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terça-feira, 19 de abril de 2022

Medo e Controle

               Na minha infância, ano de bandeira era ano de Copa. A cada quatro anos, era comum ver as cores verde, amarelo e azul decorando cada esquina e rua da cidade, em torcida e ansiedade. Foi somente recentemente que a bandeira nacional passou a ganhar um outro significado quando meus olhos a espiavam nas entradas de casas ou na antena do rádio de um carro. De certa forma, as cores vibrantes e as estrelas foram ofuscadas pelas palavras bordadas no meio, em letras pequenas, como um lembrete importante daqueles que exigem um olhar miúdo para serem lidos por inteiro. Quanto a serem entendidos, isso já é outra história, cheia de vários outros olhares.

            Ordem e progresso. Tal lema, além de bordar a faixa que corta o céu da bandeira brasileira, também sintetiza de maneira simples os ideais pregados pela doutrina positivista, desenvolvida pelo francês Augusto Comte, no século XIX. O positivismo teve um grande impacto no processo de proclamação da República no Brasil. Não é à toa que ele recebeu a honra de ter seu lema eternizado em meio às constelações dos nossos estados. Entretanto, é conveniente demais pregar palavras no céu, jogá-las para o alto em discursos gritados e vazios, como também se tornou comum ver no cotidiano político atual brasileiro. Palavras como essas, tão poderosas, tão perseverantes ao longo do tempo, merecem ser tocadas, em todos os seus significados, para que, então, possam ser compreendidas.

De acordo com Comte, a ordem seria um pré-requisito para o progresso, sendo o positivismo, em sua concepção, a única doutrina capaz de superar o predomínio teológico e dissolver um ‘’revolucionarismo insustentável’’ que inibiria o desenvolvimento humano. Para que se possa tocar essa ideia, primeiro é preciso voltar no tempo, para uma época distante e próxima de nós simultaneamente. Comte escreveu sua obra ‘’Discurso sobre o Espírito Positivo’’ durante o memorável período da Primavera dos Povos, em que pensamentos liberais, nacionalistas e socialistas cruzaram-se e misturaram-se em movimentos revolucionários por diversos países da Europa.

Era uma época de fervor, de mudança, de revolução, mas, aos olhos do pai do positivismo, não de desenvolvimento. Não havia ordem nesses movimentos. Pelo contrário, o espírito revolucionário estaria perturbando a ordem e atrapalhando o progresso. Nessa linha de pensamento já é possível notar que ‘’ordem’’ e ‘’progresso’’ possuem um sentido único e permanente no positivismo. Eles significam manutenção da logística social já estabelecida. São palavras para serem pregadas no céu, admiradas e respeitadas de longe, sem serem tocadas ou transformadas. Porque o toque envolveria o sentir, o que não é permitido em uma doutrina que visa criar uma física da sociedade, um ramo do saber que estude as características sociais como se elas fossem regras de uma ciência exata.

Contudo é um tanto quanto ousado ambicionar determinar o que poderia ser considerado progresso ou não, estabelecer as mudanças que devem ser aceitas como válidas ou inválidas ao desenvolvimento humano. A mudança não é algo que possa ser definido e muito menos organizado, pois envolve a relação com aquilo que se é desconhecido até certo ponto. Quando se muda de casa, não é possível dizer se esta foi uma escolha razoável até que o indivíduo esteja bem acomodado no domicílio novo e possa comparar a antiga residência e a nova com precisão. Mudanças são processos de tentativa e erro não planejados e é exatamente o seu elemento de espontaneidade que permite que elas partam dos seres humanos à medida que pedem o uso de duas características essencialmente pertencentes à humanidade: a imaginação e a ponderação. Barrar ou suprimir determinadas mudanças, com a justificativa de que elas estariam rompendo com a ordem, é, por si só, sabotar o progresso.

Portanto, o progresso ambicionado pelo positivismo é um progresso regulado, domesticado, pré-definido. Se tal pensamento não visa, necessariamente, a mudança de fato, já que a inibe através da supressão do revolucionarismo, o que realmente se exige quando se fala de progresso? A resposta para essa pergunta encontra-se naquilo que viria anterior ao progresso e, isto é, a preservação da ordem. Os papéis de invertem: o progresso, na verdade, serviria à ordem, permitindo que uma determinada dinâmica social e série de costumes se mantivesse exatamente da maneira que se encontra e navegasse por cima das novas dinâmicas, costumes e tentativas de inversão do jogo social. Em outras palavras, a ordem prezada pela doutrina positivista nada mais seria do que a tentativa do conservadorismo de se manter vivo através da passagem do tempo. Ironicamente ou não, essa tentativa de se conservar aquilo que constituiria a ordem nasce precisamente do que tal doutrina visa evitar levar em consideração em suas estipulações: um sentimento, mais especificadamente, o medo.

Medo por parte de um filósofo que está testemunhando em primeira mão movimentos revolucionários que visam tirar o monopólio do poder das mãos da classe social a que ele pertence e distribui-lo entre outras classes, que não pode mais contar com as teorias filosóficas e a palavra de Deus para explicar o ‘’caos’’ que o rodeia. Um medo que renasce continuamente nas populações ao redor do mundo em tempos de crise, principalmente na brasileira, tendo ocupado lugar central, por exemplo, no contexto do Golpe Militar de 1964, quando uma suposta força crescente comunista estaria ameaçando os princípios da ordem brasileira, dentre eles, a unidade da família tradicional e os valores morais do ‘’cidadão de bem’’. Um medo que ainda se mostra presente nos dias de hoje, nos discursos políticos exagerados, nas tentativas de silenciamento das inúmeras e diversas vozes sociais que ganham espaço em um mundo mais conectado e globalizado e na redução das suas ideias e pleitos à categoria de balbúrdia ou subversão.

A mudança é assustadora, isso não é irrazoável de se afirmar. A perspectiva de correr riscos, de ter que desmantelar parte dos seus credos e valores em favor da afirmação de novos credos e valores é alarmante. Por isso que a ideia de uma corrente sociológica que incentiva a mudança, mas sem comprometer a ordem social vigente, que produziria um progresso programado, é tão atraente para tantas pessoas. Todavia, é essencial refletirmos, tanto como cidadãos, como seres humanos, se o custo da manutenção da ordem compensaria todas as mudanças boas que poderiam surgir de movimentos então tachados de ‘’subversivos’’.

            É comum nos deixarmos levar pelo brilho das promessas da ordem e do progresso e não olharmos para o escuro do medo e do controle, que se solidifica entre as estrelas. Sendo assim, é preciso sempre estarmos atentos, com os olhares miúdos e aguçados às ideias que giram em nosso entorno, e pensarmos sobre elas em sua magnitude, com todos os seus significados e implicações, sem receio de encarar aquilo que se encontra no escuro. Afinal de contas, transformar o mundo não é tarefa para os covardes de mente e espírito.


Nome: Isabela Maria Valente Capato

RA: 221221468

Disciplina: Introdução à Sociologia

Primeiro ano de Direito - período matutino

 

"Pra não dizer que não falei das flores"


                                                                                     "Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais, braços dados ou não"

Ascendo em uma marcha contínua.  A proposição de uma ideia de união, a caminhada sem destino certo em nome de salvar uma nação.  Desertores e subversivos, é assim que nos enxergam, mas somos apenas estudantes cansados dessa moral de indecências.  Queremos fazer a diferença em um período de tamanhas incertezas. Com o medo aceso em meu coração, permito-me apertar mais os punhos, sentindo com mais certeza o cravo em minhas mãos. Olho ao redor, somos os Cem Mil, estamos em 1968. 

Estamos todos assustados, não há segurança nenhuma aqui. Os bordões que escoam pelas ruas ao redor do mundo não obtêm o mesmo timbre em solo brasileiro. Resistir tornou-se uma questão de sobrevivência para o movimento estudantil. Implementar a marcha da paz em contraponto ao solado militar. Há uma barreira contra nós, não há espaços para debates. Para eles, somos como um vulcão em erupção prestes a romper com Pompéia.

"Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão"

Há uma ordem em andamento, o exército já nos cerceia. Prometeram-nos esse espaço para um resquício de expressão, mas eram apenas falácias comparadas com os bastões. Sou obrigada a apertar mais uma vez o cravo em minha mão. Tento não me imaginar como o novo rosto de Édson Luis de Lima Souto, numa sexta feira próximo ao Calabouço. Deturpadores do progresso, desordeiros sem função; é assim que nos enxergam, como se não compreendêssemos seu projeto de nação.  Estamos vivendo em um país de pensamentos retardatários que acredita ter um futuro promissor mantendo ideais retrógrados.  

"A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição"

Continuamos caminhando em contrário à marcha da opressão. Olhares determinados entoando o nosso diferenciado lema de união. Carregamos a paz torcendo para que um dia ela seja o futuro da nação. Pertencedores desse país que não querem deixar como legado a violência do capitão. O respeito à ordem não equivale aos sumiços e extinções. Um Brasil de todos não deveria ter sangue escorrendo pelas mãos. A desigualdade rodeando solta, mas não se pode falar disso, não.

Persisto na luta por uma justiça decente, desgrudada dessa ideia de moral cristã inerente. Busco instituir a paz e o amor, não posso desistir da melhora verdadeira de minha nação. Vivo por dias melhores, dias de desmilitarização. Anseio por mudanças de mentalidade que retirem o projeto social de nosso brasão; destituam o Ordem e Progresso da bandeira nacional. Enquanto esse positivismo incansável puder ser ouvido na voz do capitão, serei obrigada a entoar os versos dessa canção:

"Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão"