportamento e são aplicados como de forma coercitiva ou discriminatória contra nós, que lutamos por um Brasil melhor, levando pessoas a falarem coisas preconceituosas e infligirem contra a liberdade alheia porque “ela não é brasileira”.


GABRIEL RIGONATO - 1° PERÍODO - NOTURNO


O que te levou às ruas?

    Dificilmente alguém poderia compreender nossa complexa sociedade e todas suas nuances por mais que dedicasse a vida a tal, no entanto, podemos encontrar algumas interpretações durante a tentativa. Como, por exemplo, ao deparar-se com a situação do país nesse 7 de setembro de 2021, que deveria ser a comemoração da Independência do Brasil, na qual, porém, observamos desde cidadãos defensores do retorno do AI-5 às pessoas de classes baixas e marginalizadas manifestando-se a favor de causas que se voltam contra sua própria existência. Mas, por quê? É o questionamento que ronda minha mente sempre que me deparo com tais ocorrências. A resposta pode não ser imediata e facilmente visualizada quando analisamos a esfera individual, porém, adentrando as instituições sociais, que são os pilares para a formação da consciência do indivíduo, encontramos um possível caminho para a interpretação.

    Segundo Max Weber, as instituições sociais podem promover dois tipos de socialização: a primária, que advém dos primeiros contatos sociais humanos, como a família ou a igreja, estas são responsáveis pelo estabelecimento das regras sociais e valores morais básicos; e a secundária, com base em instituições pré-estabelecidas, como a escola, o trabalho ou até mesmo o Estado, sendo estes os responsáveis por estabelecer os conceitos mais específicos da sociedade, ao exemplo da propriedade ou a ordem social e financeira. Entretanto, ocorre dessas instituições serem dominadas pelas crenças e morais da classe dominante, propagando-as e garantindo sua permanência. Por esse motivo, é comum observarmos a classe média baixa lutando por valores que apenas beneficiam a elite, uma vez que estes sempre foram lhes apresentados como os ‘bons valores”, que formam o “cidadão de bem”, enquanto a burguesia, obviamente, defenderá até a morte aquilo que a mantém no poder.

    Ou seja, as instituições nos ensinam desde o momento em que somos lançados ao mundo o trabalho compulsório atrelado ao sistema de meritocracia, afinal, “Deus ajuda quem cedo madruga” e nos apresentam aquilo que deveria ser considerado “normal”, como a heterossexualidade ou até o capitalismo. Uma vez que, por um acaso, já conheceu alguém que precisou se assumir heterossexual para a família? Ou já ouviu sobre protestar a favor da “escola sem partido” quando a ideologia sendo propagada é a liberal? Duvido muito, pois, tudo isso está enraizado no nosso pensamento como aquilo que é o correto, o inquestionável, sendo necessária uma luta diária para quebrar esses paradigmas tanto individualmente, quanto socialmente.

          Por fim, quando retornamos à análise do porquê de tanta gente batalhar lutas contra a própria existência em protestos absurdos, precisamos ampliar nossos horizontes para além do indivíduo, do preconceito sobre o “brasileiro não ter salvação” e buscar mudanças dentro das instituições já existentes, trabalhando também em fortalecer aquelas que promovem a igualdade em direitos e lutam pelas minorias. Não podemos esmorecer nem perder as esperanças, por mais difícil que seja, não deixaremos o barulho deles ensurdecer a voz da nossa luta e quando formos as ruas será com a consciência de saber pelo que estamos lutando e as consequências das nossas reivindicações.  

“As pessoas não são más,

Elas só estão perdidas

Ainda há tempo”

- Criolo, Ainda Há Tempo.

 

 

- Isabela Batista Pinto, Direito Matutino- Turma XXXVIII

Dominação carismática e a sua influência na sociedade

 

Houve uma época que o dia sete de setembro era motivo de orgulho e felicidade para a grande maioria, entretanto, no atual cenário que se encontra o Brasil, é difícil de se entender o que tantas pessoas foram comemorar nas ruas, será que foi o gás a mais de cem reais? A gasolina a sete reais? As mais de 500 mil mortes ocasionas pelo corona vírus?  Ou os 15 milhões de desempregados?

O que podemos entender de uma situação como essa é que a dominação carismática de um líder político, Jair Bolsonaro, faz com que tenham veneradores que considerem suas ideias incríveis, sendo cegados por esses ideais, dessa maneira se torna impossível deles enxergarem a realidade que estão vivendo. O exercício do poder determina o modo de conduzir a vida, e nesse sentido, se temos um governante que incita ódio, aqueles que o apoiam irão seguir essa linha de raciocínio.

O Brasil que vivemos é difícil de compreender, mas para tentar fazer uma análise compreensiva desse país, é preciso levar em consideração o que norteia as relações sociais. As instituições não são externas aos indivíduos, na realidade, elas estabelecem uma hierarquia de valores no comportamento humano. Para Webber, os valores são responsáveis por moverem as ações sociais dos indivíduos, e essas, quando juntadas, representam a relação social. A ação social é a maneira que o homem se comporta em relação a outra pessoa, não vai ser a sociedade que determinará a ação do indivíduo, mas as diferentes ações sociais influenciam a sociedade.

Nesse sentido, temos, de modo generalizado, dois grupos que possuem ações características na atual sociedade brasileira: a) pessoas que estão indignadas com a situação que o país está passando, revoltados com a gestão do presidente e pedem mudanças legais; b) aqueles que veneram um presidente com um discurso de ódio, que está tendo uma má gestão e pedem pela volta do militarismo. É importante frisar como a legitimidade (aceitação diante da dominação) está diretamente ligada ao grupo b, que aceita como algo válido as ações absurdas do presidente e ainda o defende para a reeleição. Cabe ressaltar o perigo que o Brasil está passando, cidadãos pedindo em manifestações, que são garantidas pela Constituição Federal, a volta da ditadura militar.

O autor Jessé José Freire de Sousa, em sua obra “A ralé brasileira: quem é e como vive” aborda um ponto importante quando trata da cultura no Brasil. Ao deferir frases como “o problema do Brasil é o brasileiro” a sociedade passa a legitimar essa ideia, e se estagna no pensamento de que esse é o nosso “jeitinho”. Seguindo esse pensamento, os defensores do Presidente Bolsonaro se apoiam nessa ideia para defendê-lo, argumentando que as frases absurdas que ele fala são causadas pelo seu jeito, que ele não quis dizer aquilo e normalizam essa situação.


Julia Carlim Piva - direito noturno

Uma interpretação compreensiva de um país difícil de se compreender

O jeitinho brasileiro, motivo de orgulho dos patriotas, pode ser observado no cotidiano de forma natural, até óbvia. É claro que você precisa recorrer a ele se quer essa vaga, esse atendimento, essa oportunidade. Em uma interpretação superficial, ele não parece ser prejudicial, até porque, aparentemente, só é aplicado a situações rasas, como o costumeiro exemplo -que a maioria já vivenciou- de ver alguém furar uma fila por meio da insistência ou do carisma. Contudo, é importante buscar, assim como grandes sociólogos e historiadores já o fizeram, os efeitos disso sobre a sociedade brasileira, ou melhor, como o enraizamento do jeitinho brasileiro é resultado de um processo histórico elaborado pelas instituições que compõem o país.
Ora, o Brasil foi um dos últimos a abolir a escravidão dos africanos no território, e mesmo esse processo foi pouco representativo, uma vez que não chegou perto de considerar, de fato, que esses povos eram explorados com base em uma teoria evolucionista assentada no racismo. Hoje, usamos a miscigenação que a chegada de escravos negros no Brasil proporcionou para, novamente, amenizar o racismo no país. Argumentamos que somos um povo só, que todos temos um pouquinho de cada coisa, não somos puros… Enquanto isso, a população negra é protagonista nas taxas de vítimas de marginalização, como pobreza (resultando na falta de acesso à educação, moradia, saúde), desemprego (e subemprego), envolvimento com o crime (drogas, estupros, assassinatos), dentre outros índices que, se avaliados, remetem a um racismo que, de tão enraizado, passa despercebido -ou é deliberadamente ignorado, mantendo o jeitinho brasileiro de solucionar as injustiças.
De fato, se analisarmos a grande maioria dos impasses sociais, políticos e econômicos no Brasil, percebemos que, em última instância, eles afetam, em maior proporção, a população negra. É só usar a descriminalização do aborto como exemplo: trata-se, em essência, de um problema que interfere especificamente na saúde da mulher; ou seja, ele pode ser visto sob uma ótica de saúde ou de desigualdade de gênero. No entanto, ao pesquisar e compilar dados, nota-se que eles também está intimamente ligado ao racismo; as mulheres que têm o direito reprodutivo negado e transferido a terceiros são as de periferia, que não têm condições econômicas para garantir um aborto seguro. Sabemos, também, que a população da periferia é majoritariamente negra, ou seja, são as mulheres negras as mais prejudicadas pela criminalização do aborto. A partir de um exemplo, podemos aplicar essa mesma análise a diversos outros já mencionados, que ajudam a perceber o racismo institucional presente no país.
Essa interpretação sobre a cultura brasileira e sua contribuição para o racismo está longe de ser uma justificativa para que ele aconteça; é preciso entender que a microestrutura que reproduzimos no dia-a-dia quando recorremos a uma troca de favores, a um jeitinho de resolver as coisas, se manifesta também na macroestrutura, principalmente dentre os que detém privilégio. Quem é vítima de racismo no Brasil não chega a desfrutar do famoso jeitinho brasileiro, porque encontra-se em um patamar isolado, onde nem mesmo receber um favor é uma realidade, ou, se sim, o favor não é suficiente para estabelecer algum tipo de vínculo ou benefício individual. A segregação racial continua crescendo enquanto evitamos encarar a estrutura que está por trás das instituições desde a abolição da escravidão.
Ana Clara Alves Gasparotto - 1º semestre Direito Matutino

Uma interpretação compreensiva de um país difícil de se compreender: Isso é tão errado assim?

     O racionamento de água voltou a ser um assunto comentado nos últimos dias e, em muitas cidades, uma realidade. 

    Desde a infância somos apresentados à uma realidade em que somos responsáveis pela escassez de água que assombra o mundo. Nós, cidadãos comuns de consumo mediano. Quando os períodos mais secos iniciam-se, as campanhas de conscientização de consumo também se iniciam, mas o público alvo é sempre o mesmo: o povo. Enquanto isso, o agronegócio continua a utilizar 69% do consumo de água (dados disponibilizados pela ANA - Agência Nacional de Águas). Entretanto, não há uma campanha massiva de conscientização de consumo de água visando o público agro. Pelo contrário, o endeusamento do agronegócio dentro do Brasil é gritante e preocupante.

    A presença de uma bancada agrária dentro das instituições do Estado e até mesmo dentro dos meios de comunicação e mercado - “Agro é pop, agro é tudo” - é o reflexo do manuseio de determinadas ideologias e valores que pretendem legitimar as ações desses grupos dominantes. 

    O exemplo da agropecuária é só um entre muitos que explicam a forma como os valores e ideias têm sido construídos dentro da sociedade com o intuito de atender as demandas das camadas poderosas. O Estado é apenas um reflexo dessas camadas, não há de fato a representação da grande maioria, afinal, aqueles que estão presentes dentro das instituições são os representantes dos grupos dominantes. 

    Compreendendo que esse Estado é manuseado e interferido por grupos restritos, e que as ideologias e valores que são de fatos institucionalizados dentro do país são advindos deles. Ou seja, o pensamento popular sofre grandes interferências para que ideologias favoráveis aos grupos dominantes sejam absorvidas e bem aceitas. 

    Os processos que possibilitam a legitimação de ações como essas não são questionadas no presente momento. Isso se deve justamente à implantação organizada de ideologias favoráveis aos poderosos. Apenas mais tarde é que se questiona como as coisas chegaram ao ponto em que se encontram.




Luísa Sasaki Chagas - Direito - Turma XXXVIII

 

A interpretação culturalista da realidade brasileira é ainda muito disseminada. Nela, há uma ideia de que a cultura não é condicionada pelas estruturas, mas sim herdada dos portugueses durante o Brasil colônia. Contudo, é válido ressaltar que as relações competitivas de produção do capitalismo foram transplantadas para o Brasil e transformaram a realidade social. A cultura, dessa maneira, é influenciada pelas instituições, que estão relacionadas com a estrutura econômica.

Na modernidade capitalista, os valores que guiam e dão sentido as ações sociais são vinculados a instituições responsáveis por moldar as relações de produção. O mercado molda o Estado, o qual se organiza de forma burocrática e racional para ser um representante fiel das necessidades do mercado. É por esse motivo que em momentos de crise o governo apoia e impulsiona a economia, se colocando como “salvador” do sistema. Nesse sentido, o Estado serve aos interesses da classe dominante, a qual forma o mercado, e tende a otimizar o funcionamento do mercado, chegando a retirar direitos trabalhistas para tal.

As instituições enquadram e influenciam a ação social, além de representar valores e ideologias, servindo muitas vezes para estabelecer uma hierarquia valorativa. A perspectiva moral é importante na dominação e atualmente pode-se observar a influência enorme da bancada evangélica em decisões importantes para o país.

Outrossim, a luta social é imprescindível para a obtenção de direitos, bem como para a mudança nas pautas das instituições. A força social influencia o Estado, mesmo esse sendo quase que totalmente persuadido pelo mercado. As ações afirmativas, por exemplo, foram implantadas devido a décadas de movimentação. Nesse contexto, o dominado assume um papel de ator social e se apropria de recursos escassos para a luta social. Na Universidade, por exemplo, as cotas trouxeram novas nuances para uma epistemologia que foi por muito tempo hegemônica.

Logo, podemos compreender que falar unicamente da interpretação culturalista e do "jeitinho brasileiro" como uma característica gritante e individual  é fruto de uma má compreensão. Muito se fala que o Brasil é atrasado e que nunca avança, entretanto não devemos esquecer que o país não fica de fora da influência das instituições pautadas no mercado. Devemos lembrar que a desigualdade tem um caráter de classe, não cultural, envolvendo condições de status e poder. Faz-se importante ressaltar também uma variação cultural: o trabalho como virtude. A condução da vida é feita por meio do trabalho e diversos valores passam a se vincular na política liberal.


Lorena Prado Silva – 1° Período Noturno

A máscara da desigualdade


Dizem que o brasileiro é um povo diferente

Que o brasileiro tem um jeitinho que é só dele

E que brasileiro é tudo assim

Tanto que brasileiro a gente reconhece em qualquer país

E um dia a Nasa ainda virá nos estudar


E seria isso o que nos une enquanto nação

O nosso jeitinho

Seria essa a nossa cultura

O privilégio

Os favores

A corrupção

E sempre foi assim

Até porque isso viria lá de trás


E dizem também que o brasileiro é trabalhador

Um povo sofrido, mas que luta de cabeça erguida

E que não tem preguiça de pegar numa enxada

Até porque gente decente é gente que trabalha

E se fulano é respeitável, é porque fulano é trabalhador

E pode até ser corrupto, mas vagabundo jamais


E ouvindo essa história toda

Que já é o conto de fadas oficial do país

Parece até que somos todos iguais

Que somos uma só gente

E uma só classe


E aí hoje, nesse 7 de setembro

A gente vê tudo quanto é gente oprimida

Pessoas desempregadas, periféricas

Indo pra rua apoiar os interesses da elite

Do agronegócio

Dos grandes empresários

E assim fica evidente

Não tem nem como negar

Que a verdadeira cultura brasileira

É a manutenção da desigualdade




Johann de Oliveira Plath, 1° ano - Direito Matutino



A Velha-Nova política cultural

“Pelo fim da velha política, da roubalheira e da negligência em relação à voz do povo, votem em mim”. Esse foi o slogan da campanha de João Bosques, agora atual chefe de governo do estado de São Paulo. Eu, como um mero analista político, tive de estudar toda sua história e atuais propostas. Assim, descobri que esse homem vem de uma antiga família oligárquica, na qual seu avô era um famoso dono de engenho. Com toda a influência do patriarca da família, o pai de Bosques tornou-se governador e, com esse poder, teve em suas mãos uma forma de controlar a estrutura e fazer com que seus filhos ocupassem cargos políticos importantes.

Só em um ano no poder estadual, Bosques nomeou dois dos seus quatro filhos para vagas públicas de alto valor salarial e magnitude. Além disso, usando o famoso e erroneamente compreendido “jeitinho brasileiro” — nesse caso, com algumas “trocas de favores” não muito bem lícitas —, o homem conseguiu aumentar o salário de todos os seus parentes, garantindo, assim, seu interesse em específico. Quer política mais velha do que essa?

Desviar das normas para atingir objetivos pessoais é algo muito encontrado no contexto brasileiro, não importa qual cargo o indivíduo ocupa. O patrimonialismo, como conceituado por Max Weber, é quase palpável nas relações sociais do nosso país. Muitos julgam ter início no nosso passado colonial, visto que era uma prática já muito comum entre os portugueses. Entretanto, o que efetivamente importa no momento é esse forte individualismo que permeia a política atual. Candidatos com passado colonial, classista, escravocrata e elitista tentam distorcer a narrativa, apagando seu passado para, ao fim, realizar o exato mesmo que seus antepassados.

Dessa forma, o poder político brasileiro caminha nessa mesma paralela. Durante todos os meus anos de estudo, percebi que boa parte das nossas instituições de poder tem, em sua estruturação, o traço dessa cultura individual, que visa seu bem próprio, não enxergando o bem maior, a sociedade como um todo. Essa incapacidade do poder público de ser favorável, efetivamente, aos interesses públicos é a principal representação do patrimonialismo presente no Brasil que, por muitos indivíduos, é escondido para, ao fim, como demonstrado por João Bosques, servir de mecanismo para articular benefícios particulares utilizando as instituições públicas.


Larissa de Sá Hisnauer - 1º semestre - Diurno 


o desgoverno difícil de se compreender

    Antônio Carlos Jobim já certificou: “O Brasil não é para principiantes”, e não é mesmo. Por isso, acho presunção minha (uma primeiro-anista, totalmente principiante) me dispor a analisar esse país difícil de ser analisado. Como eu poderia contribuir? Sozinha, não conseguiria. Logo, me basearei em Max Weber e Jessé de Souza, a fim de (pelo menos tentar) analisar algum aspecto do país.

    A princípio, entendo o conceito de patrimonialismo, na teoria weberiana, como a prática de não distinção entre a esfera pública e a privada, fazendo com que líderes de governos dispensem o interesse público, em prol do próprio bem. Em seguida, entendo, por Jessé de Souza, como esse conceito NÃO poderia ser utilizado no Brasil. Segundo ele, a impregnação do patrimonialismo ajudou na difusão do “mito nacional”, de que o brasileiro é corrupto por natureza. Além do mais, esse conceito maquia o cenário político, quando atribui ao Estado a culpa pela corrupção, quando sabemos que o verdadeiro responsável pela corrupção é o mercado. 

    Mercado esse, dominado pela elite brasileira, que usa da crítica ao suposto patrimonialismo para manter seus privilégios e expressar politicamente seu preconceito contra as classes populares, o que Jessé chamou de “ralé”. A corrupção foi transformada em “bicho papão”, apedrejada pela alta classe como pretexto, pois o que de fato a incomodava nos governos anteriores foi a diminuição da desigualdade - proporcionada pelo aumento do salário mínimo e pelas cotas universitárias, alguns anos atrás.

Nesse cenário político caótico, a luta para tirar a “corrupção” do governo, com um novo candidato “imaculado”, essa eu acompanhei. O conceito de Weber de “dominação carismática”, inclusive, cai bem: a admiração do dominado se dá pelo “carisma” (entendido aqui como suas supostas qualidades), quando o dominador se encontra na posição de herói da pátria, típico de regimes totalitários. Parece familiar?

O atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é a representação da dominação carismática: “o mito”, o senhor que entrará no poder e acabará com a corrupção do país! No entanto, como o problema de toda dominação carismática, o exercício do poder não se dá pelo carisma, mas sim pelo governo de competência, de boa liderança. Como sabemos, esse não é o forte do presidente, não a toa, pode-se dizer que vivemos em seu DESgoverno. Além disso, o discurso “contra corrupção” cai por terra diante de tantas investigações e denúncias - e o fato de a elite fingir não ver favorece a posição de Jessé de Souza.

Vemos, cotidianamente, não apenas um governo ruim, mas uma ausência de governo. Diante de uma pandemia com milhares de mortes, o presidente: disse “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”; passeou de lancha; provocou aglomerações; ignorou 53 emails sobre a oferta de vacinas da Pfizer. Poucos dos muitos exemplo de seu desgoverno comprovam sua inaptidão para governar. Contudo, a elite segue satisfeita, depois do PT sair do poder, a corrupção acabou, e vivemos no Brasil (não para principiantes) de sempre!


Maria Júlia de Castro Rodrigues - 1º ano/ diurno

 

Paradoxo do enobrecimento do trabalho e o jeitinho brasileiro

     Atualmente no Brasil, é motivo de orgulho pessoal, principalmente entre os homens, o ato de trabalhar, especialmente caso seja em algo que envolva esforço físico considerável, mesmo com o ofício apresentando uma jornada de trabalho extensiva. Paradoxalmente, no entanto, há disseminado na sociedade brasileira o "jeitinho brasileiro", que é a tentativa de se obter vantagem por meios muitas vezes ilícitos, como propina ou uma infração pequena das leis. A compreensão dessa dicotomia é um passo de suma importância para que haja um entendimento do Brasil contemporâneo. 

    É comum a rotulação de "preguiçoso" e "vagabundo" para aqueles que não trabalham, ou ao menos não tão arduamente quanto se é esperado, visto que atualmente a noção do trabalho enobrecer o homem é muito difundida na sociedade brasileira, com os que não ajam conforme essa lógica sendo considerados como inferiores aos que a seguem. Essa cultura do trabalho como um meio do ser humano tornar-se mais virtuosos não surgiu espontaneamente no Brasil, sendo ela um conceito recente popularizado durante a Era Vargas, em que o então governante do país, Getúlio Vargas, através dos meios de comunicação disseminou tal noção burguesa à população, juntamente com a ideia de que não é o trabalho em si que engrandece o indivíduo, mas sim o trabalho regrado realizado por um trabalhador disciplinado. Essa difusão ocorrida no governo Vargas não foi meramente por preferência pessoal do presidente, ela servia a agenda de industrializar o Brasil e os interesses burgueses, incentivando a população a trabalhar mais arduamente, mesmo que sem maior recompensa material, somente o subjetivo "enobrecimento" como prêmio pelo maior esforço e enaltecendo a classe proprietária dos meios de produção, visto que suas riquezas materiais foram fruto de esforço pessoal, logo por tal lógica eles supostamente seriam "nobres de espírito".  

    Curiosamente, durante o século XIX a visão social em relação ao trabalho era o contrário da atual, com aquele que trabalhasse, principalmente em ofício braçal, era julgado como pobre e inferior àquele que tinha o dia inteiro ocioso por não precisar trabalhar para manter seu padrão luxuoso de vida. Da mesma forma que o supracitado "enobrecimento" por meio do trabalho serve um propósito social, o enaltecimento do ócio nesse período servia para engrandecer os descendentes de europeus, que por terem pele mais clara que a maioria da população brasileira, tinham mais prestígio social, visto que pele bronzeada era visto como sinal de trabalho e pobreza durante essa época racista da história do Brasil. A obras de Machado de Assis como "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Quincas Borba" retratam o posicionamento da sociedade brasileira a respeito dessa visão sobre o trabalho durante tal período, ilustrando o quão mercurial são os valores sociais, quando se compara a visões tão distintas a respeito do mesmo assunto, o trabalho, no mesmo país em anos diferentes. 

    Apesar do nome, o "jeitinho brasileiro" não é exclusividade brasileira, como demonstrado pelo pesquisador Dan Ariely em seu livro "A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade", onde revela que os testes realizados para medir o grau de honestidade de diferentes apresentavam resultados semelhantes, levando o autor a refletir que a propensão à desonestidade é a mesma entre as pessoas. Entretanto, mesmo com essa mesma inclinação entre indivíduos, é inegável as diferenças legais e culturais entre os diferentes países no mundo incentivam em diferentes medidas a trapaça. No caso brasileiro, o desejo de levar vantagem pode ter sua presença cultural explicada pelo ao comportamento de figuras brasileiras de destaque, como o jogador de futebol Gérson de Oliveira Nunes que, em propaganda dos cigarros Vila Rica gravada em 1976, incentivou tal anseio, assim como os casos de corrupção na política também criam precedentes para esse comportamento. No entanto é necessário ressaltar que a permanência desse hábito é devido ao fato de que ele apresenta uma finalidade que beneficia imediatamente o indivíduo que a perpetua, caso contrário não seria difundida na escala que é atualmente. 

    É importante ressaltar que, mesmo amplamente difundidos, nenhum dos valores supracitados é universalmente replicado no Brasil, pois não é possível um padrão de comportamento ser absoluto, tornando a compreensão da sociedade brasileira impossível ser explicada simplesmente pelo ângulo da cultura de enaltecimento do trabalho ou pelo "jeitinho brasileiro", pois é, assim como todas as outras sociedades, um complexo organismo que possui diferentes morais e valores coexistindo, com cada indivíduo decidindo por conta própria qual desses conflitantes ideais seguir. Em suma, como dito pelo compositor Tom Jobim, "O Brasil não é para principiantes".

Rafael Nascimento Feitosa, 1° semestre de Direito

A ralé brasileira e o Brasil de Bolsonaro

  Brasil, 7 de setembro de 2021.

Arthur e Damares acordaram cedo, tomaram seu café da manhã, vestiram sua camisa verde amarela, pegaram sua bandeira e partiram em direção à Avenida Paulista. Para quê? Ora, pois chegou o momento de apoiar o “mito”, de mostrar a esses esquerdistas que “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Afinal, as coisas estão ótimas do jeito que estão e se há algo de errado, com certeza não é por culpa do presidente, mas sim dos comunistas.

    Chegando aos arredores do Museu de Artes Plásticas, se deparam com um morador de rua, encolhido e aparentemente dormindo.
    - Olha aí, mais um preguiçoso - diz Arthur.
    Damares responde:
    - Ao invés de dormir, ele deveria estar procurando um emprego. É por isso que o Brasil não vai para frente.
    - Concordo! Se pessoas como ele trabalhassem, facilmente seriam como nós e teriam uma casa própria, ao invés de ficar dormindo na rua.
    - Exatamente! Por sinal, aposto que ele escolheu essa situação. Não precisa pagar imposto e além de tudo recebe esmola o tempo todo. Quer vida melhor que essa?

    Enquanto isso, do outro lado da cidade, em Paraisópolis, José também acordou cedo. Precisou passar na casa de um colega que havia impresso de graça alguns currículos para ele entregar. Apesar de ser feriado, pensou que não custava nada tentar entregar, já que conseguir um emprego está cada vez mais difícil.     Seu último emprego não era tão ruim, mas ele o perdeu ano passado ao pegar COVID e precisar se afastar por mais tempo do que o patrão queria lhe dar. Ainda sim José se mantinha forte. Em 202o ele também perdeu o pai e a irmã para essa doença e sua mãe, para não ficar sozinha, passou a morar com ele, a esposa e os filhos. Era por isso - e também pelo preço do gás a R$ 100 e do arroz a R$ 20 - que precisava de um emprego.     Após andar uma hora de ônibus, ele chegou aos arredores da Avenida Paulista. Se assustou com um grupo de pessoas vestidas de camisas verdes e amarelas, mas manteve a cabeça baixa, evitando chamar a atenção, afinal, quando se tem confusão, é o homem negro o primeiro a ser enquadrado.     De maneira discreta, José entrou dentro de uma livraria. Um fato curioso é que apesar de não ter terminado o ensino médio, ele sempre foi apaixonado por livros, e trabalhar em uma livraria seria o mais próximo que ele chegaria de ter um contato direto com a leitura . Dentro da loja, ele entregou um seu currículo, se candidatando a uma vaga de auxiliar de limpeza.     Ao se encaminhar para a saída, ele se depara com um livro que lhe chama a atenção: “A ralé brasileira: quem é e como vive.” Ele começa a folhear a obra, mas é abruptamente interrompido por um casal (o mesmo do começo de nossa história - Arthur e Damares) vestido de verde e amarelo, que começa a ofendê-lo:     - O que você está fazendo com esse livro? Vai roubar?     - Não senhor, sou um homem honesto, estava apenas olhando.     - Você acha que me engana? Saia daqui antes que eu chame o gerente, ou pior, a polícia.     José então se apressa para sair o mais rápido possível da livraria, mas não antes de escutar Arthur dizer a Damares:     - Essa gente é a ralé da sociedade brasileira. E ainda se acha no direito de ler um livro! Quanta ousadia!     Foi nesse momento que José entendeu. No Brasil, ele e sua família são a ralé. São eles os condenados a viver na infelicidade, a serem humilhados, a ficaram doentes e morrem. São eles também os vistos como preguiçosos, como os que não trabalham porque não querem e que não merecem o acesso à educação, quem dirá a cultura.
Essa é a ralé brasileira e esse é o Brasil de Bolsonaro. Um país que prioriza armas ao invés de comida. Que chama de gripezinha uma doença que já matou 584 mil brasileiros. E que chama de preguiçosos aqueles que se matam de trabalhar. Mas apesar disso, está tudo bem, afinal - segundo eles - “o trabalho fortifica o homem” e a ordem não está ameaçada.




Ana Beatriz da Silva - 1º Ano de Direito - Diurno