Encontra-se previsto no Preâmbulo da nossa Constituição Federal que o Brasil seria um Estado democráticoresponsável por garantir direitos sociais e individuais, além de liberdade e igualdade como valores supremos dessa sociedade “sem preconceitos”, contudo, esse belo texto não passa de uma promessa não cumprida, já que não corresponde à realidade. Por muitos anos as relações homoafetivas foram ignoradas pelo direito, que não reconhecia juridicamente a possibilidade de uma união estável entre homossexuais e, consequentemente, a adoção por casais gays, sob a alegação de que não atendiam os requisitos necessários por não configurarem uma entidade familiar como prevista na Constituição. Nem mesmo direitos comuns a todos os casais héteros, como herança por morte do parceiro, comunhão de bens, acesso a planos de saúde e pensão alimentícia, eram regulamentados juridicamente aos casais de mesmo sexo – em grande parte graças aos conservadores religiosos, contradizendo o princípio da laicidade do Estado – o que mostra a enorme falha no que diz respeito à garantia de igualdade perante a lei, independentemente do sexo e orientação sexual.
Para mudar essa situação de injustiça e garantir os direitos dos homossexuais, houve então o julgamento da ADI 4.277 pelo STF, a qual se baseia no pressuposto de que é“obrigatório o reconhecimento no Brasil da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher e que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendam-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo”. O relator ministro Ayres Britto inclusive reforça, em defesa dos direitos dos homossexuais, que “o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualaçãojurídica”, o que remete a uma vedação de tratamentosdiscriminatórios ou preconceituosos, os quais colidemfrontalmente com o objetivo constitucional de promover o bem de todos. Para que o objetivo seja alcançado, como está disposto no julgado da ADI 4.277, é necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme aConstituição” no art. 1.723 do Código civil, eliminando do dispositivo qualquer interpretação que possa impedir o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como família. Caso contrário, o próprio Estado estaria incentivando atitudes de caráter homofóbico e preconceituoso.
Essa Ação Direta de Inconstitucionalidade, bem como todas as manifestações do movimento LGBT, representam exatamente a busca e a necessidade de reconhecimento de que fala Axel Honneth em seu livro “Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais”. Honneth, baseando-se na filosofia de Hegel, fala do reconhecimento como uma relação ética entre dois sujeitos, o que significa que o processo de formação da identidade e autoaceitação precisam do reconhecimento da sociedade, havendo três formas de reconhecimento: o amor (que gera a autoconfiança), o direito (o autorrespeito) e a solidariedade (a autoestima). Seu objetivo é mostrar que é através da luta pelo reconhecimento que os diversos indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual, e não pela autoconservação, como defendiam Hobbes e Maquiavel, o que assinala a grande importância da luta LGBT pelo reconhecimento social, igualdade e pela garantia de seus direitos, que, apesar das conquistas, ainda tem um longo caminho a trilhar.
Letícia Rodrigues Santana , 1º ano direito -Noturno