Na
primeira metade do século XIX, nasce a Ciência da Sociedade, ou Sociologia,
pelas mãos de Augusto Comte, porém, com uma face um pouco diferente da
forma como é vista hoje. O autor movido por ideais iluministas viu a
necessidade da criação de uma ciência social pautada pela filosofia
positivista, que pudesse lidar com o mundo real, observável, em contraposição à
filosofia convencional. Entretando, para além do mero estudo dos fenômenos
sociais, a finalidade essencial buscada era uma ciência que pudesse Atuar
ativamente no meio social, como ferramenta de intervenção, “organização” e
controle, em nome do “progresso”.
Dito
isso, faz-se necessário questionar: Controle de quem e progresso para quem?
Emergida em um contexto político-social de agitação e fervilhamento da classe
operária em contraste à ascensão da burguesia, a essa nova Ciência incumbia a
“obrigação, cada vez mais indispensável e aparentemente difícil, de resolver
afinal a assustadora constituição revolucionária das sociedades modernas”. Para
Comte as mobilizações da classe proletária eram movimentos de “desorganização”,
sendo necessário um esforço para “reorganizar” a sociedade, conservando toda a
estrutura para preservar marcha geral da civilização. O autor defendia o
“sistema social”, onde cada indivíduo deveria renunciar a si mesmo em nome do
coletivo, ocupando passivamente seu lugar pré-estabelecido e cumprindo com sua
função, como planetas que não saem de sua órbita no Sistema Solar. Contudo, tal
inércia era aplicável muito convenientemente somente aos operários. Ao passo
que não se via nenhum problema em os ricos ficarem mais ricos, era irrelevante
se os pobres se encontravam em condições insalubres e deploráveis de trabalho e
de vida, pois ocupavam a base da pirâmide social e, como tal, não deveriam
exigir direitos, pois estes eram reservados somente ao topo da estrutura.
Conclui-se,
portanto, em resposta ao questionamento supracitado, que o positivismo defendia
o controle das classes mais baixas para continuarem empregando suas forças de
trabalho pelo mínimo possível, viabilizando-se, assim, que a roda da exploração
e progresso das classes mais abastadas continuasse a girar, sem sair do lugar.
Nesses
termos, ainda que pareça incongruente com a lógica de igualdade, passados quase
2 séculos, essa corrente de pensamento ainda vive e com força. Resultados de
anos de lavagem cerebral e adestramento intelectual, impregnou-se nas entranhas
da sociedade contemporânea. Não é difícil encontrar exemplos no cotidiano. O
próprio filme “Que horas ela volta?” (2015) expõe uma realidade que não é
incomum, pelo contrário. Uma realidade onde é tido como absurdo um “pobre”
ocupar o mesmo espaço (seja físico, moral ou intelectual) que o “rico”, devendo
sempre ser lembrado de “seu lugar” e só fazer “seu trabalho” e nada mais, não
podendo pensar, questionar ou mesmo querer, somente cumprir e aceitar seu
destino de ser somente mais outro tijolo na parede. A verdadeira coisificação
do outro.
Nessa
toada, movimentos conservadores de linha positivista ganham cada vez mais
espaço, construídos sobre pilares de mentiras, hipocrisia e cegueira seletiva,
onde as classes dominantes letram o “senso crítico” popular ao seu bel prazer,
da forma mais propícia. Alegando-se cobertos pelo manto da razão, formulam
“ideias” que parecem óbvias e irrefutáveis, mas sempre superficiais e fáceis de
serem repetidas pelas bocas mais leigas, sem muito esforço intelectual, e, por
serem “vencedores da vida”, seus “saberes” não podem ser questionados, fazendo
com que parte dos oprimidos não enxerguem sua situação e posição e acabem por
defender interesses que não são verdadeiramente seus.
Um
exemplo mais recente desse cenário são as eleições de Portugal que foram
marcadas pela vitória da centro-direita, bem como ascensão da extrema direita,
movidas por discursos de ódio e xenofóbicos. Discurso ilógico, por sinal, se
considerarmos que o país construiu seu legado justamente a partir da
exploração desenfreada de outros territórios.
Diante
disso, sem mais delongas, percebe-se que a visão positivista contemporânea não
é essencialmente "positiva" para todos, mas hipócrita e falha em
diversos pontos, que vão desde um ideal cientificista recorrer a mentiras e
meias verdades para propagar-se, até a justificativa de um (pseudo) progresso,
restrito a uma única camada da sociedade e não voltada para esta como um todo,
o que por si só já é um retrocesso. É necessário reconhecer que o verdadeiro
bem-estar social é aquele voltado para todos. Portanto, para fazer frente a
essa corrente e reverter o preconceito e alienação disseminados historicamente,
devemos ter a Educação social e análise crítica como uma ferramenta essencial
para, assim, andarmos rumo ao progresso verdadeiro e democrático.
RUTH F. O. SILVA
1º Ano de Direito - Noturno