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sexta-feira, 16 de maio de 2025

Desde a Lei de Terras ao Caso Bárbara Querino: uma estrutura burocratizada pelo racismo 

Ao escutarmos músicas como “A Carne” de Elza Soares e darmos uma rápida pesquisada nas mídias sociais torna-se explicito a situação ‘precária’ que a população negra enfrenta. Casos como da jovem Barbara Querino de Oliveira, conhecida como “Baby”, que foi presa no ano de 2018 por suspeita de roubo, somente fundamentam os cantos da artista. Com sua denúncia em forma de arte a cantora nos apresenta uma situação construída desde séculos passados e que se estendeu até os dias de hoje.

O Racismo Estrutural não se apresenta somente como uma fala diretamente direcionada, ou uma ação demostrada explicitamente, ele atua de forma mais profunda, está enraizado na sociedade brasileira de tal modo que construa uma gamificada rede que se estende para todos os aspectos sociais, seja o de entretenimento, o da ciência, ou o infantil. Silvo Almeida constrói bem esse raciocínio em seu livro, de modo que fique claro que o racismo se impõe como uma estrutura, não está só nas instituições e não atua pautado somente nos indivíduos. Cantores como Elza Soares, Emicida e Racionais expõe tão bem quanto o escritor as maneiras que esse amplo sistema opera. Para além disso eles demostram em suas letras os efeitos reais, ao citar casos ou situações, o desbalanço de poder que essa população enfrenta.

Ao consolidarmos o racismo como uma estrutura temos que compreender que ele tem poder para atuar e interferir na vida de inúmeras pessoas. Ele como poder é a representação da oposição de vontades, essas que na história do país se conflituaram e se conflituam até os dias de hoje. Para exemplo basta analisarmos a Lei de Terras de 1850, instituída por Dom Pedro II somente duas semanas depois da Lei Eusébio de Queiroz. A delimitação da compra para obtenção de terra atua aqui como sobreposição da vontade da elite branca daquele período a vontade da população negra de conseguir ter acesso à terra, que ali representava uma conquista e um fator essencial para seu pertencimento a sociedade.

A burocracia aqui representa um papel fundamental para a consolidação desse desbalanço de poder entre a população branca e a não branca. A primeira ao apropriar-se dos instrumentos que compõem a burocracia, como o direito, usam desses para consolidar sua vontade sobre os demais. Como exemplo tem-se, para além da lei citada anteriormente, a criminalização da cultura negra, como o decreto de lei 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890 que previsto no Código Penal da época proibia a prática da capoeira, somente em 1937 que tal norma foi revogada.

Há dessa forma, tal qual como dita por Silvio Almeida, a necessidade de não ser somente não-racista, mas também de elaborar um comportamento antirracista. Essa competição entre vontades e a burocracia que até então era explicitamente racista perdura até hoje, por tal motivo artistas como os citados se fazem tão importantes. O modelo que antes condenava abertamente continua, mas de modo muitas vezes mascarado e escondido como no caso da Barbara que confundida com uma possível suspeita perdeu um valioso tempo de sua vida.

Maria Clara Moro Genesini - 1º ano direito, Noturno 

Legitimidade: a cultura, ainda que permeada pelo arreigado racismo, enquanto validação da autoridade

Para Max Weber, a vida em sociedade só pode manifestar-se plena e harmonicamente se compreendida em sua pragmaticidade. Assim embora o autor estipule o mecanismo do ‘’Tipo Ideal’’, dele espera-se nada além do questionamento e destruição, de forma a tornar coerente e profunda a análise das instituições e ferramentas que orientam a sociedade racional weberiana.

Sob essa ótica, o autor apresenta o conceito de ‘’autoridade legitimada’’, a qual exerce poder influente sob ações sociais, de forma a resguardá-las ou não, pela ‘’validação’’. Para isso, Weber afirma que ‘’A legitimidade da autoridade pode ser garantida das seguintes maneiras: I. Em uma base puramente subjetiva, ou seja, que se deve a: 1) aceitação meramente afetiva ou emocional; 2) provir de uma crença racional na validade absoluta da autoridade como uma expressão de valores últimos obrigatórios, sejam éticos, estéticos ou de qualquer outro tipo. II. A legitimidade da autoridade pode ser garantida também pelo interesse próprio, na expectativa de consequências específicas de uma espécie particular’’ (WEBER, Max, 2002, p. 57). Tal afirmativa implica a fundamentação de pensamentos e instituições enraizadamente excludentes, os quais validam, apenas, proposições de perpetuação de privilégios.

Assim, ao retratar o racismo em sua perspectiva institucional, Silvio Almeida, em sua obra ‘’O que é racismo estrutural’’, transpõe a análise weberiana ao contexto contemporâneo, no qual praticas racistas, desde suas esferas vulgares a sua cruel ‘’legitimidade’’ institucional, são estudadas para fins combativos – diferentemente da realidade vivida por Weber-, demonstrando como a autoridade exercida por instituições constitutivamente racistas, criam obstáculos diretos e indiretos na vida da população negra até hoje. Portanto, nota-se que, quer seja pela estipulação de ‘’valores obrigatórios’’, quer seja por condutas egoístas para ‘’consequências especificas de uma espécie particular’’, a legitimidade cultural permanece validando autoridades não representativas, as quais se valem de instituições e conhecimentos opressivas de tudo aquilo destoante da ‘’ordem’’ pré-estabelecida – branca, heteronormativa e machista. Tal análise de uma ordem científica legitimada, proposta também por Grada Kilomba em ‘’Memórias da Plantação’’, corrobora para a cruel realidade descrita por Silvio, na qual ‘’raça é um elemento essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico’’ (ALMEIDA, Silvio, 2019, p. 6) usado como fator excludente de um governo cuja autoridade é legitimada por princípios discriminatórios.

Em suma, reitera-se que o problema não se deve a análise weberiana de autoridade e legitimação, uma vez que Weber propõe estudos sociais compreensivos racionais, mas sim a sociedade preconceituosa que, em pleno século XXI, permanece a perpetuar valores desumanos e apáticos, os quais, por sua vez, elegem e alimentam autoridades institucionais segregadoras.

Isabella Peres Alves da Silva - 1º ano Direito Matutino 

Racismo e Dominação: um paralelo contemporâneo

O capítulo “Raça e Racismo”, do livro “Racismo Estrutural”, escrito por Silvio Almeida, apresenta o racismo como um fenômeno que transcende as ações individuais e que se faz presente no âmbito institucional da sociedade, consagrando-se como um sistema estruturante das relações sociais. O autor apresenta as três principais formas que o racismo tomou na contemporaneidade – individual, institucional e estrutural – e trabalha também sobre como a distinção de raças foi utilizada como instrumento para institucionalizar esse preconceito. De acordo com Almeida, o termo raça foi cunhado para estabelecer classificações, a qual, durante a modernidade, estendeu-se ao homem de maneira pejorativa e segregatória. Ao tomar como conceito universal o homem europeu durante o Iluminismo, houve a diferenciação entre os indivíduos selvagens e civilizados e, consequentemente, o estabelecimento de qual era “superior”. O ideal racista foi, por conseguinte, utilizado como mecanismo para produzir e reproduzir desigualdades sociais, efetivando-se como um processo que moldou – e molda cotidianamente – as relações e condutas entre os sujeitos. 

Essa análise do advogado e professor brasileiro dialoga diretamente com o conceito de dominação do sociólogo e jurista Max Weber. Para Weber, a dominação é um dos fenômenos sociais que moldam a realidade dos indivíduos, influenciando diretamente suas ações sociais através das conexões causais. Esse ato de dominar pode ser definido como a possibilidade de encontrar obediência dentro de relações sociais ao impor a própria vontade, mesmo contra a resistência dos subordinados, desde que haja legitimação nessa imposição. A predominância de uma vontade sobre outra caracteriza-se, segundo o sociólogo, como um fator coercitivo e com valores fundamentados na própria cultura. O racismo estrutural, apresentado por Almeida, ao fazer-se presente dentro das instituições nacionais mais importantes e se valer de práticas socialmente legitimadas, consagra-se como uma verdadeira dominação weberiana, uma vez que o grupo que o pratica – dominante – vale-se da naturalização das desigualdades sociais e da normalização do preconceito dentro das sociedades para manter sua hegemonia.

As práticas racistas, dessa forma, foram instituídas como forma de dominação ainda no século XIX com o espírito positivista da época, infiltrando-se na sociedade a partir de correntes científicas. Como uma forma de classificar e terminar de desumanizar os negros, o determinismo biológico e geográfico foram os ideais científicos "capazes" de explicar as diferenças morais e intelectuais entre as diferentes raças existentes no planeta. Ao ser instaurado na sociedade, esse tipo de pensamento tomou enormes proporções, obtendo grande prestígio, já que agora era racionalmente possível institucionalizar e legitimar a inferiorização e subalternização dos negros na sociedade e enterrar a ideia de igualdade. Contudo, a dominação consagra-se como uma possibilidade porque, ao considerá-la como uma certeza, movimentos de resistências e revoltas não seriam justificados. E foi justamente a Revolução Haitiana reivindicando a liberdade e igualdade conquistadas pelos franceses – os colonizadores – que resistiram à tentativa de imposição de uma ordem predeterminada. Ao desafiar a legitimidade – mecanismo fundamental para a efetivação da dominação – do sistema escravista e da autoridade francesa, deixaram explícito que, embora haja um preconceito institucionalizado, haverá sempre uma maneira de contestar a dominação exercida – demonstrando sua dependência, por parte do domínio, da legitimidade e do poder.

Portanto, o conceito de dominação de Weber se concretiza de maneira quase palpável no texto de Silvio Almeida ao passo que este último exemplifica a ação do processo de dominar e de desenvolver a legitimação sobre esse domínio que foi realizado ao longo da história para institucionalizar e racionalizar o racismo, causando uma imensa dificuldade para combatê-lo. Ao ampliar e concretizar a teoria weberiana, Almeida demonstra como houve a internalização do racismo dentro dos próprios indivíduos negros, possibilitando a legitimação desse preconceito ao naturalizar os atos discriminatórios e a falta de representatividade, apresentando-nos como a dominação é um processo multifacetado,  que molda profundamente as relações sociais.  

Geovana Martins de Mori - 1° ano - Direito Matutino

O poder e a estrutura

     A sociedade é como uma rede de relações e vínculos, às vezes horizontais, mas principalmente caracterizados como verticais. Assim, para a consolidação desses, é necessário um componente que garanta a autoridade de certas pessoas ou grupos. Por sua vez, a autoridade pode ser entendida no pensamento weberiano como uma forma de poder legitimada por aqueles subordinados à ela. Ao passo que é apresentada de três formas, como Carismática, Tradicional e Legal-Racional.

Assim, analisando mais a fundo a autoridade tradicional, pode-se observá-la como um fruto das relações de costumes e crenças de bases anteriores. Logo, repertórios sócio-culturais tornam-se legítimos pela ampla disseminação ao longo da história. Todavia, essa forma de vigência do ideias, pode perpetuar noções não só equivocadas, mas também danosas.Isso porque, perspectivas muito divulgadas sem embasamento, propiciam o surgimento de erros, e, por conseguinte, falas preconceituosas, pois aderiram a certo conceito por ser legitimado pelo povo e não por ter uma base fidedigna. 

Tal noção pode ser observada na obra “Raça e Racismo”, de Silvio Almeida,  que explica as diferenciações entre os tipos de racismo, como Estrutural e Institucional. Nessa via, o autor analisa esse comportamento como inerente à estrutura contemporânea, em detrimento da responsabilização individual. Todavia, essa perspectiva se analisada mais profundamente, traz à luz a maneira como tal comportamento, anteriormente legitimado pelo Governo, como com políticas escravatórias, passou a ser aderido pela sociedade transformando-se em uma autoridade tradicional, pois traduz-se como uma crença social. Dessa forma, ambos estudos são intrínsecos, uma vez que pode-se entender a tese de Silvio Almeida com os estudos de Weber. 

Em suma, as noções de poder sobre outrem são muito investigadas pela Sociologia e pela Filosofia. Nesse contexto, na contemporaneidade, o racismo presente na sociedade pode ser entendido como uma forma de reprodução dessa “autoridade” entre grupos, em que comportamentos são incorporados por serem legitimados por figuras de poder.