Em 2011, o Supremo
Tribunal Federal julgou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 4.277/DF,
em relação a como a justiça deveria observar a união estável homoafetiva. A
partir de discussões entre os Ministros, é decidido o reconhecimento da união
estável de pessoas do mesmo sexo. Ao descrever o resultado dessa interpretação,
vê-se que a garantia dos direitos fundamentais de todos aqueles que desejam se
relacionar afetivamente está garantida juridicamente pelo Estado.
Sendo assim, é possível
conectar o assunto com a enfatização de que o Antoine Garapon, na obra “Juiz e Democracia:
O Guardião das Promessas”, enfatiza ao discutir essa autonomia do indivíduo
-uma liberdade que o torne indiferente a esses arranjos essenciais. É esse sujeito
imerso na democracia liberal, que não consegue realizar essa utopia da liberdade,
e por isso, essa pessoa torna-se frágil perante as leis, e o judiciário seria a
forma de tutela sobre ele e sua situação marginalizada. Portanto, transpondo
para a realidade da sociedade brasileira, é observado que ante uma
população majoritária católica, conservadora às tradições, há o predomínio da consideração
de como correto uma família composta por uma mulher, um homem e possíveis descendentes.
A partir dessa
constatação, pode-se perceber como é necessária a intervenção do judiciário
nessa situação específica, haja vista que a população, em sua maioria
conservadora, elege parlamentares que compactuem com seus ideais, e com isso,
não levem em pauta de discussão legislativa a respeito de quebras de tabus inseridas
nesse corpo social. Dessa forma, esse percentual marginalizado pela não
representação no parlamento, vê a inevitabilidade de recorrer ao âmbito
jurídico para que alguma mudança ocorra a seu favor -meio esse que não irá
criar uma lei sobre a regulamentação da união estável homoafetiva, e sim, o
reconhecimento de sua existência em vista de proteção jurídica sob os bens constituídos
em conjunto, pensão em caso de óbito do parceiro, e outras formalidades
reconhecidas á união de heterossexuais.
Além disso, é válido ressaltar o apontamento do
Ministro Luiz Fux, em seu voto, ao salientar que o preâmbulo da Constituição
Federal brasileira - “[...] Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos
[...]” – promove o entendimento de que todos os cidadãos estão protegidos e
garantidos sob as normas constitucionais, ante a obtenção de autonomia
de escolha e decisões particulares da vida. Nesse sentido, há necessidade da reafirmação
do judiciário perante tal situação, para que pelo menos estes tenham realmente
a oportunidade de expressarem em liberdade as próprias escolhas.
Nessa questão, o Ministro
Fux também questiona o que seria a família. Para a população conservadora, a
família é formada por heterossexuais que podem ter descendentes ou não, no
entanto, é interessante ressaltar que o ponto do Ministro está em acentuar que
os lações familiares são compostos por afetividade, identidade e amor entre os
envolvidos -não há quantidade, não há modelo correto. Por conseguinte, a
família deve ser protegida e garantida para todos, independentemente de sua
formação e a favor de uma identidade criada entre as pessoas, com destaque para
o sentimento e satisfação de estarem próximos. Logo, não há distinção entre os
motivos que levaram as uniões de homoafetivos e heterossexuais, dado que ambas
apresentam um planejamento familiar, projetos futuros, intenções financeiras.
Comparado a todas essas
afrontas, o desprezo às uniões homoafetivas é um desrespeito à dignidade dos
indivíduos, negando a sua autonomia e liberdade de escolha, em conjunto com os direitos
de personalidade constados no Código Civil (pessoas físicas e jurídicas têm
direitos à identidade). Dessa maneira, a intervenção do STF, frente a aceitação
judicial perante uma estabilidade do casamento homoafetivo, deve ser observada como
uma tentativa daqueles marginalizados dos respaldos protetivos das leis, em
garantir a sua liberdade de escolha em Estado Democrático, algo interpretado
por Garapon ao expressar a questão do judiciário estar representando a tutela sob
as pessoas, a fim de possibilitá-las o cumprimento de direitos postos.