Faz-se observável a influência europeia mundialmente, seja na disseminação dos seus ideais liberais de economia e política, seja nas suas determinações de padrões científicos, verdadeiras epistemologias tidas como universalmente aceitáveis e indubitáveis, independentemente das culturas e dos valores dos demais povos.
Tal influência, no entanto, se deve a anos e anos de colonização e poder exercidos por estas nações em diversos locais do mundo. Vários dos países que hoje compõem a América Latina, a África e a Ásia estiveram, ao menos em algum determinado período de suas vastas histórias, sob controle colonial dos países europeus, os quais imprimiram nos povos dessas regiões a sua visão de mundo. Deve-se pontuar, porém, que a cultura europeia incutida nas colônias veio acompanhada da própria destruição das culturas locais delas, uma vez que as crenças e os valores dos dominados eram silenciados e invalidados pelos colonizadores.
Essa realidade, visível mesmo atualmente, é muito bem evidenciada pela autora Sara Araújo, cuja obra conceitua essa hegemonia europeia, e posteriormente estadunidense, no ideal de Norte e Sul, o primeiro polo representando essa ideologia dominante em todo o mundo, e que deslegitima o modo de vida das nações dominadas, estas, por sua vez, representadas pelo polo Sul.
No entender da jurista, o domínio cultural europeu sobre o resto do mundo vai muito além de apenas valores liberais e capitalistas, notadamente políticos e econômicos, mas também interfere na produção jurídica dos povos do Sul, pois seus modelos de direito, mesmo que práticos, visto que utilizados por tais comunidades por séculos a fio, foram expressamente alterados pelos concernentes às nações dominantes. Isso se deu, pois, a partir do momento que o ideal europeu tornou-se dominante, tudo aquilo externo ao seu entendimento de funcional passa a se configurar como improdutivo e ineficaz. Portanto, modelos de economia, de política e de direito que não atendessem ao princípios neoliberais e capitalistas caíam no rótulo de inoperantes socialmente. Nesse sentido, Sara Araújo afirma, sob uma perspectiva mais ampla, que as epistemologias do Norte, ou seja, os conhecimentos produzidos e aplicados pelas nações europeias, passaram a reprimir e obscurecer as epistemologias do Sul, conhecimentos criados pelos povos locais, os quais fugiam dos ideais globais de eficiência.
Tal domínio fez-se muito presente aqui no Brasil, terra que, colonizada pelos portugueses, teve seus povos nativos quase que inteiramente exterminados, juntamente de suas culturas e crenças. Evidencia-se a influência europeia em nossa realidade hodierna, uma vez que o modelo econômico aqui vigente é o neoliberal, nascido sob o contexto norte-americano, assim como o ordenamento jurídico aqui posto, desde seu surgimento no Império, é estritamente baseado em preceitos liberais europeus.
O caso de Pinheirinho é fruto dessa realidade, visto que a ocupação de suas terras por parte de 6 mil famílias desabrigadas e desempregadas foi tida como ilegal. A consequente desocupação do bairro deveu-se a uma ação de reintegração de posse pedida pelo suposto dono do terreno, o empresário Naji Nahas, aceita pela juíza Márcia Loureiro. Fato é que essa ação contrastava em diversos aspectos com a lei, já que o princípio constitucional da função social da terra não estava sendo atendido, pois o terreno encontrava-se vazio e sem produtividade alguma, além de haver uma possível fraude por parte da empresa de Nahas quanto a escritura do terreno, não sendo, portanto, uma terra de posse dela.
A operação de desocupação das terras do bairro Pinheirinho demonstra perfeitamente o tanto que a visão no Brasil adotada assemelha-se ao das potências hegemônicas capitalistas, sempre atuando em prol do mercado e da manutenção do empresariado, e nunca voltado às questões sociais e humanas. Por conseguinte, mesmo que havendo todos os preceitos legais a favor da permanência das famílias no bairro, um membro do corpo jurídico brasileiro teimou em decidir em prol do empresário “dono” do local. De fato, não é o primeiro caso em que se toma tal injusta decisão, porquanto grande parte dos homens da lei no Brasil ainda se vendam frente a realidade que os circunda, por exemplo a grande desigualdade na distribuição de terras agricultáveis, aplicando a lei ainda sujeitados aos ideais “nortistas” vigentes e dominantes.
Portanto, pode-se notar que o caso do Pinheirinho elucida muito bem o conceito Norte-Sul, visto que seus resultados apontam notoriamente para a desagregação do corpo jurídico brasileiro com a realidade nacional, que tem por modus operandi aquilo determinado pelos ideais universais. Percebe-se, por conseguinte, um corpo judiciário em prol de tomadas de decisão muito mais voltadas à ideologia dominante, ao invés de se atentar às particularidades do Brasil, e atuar de acordo com as mesmas.
Vê-se, perfeitamente nesse caso, a influência do Norte no modo de funcionamento do Sul, uma vez que o próprio trabalho dos magistrados no Brasil visam uma manutenção da ordem hegemônica, e não uma emancipação do controle colonial, a fim de atender ao povo de acordo com a realidade brasileira e com as especificidades locais.
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