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sábado, 19 de abril de 2025

As Ciências Sociais são úteis ao jurista?

    Ao analisar o cenário global atual, marcado por uma intensa globalização potencializada pela internet, nota-se a grande pluralidade de culturas, povos e identidades presentes no cotidiano de todos. Nesse contexto, a relevância das Ciências Sociais para um jurista torna-se evidente, pois, sem elas, ele não tem condições de desenvolver uma atuação jurídica crítica, competente, eficaz e humanizada.

    Toda relação entre grupos humanos é regida por normas, sejam elas mais simples, como em um ambiente familiar, ou mais complexas, como as que organizam uma população sob uma constituição. Assim, um jurista que não compreende plenamente as Ciências Sociais, ao lidar com uma sociedade complexa, tem maior probabilidade de tomar decisões injustas e inadequadas às demandas sociais. Isso ocorre porque ele não dispõe das ferramentas necessárias para analisar conflitos, entender comportamentos e avaliar o impacto das leis na realidade.

    Ademais, deve-se considerar que tanto o Direito quanto a sociedade foram, em grande parte, fundados em contextos coloniais, que eram marcados por racismo e segregação, e até hoje carregam reflexos dessa origem, como destacado por Grada Kilomba. Diante disso, conclui-se que um jurista desprovido de conhecimentos das Ciências Sociais tende a perpetuar a exclusão de minorias e a defender interesses elitistas, muitas vezes sem sequer perceber, pois lhe falta capacidade para analisar criticamente as estruturas de poder, os conflitos culturais e as dinâmicas que influenciam a criação e a aplicação do Direito. Dessa forma, ele acaba se tornando apenas mais uma engrenagem desse sistema.

    Portanto, ao reconhecer as disparidades, desigualdades e relações de poder presentes na sociedade global, o jurista poderá exercer sua função de maneira mais consciente e transformadora. Assim, fica claro que as Ciências Sociais não são apenas úteis, mas necessárias para a formação integral de um jurista.


Rafael Constâncio Cuvice - Direito norturno, 1º ano


Direito e Sociedade

 As Ciências Sociais são úteis ao jurista?


    Desde que comecei o curso de Direito uma coisa foi ficando cada vez mais clara: entender leis não é só decorar códigos ou jurisprudências. É, acima de tudo, entender pessoas. E é aí que entram as ciências sociais. Acredito que elas são fundamentais na formação de qualquer jurista que queira exercer sua função com consciência e sensibilidade social.

    O Direito não existe por si só. Ele nasce da vida em sociedade, das relações humanas, dos conflitos e das tentativas de organizar a convivência. Como então pensar o Direito sem olhar para a sociedade? Sem entender suas desigualdades, sua cultura, sua história, seus problemas reais?

    Essa visão não é exatamente nova. Auguste Comte, por exemplo, já no século XIX, falava sobre a necessidade de se estudar a sociedade de maneira científica. Para ele, o conhecimento deveria ser construído com base na observação dos fatos, o que deu origem ao chamado positivismo. No campo jurídico, essa visão influenciou muito a ideia de que o Direito deve ser objetivo, racional, previsível. Mas mesmo Comte reconhecia que o Direito precisava acompanhar o desenvolvimento da sociedade, afinal, leis que não dialogam com a realidade se tornam ineficazes ou até injustas.

    Por isso acredito que a base social e filosófica é tão importante na formação do jurista. Não basta saber o que a lei diz. É preciso saber por que ela diz, para quem ela diz e como isso se aplica no mundo real. A filosofia nos ajuda a pensar criticamente, a questionar valores e a refletir sobre o que é justo. Já a sociologia nos mostra como as leis afetam pessoas diferentes de maneiras diferentes e como as estruturas sociais influenciam o acesso à justiça.

    Um exemplo que sempre me marcou é a criação da Lei Maria da Penha. Ela não surgiu apenas de uma vontade política ou de um caso isolado, mas de dados e estudos que mostraram uma realidade assustadora: a violência doméstica era (e ainda é) um problema estrutural no Brasil. Sem essa base sociológica, talvez essa realidade continuasse invisível no sistema jurídico. Foi graças a essa escuta da sociedade que se constituiu uma lei mais humana e eficaz.

    Concluindo, eu vejo que ser jurista vai muito além de aplicar regras. É ter sensibilidade  e saber ler e entender o mundo como ele é.


Nicole Barbosa Garcia- 1º semestre de Direito noturno

    



O Direito Humano e a Legitimação de Lutas Sociais

 As Ciências Sociais são úteis ao jurista?


Pedro Duarte Silva Sinicio Abib - Direito Noturno


Ultimamente, é notável e exaustivamente debatido o avanço da extrema direita no Brasil, principalmente após as Jornadas de Junho de 2013, e a partir de tal fenômeno, tem se passado sistematicamente na sociedade, o que irei chamar aqui de despolitização, que consiste em enxergar áreas da sociedade como “apolíticas”, ou seja, que devem e são separadas de parâmetros e paradigmas políticos. Exemplos não faltam, comentários em redes sociais após manifestações de jogadores ou times de futebol ao apoio de causas sociais, como “jogar bola e vencer ninguém quer”, ou “futebol não é lugar de ativismo”, tudo isso após os próprios criticarem imensamente a organização por parte do governo, da Copa do Mundo de 2014, e se utilizarem da camisa de Seleção como “uniforme” de seu movimento, evidenciando, por suas próprias práticas, o caráter político de qualquer parte de nosso coletivo social. Partindo para o universo jurídico, observamos traços muito semelhantes, com afirmações que colocam o Direito como um “espaço neutro”, uma ciência “racional”, e normas “práticas e imparciais”, conscientemente se cegando para o caráter político pujante do Direito e suas normas.

O Direito e sua formação técnica são hoje um obstáculo para as transformações sociais que gritam para ocorrer. A norma hoje é instrumento de uma corrente reacionária que tenta a qualquer custo manter seu sistema exploratório. O ordenamento jurídico é hoje, ferramenta de institucionalização de preconceitos e do domínio da elite. Surge a partir disso, a necessidade das ciências sociais ao jurista, em um mundo permeado pelo avanço do facismo e por leis como nos EUA, que definem a existência de “apenas dois únicos e biológicos gêneros” e que colocam como obrigatório o fim de “protocolos de diversidade que atacam a meritocracia”, é essencial e necessário o avanço dessas humanidades que combatem e apontam as incompatibilidades e incompletudes desse Direito tido como racional e científico.

A construção de um Direito humano e sensível que legitime as aspirações e transformações sociais passa necessariamente por juristas capazes de entender o mundo a partir da perspectiva sociológica, que possam, a partir dela, entender as lutas por direitos, suas reivindicações e princípios. A título de exemplo, cito a causa do Movimento Sem Terra e seus braços, que lutam por um Direito fundamental, a terra, mas são mal interpretados e criminalizados por esse Direito “único, imparcial e racional” que atua por meios e com finalidades políticas de manutenção da concentração fundiária no país. Em casos como esse, juristas com a formação sociológica incompleta são “presa fácil” para argumentos simbolicamente e socialmente violentos e até inconstitucionais, indo contra os próprios princípios normativos, como no caso do ataque incessante à população transgênero globalmente.

O “Direito Humano” que prego aqui, é então o questionamento dessa racionalidade única, é um ato de resistência e revolução institucional ao sistema exploratório posto, uma ferramenta tática e mais importante, palpável e manejável, para lutar em prol de transformações reais para a sociedade, um Direito pautado no futuro, por meio de pequenas conquistas diárias e coletivas, que lentamente farão a sociedade caminhar.


Solidariedade Orgânica na "Uberização" do trabalho.

A solidariedade apresenta-se como um valor ético debatido desde o iluminismo. Este termo é citado nas obras de Rosseau, segundo ele, a solidariedade possui o poder de manter unido o coletivo, composto por indivíduos isolados. O conceito será abordado posteriormente por Durkheim na obra “Da Divisão do Trabalho Social”, classificando-o em dois grupos: Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica. Assim, com o intuito de compreender a diferença dos termos sob a perspectiva durkheimiana, tratarei de um tema relevante no contexto trabalhista brasileiro atual; as mudanças nas relações de trabalho, com base na teoria do sociólogo francês.

As transformações do trabalho:

“A divisão social do trabalho é a fonte principal da solidariedade.” Este trecho resume brevemente a ideia que Durkheim trouxe referente ao trabalho, nota-se que após a Revolução Industrial a repartição do trabalho tomou outra forma. Enquanto anteriormente as funções eram semelhantes, e a homogeneidade tanto no pensamento como nos empregos predominava, a posteriori, com o aumento exponencial da população nos centros urbanos, a coesão social tomou como características predominantes a interdependência das funções e a multiplicidade de opiniões entre os indivíduos. Assim, Durkheim denominou o sistema social preambular à revolução de Solidariedade Mecânica e o que se destaca na atualidade, a Solidariedade Orgânica.

A solidariedade orgânica e a situação brasileira no âmbito trabalhista:

Com o objetivo de entender a solidariedade orgânica com maior profundidade, pode-se utilizar o exemplo citado pelo próprio Durkheim assemelhando-a com a de um corpo biológico, o qual depende de todos os órgãos para manter-se coeso. Assim, cada um desempenha sua função com base em sua especialidade, sendo conectados por uma rede de interdependência, porém cada um em sua autonomia individual e dependentes da coletividade. No cenário brasileiro, com as rápidas transformações tecnológicas, um termo em alta é a “Uberização” do trabalho, este conceito tem sido utilizado como tema de pesquisa aos cientistas sociais contemporâneos. Segundo o sociólogo Ricardo Antunes: Uberização”, uma derivação do nome da plataforma de transportes Uber, é empregado como um processo no qual as relações de trabalho são cada vez mais individualizadas e invisibilizadas, sendo o assalariamento e a exploração cada vez mais encobertos”. Sob a ótica da Solidariedade Orgânica, a “Uberização” do trabalho remete a maior individualidade e autonomia, bem como destaca o quão a interdependência está presente, pois, o motivo da alta desses serviços é justamente a praticidade ofertada aos consumidores, sendo um exemplo de como a tese de Durkheim manifesta-se  na atualidade. Ademais, cabe ressaltar os impactos negativos da “Uberização”. Em conformidade a citação de Ricardo Antunes, ressalta-se a precarização do trabalho decorrente da informalidade que é característica marcante desses serviços. Os trabalhadores ao não possuírem um contrato formal, não podem gozar de benefícios, seguros e indenizações por acidentes durante o horário de trabalho. Outrossim, a dependência das plataformas pode gerar uma pressão constante para sempre estar ativo e disponível, causando assim, queda na qualidade de vida.

A natureza informal das relações de trabalho oriundas da “Uberização”, revisita o quanto é necessária uma legislação para proteger os direitos dos trabalhadores a fim de trazer maior segurança e estabilidade emocional. Conclui-se, portanto, a importância de legitimar leis com o intuito de garantir o equilíbrio entre a autonomia vinda da solidariedade orgânica e a proteção dos direitos trabalhistas.


Demetrius Silva Barbosa,  1 ano Matutino.


A advocacia e a sociedade

 Por que um advogado deve ter conhecimento sobre conceitos filosóficos? A grande questão por trás disso é que o direito é uma ferramenta de coerção da sociedade. É uma ciência que serve para regular comportamentos e, portanto, precisa ser aplicado por pessoas com conhecimento das relações sociais. Sem essa base teórica, os juristas seriam meros impositores da norma escrita, sem grande margem de analise crítica e interpretação do texto legal.
 Nesse sentido, é válido considerar que existem amplas discriminações efetivadas por algumas pessoas no ramo do direito que poderiam ter sido evitadas se o ensino disponibilizado para elas apresenta-se uma abordagem mais reflexiva sobre a realidade. Um triste exemplo é o caso de uma juíza que, ao julgar um caso de apologia ao estupro, utilizou a sentença para difamar o feminismo. Ou seja, a ausência de pensamento crítico e compaixão na redação dessa sentença resultou até mesmo em uma negação da norma vigente.
 Adicionalmente, é evidente que esse processo também se reflete em relação a necessidade de uma imaginação sociológica bem fundamentada entre as advogadas e advogados. Em casos de racismo, por exemplo, é essencial que os advogados levem em consideração a importância de trazer equidade para quem sofre com discriminações e opressões sofridas historicamente.
 Logo, é elementar que a conexão entre a advocacia e a sociedade precisa ser profunda para garantir a aplicação da justiça e a regulação adequada dos comportamentos sociais.

Felipe Lopes Gouveia Clauz Morlina - 1ºsemestre de direito noturno da Unesp Franca

As ciências sociais são úteis ao jurista?

 No atual cenário brasileiro, as ciências sociais são menosprezadas e negligenciadas pela população em geral, até mesmo aqueles que dizem ser “de humanas”. O curso de Direito não foge dessa realidade, mesmo que tal conhecimento seja imprescindível para compreender e interpretar melhor o que faz um jurista e no que suas ações podem implicar para a sociedade. 

As pessoas constroem um estigma negativo sobre as matérias sociais desde muito cedo, e, na atual conjuntura, isso pode estar relacionado com a Nova Reforma do Ensino Médio, que diminuiu ou retirou completamente esse aprendizado da grade curricular dos alunos. Desse modo, ao ingressar na universidade, esses indivíduos encaram o aprendizado das ciências sociais como algo “inútil” em suas carreiras e em suas vidas. 

Uma grande parcela dos estudantes de Direito acreditam que só precisarão estudar as leis e as matérias inteiramente processuais, como o Direito Penal ou Direito Civil. Entretanto, aprender antropologia, sociologia e filosofia são essenciais para formar um verdadeiro jurista, e não somente um mero aplicador da Constituição. Advogados e qualquer outra carreira do curso jurídico lidam não somente com o que a lei diz, e sim com o que ela quer dizer ou pode significar. Assim, estudando as ciências sociais, o jurista entende de forma ampla e mais precisa as questões da sociedade e suas transformações, compreende o lado humano do Direito, algo que deveria ser óbvio, mas na situação polarizada que a sociedade se encontra isso não é tão claro para alguns. 

Um exemplo muito simples de como esse estudo é útil e essencial para os estudantes jurídicos foram as criações de novas leis que culminaram em importantes transformações sociais, como a criminalização da homofobia e do racismo, preconceitos que até poucos anos atrás não eram vistos como violações da lei. 

Portanto, as ciências sociais são sim muito úteis para um jurista, já que, dessa maneira, ele passa a enxergar o mundo sob um viés mais coletivo e humano, e quem sabe assim, consegue transformar a vida em sociedade em algo melhor para todas as camadas sociais.