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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O Direito como criação de debates possíveis: limitações e perspectivas do acesso à justiça

No dia 22 de Junho de 2016, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região publicou o processo de nº 5008446-06.2015.404.9999, que concedeu o benefício de aposentadoria rural a um boia-fria. Em um caso de ação previdenciária contra o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), a concessão foi realizada em razão da existência de material suficiente da comprovação de seu trabalho, a qual foi complementada por uma prova testemunhal idônea (ou seja, considerada adequada para o caso). O acórdão do julgado determinou que a cessão do benefício ao trabalhador deveria ser imediata ao resultado da sentença. 

É possível analisar esse caso à luz dos pensamentos de Boaventura de Souza Santos, em: “Para uma revolução democrática da justiça”. Na obra, o autor disserta acerca do acesso à justiça e as necessidades de preenchimentos no campo jurídico para que se obtenha tal feito: a demanda de uma possível equidade para populações carenciadas; a defesa de interesses da coletividades e uma resolução alternativa de conflitos pelo Direito. Nesse sentido, pode-se observar como a concessão ao benefício da aposentadoria para trabalhadores rurais, acima de tudo às pessoas inseridas em formatações empregatícias como de boias-frias, compõe a busca pelo acesso à justiça. 

Isso ocorre porque, com a falta de registro trabalhista para tais produtores rurais, essas pessoas são colocadas em uma condição de marginalidade ou invisibilidade de direitos. Tal contexto é uma consequência do não reconhecimento de seus anos de contribuição para o Seguro Social. Essa constatação ocorre de uma maneira oficial, apenas dentro dos parâmetros de legitimidade do Direito formal, urbano e da tradição escrita.

Portanto, boias-frias e outros ramos do trabalho rural são historicamente inseridos na categoria de populações carenciadas, que, compondo grupos da sociedade, possuem interesses em comum muitas vezes ocultos à percepção do universo jurídico e seu saber hegemônico. Logo, reconhecer outras fontes que asseguram a contribuição trabalhista que não sejam necessariamente as pautadas de maneira normativa é não somente uma forma de mediar conflitos e conceder um benefício de aposentadoria em esfera individual, mas, no horizonte jurídico, de ampliar possibilidades interpretativas e criar maior acesso à justiça. 

Boaventura cita que, com a ascensão de advocacias populares, acima de tudo no período de redemocratização após a ditadura militar brasileira, desenvolveu-se fortemente o debate sobre os direitos trabalhistas. Isso se deu com ênfase no âmbito rural, visando proteger as dignidades antes feridas em outros períodos históricos. É nesse sentido que se compreende o reconhecimento do trabalho rural através do Direito como uma maneira de percebê-lo socialmente e retirá-lo de um lugar de subalternidade.

Para além disso, a partir do momento em que os tribunais se tornam acessíveis para locais e grupos antes não atingidos por ele é necessário pensar no que Boaventura reflete e denomina como consciência jurídica, a qual pode ser apropriada por comunidades rurais quando estas discutirem o Direito como um espaço possível a elas. Assim, a linguagem e o universo jurídico podem se transformar, mas somente quando se dispuserem a serem pensados a partir de outras óticas e prioridades. Com os pilares do acesso à justiça, dos interesses coletivos, das maneiras não unilaterais para resolução de litígios e dos povos carenciados. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BRASIL. Sexta Turma. Tribunal Regional Federal Regional da 4ª Região TRF-4. APELAÇÃO CÍVEL- 5008446-06.2015.404.9999. Relator: Hermes da Conceição Jr. 22 de Jun. 2016. Disponível em: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/393472485/apelacao-civel-ac-50084460620154049999-5008446-0620154049999. Acesso em: 06 Dez. 2021. 

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3ª. Edição. São  Paulo: Cortez, 2011. [Cap. 2: “O acesso à justiça”, p. 31-47; Cap. 3: “O ensino do direito e a formação  profissional”, p. 54-66”] .

-Letícia Magalhães, Noturno. 


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