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domingo, 18 de maio de 2025

A autoridade legitima a opressão racial?

  Silvio Almeida, em seu livro "O que é racismo estrutural", afirma que o preconceito racial é um processo histórico e, sobretudo, político. Segundo ele, o racismo é justificado por meio de narrativas políticas, para que a violência contra minorias não seja um problema na coesão social. Uma maneira de pessoas no poder manterem o status quo opressivo é atraves de uma "autoridade tradicional" "baseada na crença na santidade das tradições e na autoridade dos que são chamados a exercer o poder" (Weber, 1922, p. 130).

  Em um Brasil moderno, onde muito se fala em igualdade social, políticas públicas e combate ao racismo, será que o poder público continua a oprimir populações pretas e pardas vulneráveis? Segundo a Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (e-Revista CNJ) de 2024 com base em estatísticas, a Justiça é mais rigorosa com negros e vulneráveis. Vendo isso à luz de Silvio Almeida sob uma perspectiva Weberiana, podemos afirmar que as autoridades brasileiras têm sido um veículo por meio do qual se mantém a discriminação a nível estrutural. 

  Essas são, portanto, formas de racismo institucionalizadas, veladas, "aceitas"; uma maneira discreta de violar o direito negro à igualdade. E tais coisas não acontecem somente em âmbito judicial ou legal, mas também em diversas outras camadas sociais, onde autoridades segregam e marginalizam populações minoritárias. Afinal, podemos concluir que a autoridade legitima, sim, o racismo, de forma a oprimir pessoas pretas sem causar revolta social ou questionamento. 


Letícia Mayumi Sato Prado 

Quarto de Despejo: por que o Brasil mantém sua população preta e parda segregada nas favelas?

          Após a chegada das frotas portuguesas na aurora do século XVI, a Terra dos Papagaios conheceu um longo processo de desumanização dos povos considerados “primitivos. No início da ocupação, os colonizadores se valeram de relações um tanto amistosas com as populações nativas do litoral. Com o tempo, através da ânsia por controle efetivo dos recursos encontrados e ampliação dos lucros da Coroa, o contato aparentemente solícito dos europeus evoluiu para um imponente domínio sobre os corpos indígenas, estabelecendo o começo da história da escravidão no Brasil.  

A partir da década de 1560, no entanto, os nativos passaram a ser vistos como uma mão-de-obra extremamente trabalhosa e de difícil manutenção, prejudicando diretamente a produção portuguesa. Nesse momento, a metrópole encontra sua nova fonte de trabalho no continente do outro lado do Atlântico: a África. Ao longo de mais de 300 anos, Portugal sustentaria o transporte de 4 milhões de negros escravizados para o Brasil, a fim de que operassem nas atividades agrícolas de modo forçado, sem pagamento, mediante relação de subsistência e sob severas violências.  

Tais indivíduos não possuíam qualquer direito hoje conhecido. Fundamentando-se em teorias pseudocientíficas, os portugueses fomentavam a narrativa que enxergava as populações não-europeias como inferiores, impondo aos negros a qualidade de mera mercadoria. Podiam ser comprados e vendidos, doados e alugados, humilhados e violentados de todas as formas pelo seu donatário. Eram espacialmente segregados, sendo obrigados a viverem em locais conhecidos como “senzalas”, sofriam com fome, sede e frio, sem a menor possibilidade de reclamação, da mesma forma que ficavam acorrentados e se tornavam vítimas de castigos físicos cruéis (incluindo, no caso das mulheres e meninas, estupros e assédios variados) 

Já no século XIX, a Europa encarava não só a consolidação dos ideais Iluministas de liberdade e igualdade, bem como assistia à ascensão das Revoluções Industriais. A Inglaterra, referência em ambos os processos, logo compreendeu que, sem um mercado consumidor numeroso e com pertinente poder de compra, tudo aquilo alcançado por suas fábricas viria a se tornar um grande fardo econômico. Ora, mas onde estavam todos esses potenciais consumidores? Estavam nas colônias, sendo tratados como animais. Os ingleses, amplos defensores de uma mão-de-obra livre e remunerada, trataram imediatamente de proibir o tráfico negreiro em seu território e pressionar as nações aliadas a fazerem o mesmo.  

O Brasil Imperial, ao receber a pressão inglesa, iniciou um longo e lento movimento em direção à abolição da escravatura, editando leis que, aos poucos, conferiam mais liberdades aos negros. Finalmente, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel de Bragança, filha do imperador Dom Pedro II, assinou a chamada Lei Áurea, declarando extinta a escravidão no Brasil.  

Todavia, apesar de oficialmente libertos, os negros não receberam qualquer garantia de inserção na sociedade. A população preta permaneceu sem poder desfrutar devidamente dos direitos básicos, como alimentação, segurança, integridade e, especialmente, moradia. Sendo uma parcela sem muitos recursos financeiros, os negros foram obrigados a se estabelecerem nas regiões mais afastadas dos centros urbanos, dando origem às favelas.  

A primeira favela do Brasil foi o Morro da Providência, criado no Rio de Janeiro em meados de 1897. Contava com ex-soldados, desertores, miseráveis e, sobretudo, uma grande quantidade de negros e pardos. Desde então, nosso país viu essas comunidades crescerem ostensivamente e serem permeadas pela população preta/parda: de acordo com o Censo Favelas realizado pela Agência Brasil em 2024, os pretos e pardos correspondem, somados, a 72,9% de todos os moradores das comunidades brasileiras 

Diante desse cenário, surge a dúvida: por que, mesmo após mais de 100 anos desde a abolição da escravidão, os negros continuam sofrendo com a segregação socioespacial? A resposta está na legitimação do racismo 

No livro Racismo Estrutural, o professor e ex-ministro Silvio Almeida apresenta três percepções sobre o racismo, isto é, a força sistemática de discriminação cujo fundamento é a raça: (1) a concepção Individualista; (2) a concepção Institucional e (3) a concepção Estrutural. Analisando-se as duas últimas, entende-se que a exclusão socioespacial sofrida pela população negra é mantida tanto por um preconceito histórico enraizado na sociedade (dimensão estrutural) quanto pela institucionalização desses mesmos preconceitos, os quais impõem “regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem ‘normal’ ou ‘natural’ o seu domínio”. (ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen, 2019.) 

O “tornar natural” diz respeito ao processo de legitimação. Para o sociólogo Max Weber (1864-1920), nenhum processo de dominação ocorre sem a crença na legitimidade do regime. Esse conceito deve ser considerado uma probabilidade de a dominação ser reconhecida e praticada como tal: “O decisivo é que a própria pretensão de legitimidade, por sua natureza, seja ‘válida’ em grau relevante, consolide sua existência e determine, entre outros fatores, a natureza dos meios de dominação escolhidos.” (WEBER, Max. Economia e Sociedade. Vol. I. 3ª Edição. Brasília: Editora da UnB, 1994. p. 140.) 

Logo, partindo da definição weberiana, o racismo estrutural legitima o racismo institucional, ficando as instituições sociais tomadas por determinados grupos raciais que utilizam seus mecanismos para apartar os “estorvos”. Desse modo, há a normalização da dinâmica segregacionista que ainda empurra os negros para as periferias, sendo essa conjuntura legitimada pelo racismo sistêmico que permeia os órgãos públicos brasileiros, os quais deveriam garantir o acesso à moradia de qualidade a todos os cidadãos brasileiros, sem exceção.  

Como conclusão, entendemos que nada no Brasil é tão simples quanto parece, principalmente no que diz respeito à população negra. É necessário entendermos que, vítimas de um processo histórico de exclusão e violência, os negros permanecem sofrendo as consequências de um racismo intrínseco à sociedade brasileira e, por isso, a eles é destinado o “quarto de despejo”, nas palavras da escritora favelada Carolina Maria de Jesus 

Vitória Alvarenga Pistore - 1º ano - Direito (Matutino)

O conhecimento sendo usado como arma para propagar preconceitos

Silvio de Almeida menciona em seu livro como o espírito positivista surgido no século XIX transformou as indagações sobre as diferenças humanas em indagações científicas. O que serviu para propagar ideias preconceituosas — ou mais precisamente — racistas, como é visto no livro. O racismo científico, que se fundamenta na tentativa de justificar desigualdades raciais por meio de supostos argumentos biológicos ou pseudocientíficos, pode ser analisado à luz do conceito de autoridade proposto por Max Weber. Para Weber, a autoridade legítima se manifesta em três formas principais: tradicional, carismática e racional-legal. Cada uma dessas formas pode ajudar a compreender como o racismo científico foi sustentado e propagado historicamente.

A autoridade tradicional, baseada na continuidade de costumes e práticas sociais, contribuiu para a naturalização de hierarquias raciais. Ao longo dos séculos, crenças enraizadas sobre a superioridade racial foram legitimadas por meio da tradição, tornando o racismo científico uma ferramenta para reforçar sistemas de dominação pré-existentes.

A autoridade carismática, por outro lado, remete a figuras influentes que, por meio de seu carisma, promovem determinadas ideologias. Muitos cientistas e intelectuais do passado exerceram essa forma de autoridade ao defender teorias racistas, utilizando seu prestígio para validar ideias infundadas. Suas opiniões eram aceitas sem contestação, reforçando preconceitos e políticas discriminatórias.

Por fim, a autoridade racional-legal — que se baseia em regras e normas instituídas — permitiu que o racismo científico se consolidasse no âmbito jurídico e acadêmico. Leis segregacionistas e políticas de eugenia foram frequentemente justificadas por discursos científicos que buscavam conferir uma aparência de legitimidade à discriminação racial. Assim, a ciência, que deveria servir ao avanço do conhecimento e ao bem-estar social, foi instrumentalizada para perpetuar desigualdades.

Conclui-se, portanto, que ao analisar o racismo científico sob a ótica da teoria de Weber, percebe-se como diferentes formas de autoridade foram mobilizadas para sustentar estruturas racistas ao longo do tempo. O combate a essas ideias exige uma abordagem crítica, pautada na revisão histórica e na promoção de um conhecimento científico verdadeiramente comprometido com a equidade e a justiça social.

Lorraine de Oliveira Maciel – 1º ano – Direito – Matutino

Racismo estrutural e dominação: um obstáculo silencioso à igualdade

 A construção social da raça e seus desdobramentos na estrutura do poder são temas centrais no debate contemporâneo sobre desigualdade. Silvio Almeida, em Raça e Racismo, defende que o racismo não é um fenômeno isolado ou apenas moralmente reprovável, mas sim um sistema que organiza e legitima desigualdades sociais. A partir dessa leitura, é possível relacionar a obra com a teoria sociológica de Max Weber, sobretudo com seu conceito de dominação, compreendida como a probabilidade de se encontrar obediência a uma determinada ordem dentro de um determinado grupo. Tal articulação permite compreender o racismo como um instrumento de dominação social, política e econômica.

Segundo Weber, a dominação pode se dar por três tipos ideais: tradicional, carismática e legal-racional. Ao aplicar essa tipologia ao racismo estrutural descrito por Silvio Almeida, percebe-se que a dominação racial assume formas múltiplas. Ela se manifesta tanto como tradição — nos estigmas herdados da escravidão e do colonialismo — quanto por vias institucionalizadas, amparadas por leis e práticas administrativas que, mesmo sob uma fachada de neutralidade, reproduzem desigualdades. Assim, a dominação racial opera sob a lógica da legalidade, mantendo-se presente mesmo em regimes democráticos que proclamam a igualdade formal entre os cidadãos.

Silvio Almeida também propõe que o racismo seja compreendido como um fenômeno estrutural, histórico e institucional. Ele destaca que a raça, ainda que biologicamente inexistente, torna-se um marcador de diferenças sociais que serve à manutenção de hierarquias de poder. Esse ponto dialoga com Weber ao se pensar a dominação como um fenômeno que demanda legitimação. No racismo estrutural, a naturalização das diferenças raciais cumpre justamente essa função: legitimar a exclusão, a marginalização e o controle de corpos racializados, não como resultado de escolhas individuais, mas como produto de um sistema coerente de dominação.

Dessa forma, ao relacionar o pensamento de Silvio Almeida à teoria de Max Weber, evidencia-se que o racismo é mais do que um problema de preconceito interpessoal: ele é um mecanismo de dominação com raízes profundas nas estruturas sociais. Combater o racismo, portanto, exige não apenas ações educativas ou legislativas pontuais, mas a desconstrução dos fundamentos que sustentam a ordem social vigente. Trata-se de um desafio que convoca a sociedade a repensar seus modos de organização e legitimação do poder.


Felipe Kinzo Massuda Nascimento - 1° Direito - Matutino