O texto visa proceder uma
análise argumentativa dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que
compõem a decisão da ação de descumprimento de preceito fundamental número 54.
É abordado neste processo a possibilidade da antecipação terapêutica do parto de
fetos já diagnosticados anencéfalos e não ser considerado como crime de aborto,
conforme a tipificação dos artigos 124 a 128 do Código Penal Brasileiro. Assim,
a análise verifica como o Direito, que prima pela objetividade e coerência com
seu sistema legal, pode ser influenciado por elementos extrajurídicos e pelos
discursos difusos na sociedade. De um modo geral, o tema aborto pode ser
analisado por enfoques teóricos distintos. As diversas áreas de conhecimento
tratam predominantemente o tema, a partir de representações sociais da mulher,
do corpo e da sexualidade.
A legislação brasileira
trata sobre a criminalização do aborto na parte especial do Código Penal
de 1940 que ainda se encontra em vigor. Os bens ou valores preservados são de duas ordens: a
vida do nascituro; e o aborto provocado por terceiro, a vida e a incolumidade
física e psíquica da gestante. Segundo Bourdieu, no âmbito do direito os
profissionais têm um trabalho consensual de afastar os profanos deste campo
para evitar o monopólio da criação do direito, mantendo-os excluídos mesmo
quando optem por uma decisão tipicamente jurídica para solucionar seus
problemas. Assim, como moral encontra-se a baliza dos espaços dos possíveis.
Ao verificar o voto do ministro Ricardo Lewandowski,
destaca-se o argumento que o Congresso
Nacional não está ignorando à tematicamente, que se encontram sob o crivo dos
parlamentares pelo menos dois projetos de lei para normatizar o assunto. Ao
verificar a teoria de Bourdieu, o poder simbólico em disputa no campo
jurídico consiste no poder de enunciar o que é direito. Assim, no presente
caso, nota-se a perspectiva de possíveis estratégias de poder utilizadas pelos
ministros do Supremo Tribunal Federal, na condição de corte hierarquicamente
superior, no controle de constitucionalidade abstrato das leis.
A principal reflexão do caso, se dá pelo fato de que a decisão do STF sobre a antecipação
terapêutica do parto de fetos anencéfalos não ser considerada crime de aborto,
demonstra como fatores extrajurídicos podem influenciar a aplicação do Direito.
Gabriela Sá Freire Paulino - Noturno