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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A atuação do Judidiciário frente à marginalização de direitos


Em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 4.277/DF, em relação a como a justiça deveria observar a união estável homoafetiva. A partir de discussões entre os Ministros, é decidido o reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo sexo. Ao descrever o resultado dessa interpretação, vê-se que a garantia dos direitos fundamentais de todos aqueles que desejam se relacionar afetivamente está garantida juridicamente pelo Estado.
Sendo assim, é possível conectar o assunto com a enfatização de que o Antoine Garapon, na obra “Juiz e Democracia: O Guardião das Promessas”, enfatiza ao discutir essa autonomia do indivíduo -uma liberdade que o torne indiferente a esses arranjos essenciais. É esse sujeito imerso na democracia liberal, que não consegue realizar essa utopia da liberdade, e por isso, essa pessoa torna-se frágil perante as leis, e o judiciário seria a forma de tutela sobre ele e sua situação marginalizada. Portanto, transpondo para a realidade da sociedade brasileira, é observado que ante uma população majoritária católica, conservadora às tradições, há o predomínio da consideração de como correto uma família composta por uma mulher, um homem e possíveis descendentes.
A partir dessa constatação, pode-se perceber como é necessária a intervenção do judiciário nessa situação específica, haja vista que a população, em sua maioria conservadora, elege parlamentares que compactuem com seus ideais, e com isso, não levem em pauta de discussão legislativa a respeito de quebras de tabus inseridas nesse corpo social. Dessa forma, esse percentual marginalizado pela não representação no parlamento, vê a inevitabilidade de recorrer ao âmbito jurídico para que alguma mudança ocorra a seu favor -meio esse que não irá criar uma lei sobre a regulamentação da união estável homoafetiva, e sim, o reconhecimento de sua existência em vista de proteção jurídica sob os bens constituídos em conjunto, pensão em caso de óbito do parceiro, e outras formalidades reconhecidas á união de heterossexuais.
Além disso, é válido ressaltar o apontamento do Ministro Luiz Fux, em seu voto, ao salientar que o preâmbulo da Constituição Federal brasileira - “[...] Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]” – promove o entendimento de que todos os cidadãos estão protegidos e garantidos sob as normas constitucionais, ante a obtenção de autonomia de escolha e decisões particulares da vida. Nesse sentido, há necessidade da reafirmação do judiciário perante tal situação, para que pelo menos estes tenham realmente a oportunidade de expressarem em liberdade as próprias escolhas.
Nessa questão, o Ministro Fux também questiona o que seria a família. Para a população conservadora, a família é formada por heterossexuais que podem ter descendentes ou não, no entanto, é interessante ressaltar que o ponto do Ministro está em acentuar que os lações familiares são compostos por afetividade, identidade e amor entre os envolvidos -não há quantidade, não há modelo correto. Por conseguinte, a família deve ser protegida e garantida para todos, independentemente de sua formação e a favor de uma identidade criada entre as pessoas, com destaque para o sentimento e satisfação de estarem próximos. Logo, não há distinção entre os motivos que levaram as uniões de homoafetivos e heterossexuais, dado que ambas apresentam um planejamento familiar, projetos futuros, intenções financeiras.
Comparado a todas essas afrontas, o desprezo às uniões homoafetivas é um desrespeito à dignidade dos indivíduos, negando a sua autonomia e liberdade de escolha, em conjunto com os direitos de personalidade constados no Código Civil (pessoas físicas e jurídicas têm direitos à identidade). Dessa maneira, a intervenção do STF, frente a aceitação judicial perante uma estabilidade do casamento homoafetivo, deve ser observada como uma tentativa daqueles marginalizados dos respaldos protetivos das leis, em garantir a sua liberdade de escolha em Estado Democrático, algo interpretado por Garapon ao expressar a questão do judiciário estar representando a tutela sob as pessoas, a fim de possibilitá-las o cumprimento de direitos postos.
  
Sarah Fernandes de Castro - Direito/Noturno

Necessidade do ativismo jurídico



"O juiz deve colocar-se no lugar da autoridade faltosa para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão." A frase de Garapon mostra o cerne da questão do ativismo jurídico e o quanto ele é importante em uma sociedade desiludida com os poderes políticos que deveriam representá-la.

Apesar de caber ao Poder Legislativo a função de fazer leis para atender às novas demandas sociais, pode-se perceber que não é o que ocorre no Brasil. Por questões morais, religiosas ou mesmo de desinteresse pela população, o Legislativo se omite, nem mesmo coloca em pauta assuntos que não sejam favoráveis a seus interesses individuais, abandonam os cidadãos. Por esses motivos, o Judiciário torna-se a opção mais viável para que o Direito cumpra sua função de acompanhar o contexto histórico no qual está inserido. É nesse cenário que se insere o  ADI 4.277 / DF, tratando do reconhecimento de direitos na união homoafetiva.

A união entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade inegável e, em grande parte dos países, lícita, porém, o preconceito persiste, o público LGBT é um dos que mais sofre com a violência moral, psicológica e física, apenas por ter uma orientação sexual que não corresponde aos valores defendidos por grupos conservadores e religiosos. Por esse motivo, a legislação sobre esse assunto não evolui, o que é preocupante por continuar a segregar esses indivíduos e tratá-los como inexistentes, culminando no aumento da discriminação e discursos de ódio, não correspondendo aos princípios democráticos de liberdade e dignidade da pessoa humana.

Outro ponto relevante é o de que, por ser um país extremamente conservador, há pouca abertura para que haja protagonistas políticos que defendam as minorias. A dificuldade de uma pessoa do público LGBT ser eleita ou levar à discussão no Congresso pautas importantes para esses indivíduos é imensa, restando somente o Judiciário para que seus direitos sejam reconhecidos e resguardados, essa seria a expansão do campo de ação desse Poder de que Maus trata.

Se o ativismo jurídico na questão LGBT já era expressivo no ano de 2011 -com um governo mais tolerante- hoje com um Presidente que faz afirmações como: "Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro” e uma grande bancada evangélica extremamente homofóbica, passou a ser imprescindível. Mesmo não sendo o ideal o Poder Judiciário exercer funções legislativas, enquanto não houver alguma reforma política que leve a população a crer novamente em seus governantes e que estes resguardem também as minorias, a confusão entre os Poderes não será só uma realidade, mas uma necessidade.



Caroline Kovalski, 1º ano Direito, noturno.  


Judiciário: essência de decisões democráticas.

Segundo Luís Roberto Barroso, foi a partir da redemocratização na década de 80, com da promulgação da Constituição Federal de 1988, que o processo de Judicialização começou a criar raízes na dinâmica jurídica brasileira. A expansão do Poder Judiciário seria, então, uma tendência natural e necessária advinda da realidade democrática vigente. Diante disso, a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade número 4277 feita pelo STF no ano de 2011, encaixa-se perfeitamente como reflexo da expansão desse fenômeno de judicialização como forma de afirmação da essência da cidadania diante da tão recente democracia brasileira. 
A temática acerca da equiparação da união homoafetiva à união estável alcançou o ambiente do STF em 2008 a partir da ADPF 132, arguida pelo então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Porém, tal arguição foi acolhida e transmutada para ADI 4277, a qual, com bases em preceitos de violação de previsões constitucionais fundamentais, como o direito à liberdade, autonomia da vontade e sustentada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, culminou na histórica decisão de equiparação proferida pelo STF em 2011. Diante de todo esse processo a fim do alcance de garantia de igualdade em rompimento com paradigmas enraizados à estruturação social e cultural brasileira, a atuação judiciária mostrou-se como símbolo de recurso a tutelas fundamentais reivindicadas por grupos sociais brasileiros.
Garapon trata esse deslocamento de decisões para o ambiente judiciário como resultado de um processo de hiperjurisdição social, pelo qual o regime democrático é intimado a ser um meio no qual a tutela de grupos sociais frágeis deve ser exercida como prioridade em detrimento da função judiciária reduzida à arbitrariedade. Nesse sentido, a inserção de discussões como a de reconhecimento da união homoafetiva ao ambiente do Supremo Tribunal Federal caracteriza a provocação à ação judicial a serviço da conservação de uma democracia saudável e legitimada pela justiça ouvinte e amparadora de reivindicações advindas puramente da realidade social em busca da afirmação de direitos inerentes a qualquer cidadão. Desse modo, busca-se um equilíbrio social através de meios legítimos proporcionados pela própria essência democrática de soberania da voz popular.
Por isso, ao se estabelecer a garantia de direitos e proteções à união homoafetiva desde âmbitos básicos, como questões materiais de aquisição de bens, a celebração da união reconhecida em cartório em equiparação, em garantia e deveres, aos da união estável heteroafetiva, reflexos são lançados sobre toda a dinâmica jurídica e também cultural. Dessa forma, a mobilização de uma temática urgente para as esferas dos tribunais superiores se mostra como caminho difusor de novas configurações sociais a partir do atendimento de demandas puramente práticas e ilustradoras da realidade brasileira.
Além disso, por se tratar de uma decisão moldada a partir de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, são lançados reflexos acerca de toda a atividade jurisprudencial e a perspectiva social de modo colossal e histórico. E essa repercussão, ao contrário do que Ingeborg Maus defende, não evidencia a justiça como mera suprema instância moral da sociedade e meio de regressão democrática, mas sim, como veículo de defesas essenciais para um convívio saudável frente a uma forte crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade dos poderes Legislativo e Judiciário- como é descrita por Barroso a realidade brasileira. Dessa maneira, essa decisão histórica, em decorrência do reconhecimento de direitos e deveres emanados da união homoafetiva reconhecida como entidade familiar, é a mais fiel representação de quebra de paradigmas diante de uma sociedade mergulhada em crises e instabilidades.
Por conseguinte, com base em argumentos, como os do Ministro Ayres Britto (relator), consistentes na aceitação de pluralismo socio-político-cultural em prol de uma convivência respeitosa diante de uniões que fogem ao endeusado padrão heteronormativista, a judicialização se mostra como fenômeno de mobilização em legitimidade a anseios essenciais provenientes de grupos sociais os quais devem ser tutelados intensamente em seus direitos e garantias fundamentais.  Logo, a judicialização, em sua essência de garantia da dignidade de exercício de direitos, proporciona um maior fôlego para a recuperação da atual -concebida por Antoine Garapon- Democracia desencantada.
Lorena Yumi Pistori Ynomoto- Direito, Noturno