"Com intensidade muito diversa, a dominação de um direito sacro de uma criação de direito sacra penetrou nos territórios geográficos e áreas específicas do direito, e depois foi expulsa deles. Deixamos aqui de lado o interesse específico, originalmente motivado por normas puramente mágicas, do direito sacro em todos os problemas de castigo e expiação, bem como seu interesse, a ser examinado noutro contexto, no direito político e, por fim, as normas também originalmente condicionadas por idéias mágicas, referentes aos tempos, lugares e meios de prova permitidos pelo direito sacro para o procedimento, para examinar quase exclusivamente a área do 'direito civil', no sentido habitual. Nesta área, os princípios referentes à licitude e às consequências do matrimônio, o direito familiar e o direito de sucessão, que por sua natureza faz perte deste, eram o domínio principal do direito sacro: tanto na China e na Índia quanto no
las romano, na schari'a islâmica e no direito canônico da Idade Média. As antigas proibições mágicas do incesto eram antecessoras do controle religioso do matrimônio. A importância dos sacrifícios válidos aos antepassados e de outros sacra da família juntou-se a esse complexo e condicionou a interferência do direito sacro no direito familiar e de sucessão. No âmbito do cristianismo, onde os últimos interesses, em parte, deixaram de existir, o interesse fiscal da Igreja na validade dos testamentos atuava então no sentido da conservação do controle do direito de sucessão. As normas religiosas referentes aos objetos e às localidades destinados a fins religiosos, sacros ou (ao contrário) vedados por um tabu mágico, podiam primeiro entrar em conflitos com o direito mercantil profano. Na área do direito contratual, o direito sacro interferia por razões formais quando - o que ocorria com muita frequência e, originalmente, ao que parece, com regularidade - era escolhida uma forma de obrigação religiosa: por exemplo, o juramento. Isso ocorria por razões materiais quando estavam em questão normas compromissórias da ética religiosa - por exemplo, a proibição da usura". (Max Weber).
"A religião oficial do Irã é o Islã duodecimano da escola Ja'fari, e este princípio permanecerá eternamente imutável. A outras escolas islâmicas é concedido o pleno respeito, e seus seguidores estão livres para agir de acordo com sua própria lei na realização de seus ritos religiosos. Estas escolas gozam de estatuto oficial em assuntos relativos à educação religiosa, assuntos de caráter pessoal (casamento, divórcio, herança e testamentos) e litígios relacionados em tribunais de justiça. Em regiões do país onde os muçulmanos que seguem qualquer uma destas escolas constituirem a maioria, a legislação local, dentro dos limites da jurisdição de conselhos locais, deve estar de acordo com a respectiva escola, sem infringir os direitos dos seguidores de outras escolas".(Constituição da República Islãmica do Irã, art. 12)."Todos os habitantes do Reino têm o direito de exercer livremente a sua religião. A religião Evangélico-Luterana permanecerá a religião oficial do Estado. Os habitantes que a professam devem instruir os seus filhos na mesma".(Constituição do Reino da Noruega art. 2). "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL". Constituição da República Federativa do Brasil, Preâmbulo.
O vínculo entre a religiosidade e o ordenamento jurídico é, há não pouco tempo, motivo de inúmeras discussões. A inexistência de fronteiras entre o Direito e o sagrado caracterizou, indistintamente, as mais remotas civilizações. Com efeito, as sociedades sumeriana, acadiana e egípsia eram todas teocracias governadas por déspotas cultuados pelo povo. A relação entre as classes sacerdotais e os monarcas era de grande solidez. A Grécia Antiga inovou, por sua vez, ao intentar a separação entre o político e o religioso. Roma, contudo, não levou a cabo tal negócio. Aliás, o chefe de governo romano possuia a alcunha de "sumo pontífice". No Medievo, a tradição romanística de miscibilidade entre o sagrado e o político apenas aprofundou-se: parte significativa da filosofia política ocupava-se na tentativa de distinguir o "poder temporal" do "poder espiritual". A Modernidade trouxe consigo a recuperação, ainda que tímida, do ideal grego de separação entre os aludidos poderes. Todavia, a Revolução Francesa é que foi responsável por disseminar e concretizar esta idéia de cisma. No século XIX, não poucos pensadores acreditavam que um Direito plenamente dessacralizado estava por nascer. Dentre eles, Max Weber defendia que o processo de ininterrupta racionalização, impositor de um Direito sistematizado com normas gerais e abstratas, aliados ao sistema capitalista teriam como consequência, gradativamente, o surgimento de ordenamentos jurídicos
de facto dessacralizados. Destarte, tenderiam a desaparecer os Estados teocráticos e de religião oficial, restando tão somente os laicos. Cumpre salientar, entretanto, que o sagrado ocupa, na atualidade, espaço no Direito, embora menor que outrora. Dezenas de países são influenciados decisivamente pela religiosidade, sejam eles Estados teocráticos (
e.g. Irã), sejam Estados com religião oficial (
e.g. Noruega, Reino Unido, Argentina, Arábia Saudita, Sudão,
etc.). Estados oficialmente laicos vêem, frequentemente, sua laicidade questionada, já que a influência religiosa se faz presente além do que se espera. A busca por uma total separação, contudo, permanece, sendo tomadas, contemporaneamente diversas medidas, ainda que não raro acanhadas. A República da França suscitou, recentemente, acalorado debate acerca da separação entre o sagrado e o político: ao proibir o uso da burca islâmica em repartições públicas estaria provando laicidade ou islamofobia? A segunda opção parece ser a escolhida pela muçulmana da imagem.