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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Despolitização e morte

 A tal da Constituição tava dizendo: todo bem, móvel ou imóvel, deve servir em prol da sociedade

Mas eu não sabia, nem eu nem o povo…

Aquele dia no Pinheirinho falaram de uma “ordem de reintegração”


Disso tudo a única coisa que nois entendeu foi o apavoro, a agressão 


Morreu criança, morreu adulto, tudo desabrigado


Se nois soubesse igual esses tal de advogado…


Me disseram que a Lei tem que ser abrangente


chegar no Sul, chegar no Norte, chegar na gente


Tem também uma tal de politização 


Queria saber, tem a ver com o teto e com o pão?


Ando meio desconfiado que sim, 


Nois ta sempre sem nada


E os engravatado enterrando nossos caixão!








-Camilla Rosa; 1 ano - noturno

 

    Mbembe, Jonas Rafael dos Santos e a  Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo "Cidadania"

    Achille Mbembe, na obra "Crítica da Razão Negra", comenta que a própria construção da ideia de raça contribui para gerar preconceito. Nesse mérito, O dr. Jonas Rafael dos Santos cita a morte de George Floyd, o Apartheid e a polêmica citação da tenista Serena Williams para dar corpo a essa linha teórica e aos ramos adjascentes dela. Dentro do citado pelo estudioso, está o emblemático caso da tentativa de equiparação entre os crimes de racismo e injúria racial levado ao STF pelo partido político brasileiro Cidadania. 

    Mbembe segue a reflexão no primeiro capítulo do já mencionado livro ao propor que, através da racialização, a Àfrica e os negros foram apresentados como vegetais, vazios. O doutor Jonas, no entanto, apesar de reconhecer o proposto pelo autor,  esclarece que esse esvaziamento não foi o bastante para impedir movimentos como a Revolução do Haiti e o "Black Lives Matter". Em termos do julgado, nota-se tanto a persistência dos crimes de racismo e injuria racial, que, se não fossem relevantes e não assolassem eleitores negros, não estariam como pautas do partido, quanto o fato de que a elite politica começou a dar-lhes a devida importância, o que é um indício de que eles tendem a tornar-e menos recorrentes. 

   O camaronês explica que o europeu enfabulou uma necessidade de que os homens brancos socorressem os negros, o que, aliás, está resumido em um verso do britânico Rudyard Kipling no qual se menciona o "fardo do homem branco" diante da necessidade de colonizar o continente inferior. Acerca disso, Santos considera que o classificado como inferiorizado na contemporaneidade não é só o negro, mas todo aquele incapaz de acompanhar a lógica neoliberal, e, por extensão de sentido, os "socorristas da vez" seriam youtubers autoentitulados "self-made man". O julgado vai na contramão desses conceitos, pois ali    clama-se a proteção, por um ente maior, a lei, de um grupo considerado vulnerável a ofensas étnicas.  

    No subcapítulo "Recalibragem", Achille avisa que a antiga enfabulação travestiu-se de Darwinismo social, e que elementos de tortura que sustentaram a escravidão passaram a ser representados por intenso controle de fronteiras e necessidade constante de se provar a própria identidade. A complexidade disso reside no fato de que, em razão das forças colonizatórias, a identidade dos vindos da África esfacelou-se, o que explica a menção do professor Jonas ao fato de que Martin Lutherking clamava somente por cidadania negra. As demandas, ao menos no Brasil, estão ficando mais sofisticadas, o que é muito positivo e muito notável no modo como, no julgado, explica-se que considerar a injúria racial como não necessariamente racista inviabiliza, segundo interpretações histórica e teleológica, a eficácia do repúdio generalizado ao racismo. 

Na parte final do texto aqui apresentado, Mbembe reitera que nenhum massacre histórico foi capaz de aniquilar o negro de forma completa. O Dr. Jonas Rafael exemplifica isso ao citar que Serena Williams demostrou orgulho da força de seus antepassados, que, mesmo escravizados, constituiram a árvore genealógica de que ela deriva. E o julgado termina na concessão da desejada equiparação, o que expande a punição aos desejosos de infringir a dignidade de alguém com base na quantidade de melanina presente na pele. Isso tudo  torna indubitável que, seja para a História, para as pessoas ou para o Direito, a questão da raça importa. 

Maria Paula Aleixo Golrks - 2° semestre- Direito Matutino