Desde a Lei de Terras ao Caso Bárbara Querino: uma estrutura burocratizada pelo racismo
Ao escutarmos músicas como “A Carne” de Elza Soares e darmos uma rápida pesquisada nas mídias sociais torna-se explicito a situação ‘precária’ que a população negra enfrenta. Casos como da jovem Barbara Querino de Oliveira, conhecida como “Baby”, que foi presa no ano de 2018 por suspeita de roubo, somente fundamentam os cantos da artista. Com sua denúncia em forma de arte a cantora nos apresenta uma situação construída desde séculos passados e que se estendeu até os dias de hoje.
O Racismo Estrutural não se apresenta somente como uma fala
diretamente direcionada, ou uma ação demostrada explicitamente, ele atua de
forma mais profunda, está enraizado na sociedade brasileira de tal modo que
construa uma gamificada rede que se estende para todos os aspectos sociais,
seja o de entretenimento, o da ciência, ou o infantil. Silvo Almeida constrói
bem esse raciocínio em seu livro, de modo que fique claro que o racismo se
impõe como uma estrutura, não está só nas instituições e não atua pautado
somente nos indivíduos. Cantores como Elza Soares, Emicida e Racionais expõe
tão bem quanto o escritor as maneiras que esse amplo sistema opera. Para além
disso eles demostram em suas letras os efeitos reais, ao citar casos ou
situações, o desbalanço de poder que essa população enfrenta.
Ao consolidarmos o racismo como uma estrutura temos que
compreender que ele tem poder para atuar e interferir na vida de inúmeras
pessoas. Ele como poder é a representação da oposição de vontades, essas que na
história do país se conflituaram e se conflituam até os dias de hoje. Para
exemplo basta analisarmos a Lei de Terras de 1850, instituída por Dom Pedro II
somente duas semanas depois da Lei Eusébio de Queiroz. A delimitação da compra
para obtenção de terra atua aqui como sobreposição da vontade da elite branca
daquele período a vontade da população negra de conseguir ter acesso à terra,
que ali representava uma conquista e um fator essencial para seu
pertencimento a sociedade.
A burocracia aqui representa um papel fundamental para a
consolidação desse desbalanço de poder entre a população branca e a não branca.
A primeira ao apropriar-se dos instrumentos que compõem a burocracia, como o
direito, usam desses para consolidar sua vontade sobre os demais. Como exemplo
tem-se, para além da lei citada anteriormente, a criminalização da cultura negra,
como o decreto de lei 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890 que previsto no
Código Penal da época proibia a prática da capoeira, somente em 1937 que tal
norma foi revogada.
Há dessa forma, tal qual como dita por Silvio Almeida, a
necessidade de não ser somente não-racista, mas também de elaborar um comportamento
antirracista. Essa competição entre vontades e a burocracia que até então era
explicitamente racista perdura até hoje, por tal motivo artistas como os
citados se fazem tão importantes. O modelo que antes condenava abertamente continua,
mas de modo muitas vezes mascarado e escondido como no caso da Barbara que
confundida com uma possível suspeita perdeu um valioso tempo de sua vida.