Tava com uma vontade de prosear hoje...Vou contar procês um pouco da minha história. Meu nome é Carol, tenho 15 ano, fui criada quando menó lá na roça, em Jequitibá, mas hoje memo eu moro na cidade, seu Afonso que me trouxe pra trabaia na casa dele. Minha mãe, tadinha, com 13 fio e sozinha de amor, não deu conta, e foi se despedindo das cria. Eu fui uma delas, que vim ser empregada aqui na casa da família Andrade.
As coisa não são ruim não, eu acordo bem cedin pra deixá tudo em ordi, a casa nos conforme, fazê o café do seu Afonso, a vitamina da dona Marina, vô trabaiano ao longo do dia e paro memo pela noite, quando a casa tá toda bonita, numa organização que só. O chefe fala memo que só quando as coisas tá em ordi, é que a casa progrédi. Faz sentido, se não tivesse eu pra limpá, tira a sujeira dos canto, arruma a comida, o banheiro deles, o banheiro meu, como que o dia ia se desenrolá? O dia só começa depois que a empregada começa a coloca tudo nas ordi, aí progrédi, progrédi memo!
Teve uma época que eu tava de namoro, sabe? Eu e o Zezin, a gente se encontrava lá na esquina da minha rua, bem de madrugada, pra dar uns beijinhos, cês sabe, né? Eu fazia escondido porque o seu Afonso é quase que meu pai, e ele não deixava não, dizia que a paixão distrai a mente de quem trabaia, que coloca tudo fora de ordi, e se fica fora das ordi, nada progrédi. Ele dizia que trabaiadô não faz nada quando tá apaixonado. Eu num acho, o Zezin me deixava tão boa do coração que até quando eu ia limpa as coisa em casa eu fazia com mais vontade, sabe? Tudo ficava tão mió, até os serviço que é mais cansativo, eu não ligava de fazê. Mai quando a dona Marina descobriu, eu não tive o que escolhê, disse adeus pro Zezin. Inté que não foi de todo ruim, não dá pra causá desarmonia na casa, né? Deixa os patrão incomodado. Eu fiz o que era mió pra todo mundo.
Hoje memo eu num quero nem namora, eu quero estudá! Eu já tô com 15 ano e não sei entendê as letra ainda. Não que eu não sei nada também, meu nome eu escrivenho, mas eu queria poder ler aqueles livro da estante do Jorge, que é o fio do seu Afonso e da dona Marina. É um monte de letrinha miuda que eu queria muito sabê os significado. Mas seu Afonso falô que isso é vontade demais, que eu já passei de idade, e donde que eu vô arranja tempo pra limpa, cozinha, passa roupa e aprende as letra? É pedi demais… É o meu sonho, sabe? Quem sabe quando eu fô mais velha eu consigo trabaiá mais depressa e separa um tempo pros estudo.
Mai por enquanto, eu não posso ser egoísta, preciso lembra que se eu num coloca a casa em ordi, ninguém coloca, o meu trabaio é importante, ele faz as pessoas mais feliz, deixa tudo no seu lugar, em perfeita harmonia. Nem sempre nois faz o que quer, mas se eu tô fazendo algo que ajuda, deve de ser suficiente... Não quero ser egoísta, vô bota tudo em ordi, porque assim a casa progrédi, é o que diz o Seu Afonso. Se cada um ficar no seu lugar e fizer sua função, quem sabe as coisas num dão certo. Se tá todo mundo feliz, vô ficá feliz também, isso que é o importante. Tudo nos conforme. E quem sabe um dia o Jorge não me ensina um pouco das letra…De quarqué jeito, tô sempre aprendeno aqui nessa casa. Uma coisa já me ensinaro. É na ordi que se progrédi, né?
-Letícia Magalhães, Noturno