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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Espaço dos Possíveis



    Em 2012, o STF julgou procedente a ADPF 54, que declarava a inconstitucionalidade da interpretação de que a interrupção da gravidez anencefálica fosse tipificada como ilegal, nos termos dos arts.  124, 126, 128, incisos I e II, do CP.
     A justificativa se baseava no fato de que o feto sem cérebro, mesmo que biologicamente vivo, é juridicamente morto(leia-se inexistente), isto é, ele não tem personalidade jurídica. Apresentando, pois, insuficiência potencial de desenvolvimento. A questão do Direito à Vida só poderia ser reclamada se houvesse proteção jurídica, fato não concernente a realidade.   Por isso que o Ministro Marco Aurélio, diz: "Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica".
     O presente caso apresenta dois fatos que julgo merecerem nossa atenção:  o primeiro, é perceber aquilo que considero um progresso no campo jurídico, em relação à liberdade individual.   A possibilidade de escolha da mulher, de decidir se quer ou não dar prosseguimento com a gravidez do natimorto. E tal modificação está em consonância com a ideia do espaço dos possíveis do Bourdieu, uma vez que este ressalta  que a mudança só acontece quando a própria sociedade não apresenta resistência para tal, por isso a mudança  acontece de forma gradual.
     Por fim, o presente caso também ressalta a interdisciplinaridade do Direito, como apresentado também por Bourdieu, refutando a ideia do Direito se formar em si mesmo da Teoria Pura do Kelsen, e demonstrando a ligação do mesmo com as vontades sociais , sobretudo das classes dominantes.


Lucas Valeriano dos Res - Noturno

A arte de fazer Ciência Jurídica


Diferente do que pensavam os marxistas estruturalistas, hoje, ao se falar de direito e poder, pode-se atestar a existência de uma estrutura dos sistemas simbólicos. Percebe-se que as decisões no campo jurídico são alinhadas a uma ética especifica dele, de forma que as decisões deste tendem a moldar sua forma. Portanto, não se trata de uma relação simples de atos de poder. Em 2012, os ministros do STF decidiram (8 a 2) pela possibilidade de interromper a gravidez de feto anencéfalo. Neste caso, se o Direito fosse um forma presa em si mesma, prevaleceria a primeira interpretação do conjunto normativo penal, apontada pelo autor da ADPF e por alguns ministros, de que a antecipação terapêutica do feto anencéfalo é crime. Contudo, se fosse feito o Direito apenas por pressão de movimentos sociais, já deveria ser liberado, diante do movimento feminista, o aborto como um todo.

A isso Bordieu dá o nome de “espaço dos possíveis”, o qual funciona segundo uma lógica interna que pode determinar um universo de soluções jurídicas, mas deve se basear, como constantemente fazem os ministros, na literatura jurídica (veja-se o ministro Britto ao argumentar que “o desfazimento da gravidez anencéfala só é aborto em linguagem simplesmente coloquial, assim usada como representação de um fato situado no mundo do ser – kelsenianamente falando”). É nítida a existência do espaço dos possíveis na fala do Ministro Britto, quando diz “Decisões judiciais são oferecidas exatamente segundo o objeto apresentado para a decisão. Portanto, não estamos falando de introduzir no Brasil a possibilidade de aborto, menos ainda de aborto em virtude de qualquer deformação, mas a questão da anencefalia que diz com a possibilidade ou não, potencialidade ou não de vida”. Por isso, não basta que, utilizando das palavras do Ministro, se constate que o aborto “é uma realidade do mundo do ser”, mas também que seja “objeto transplantado para o mundo do dever-ser jurídico enquanto conteúdo específico no bloco normativo penal que estou a comentar”. Ou seja, mesmo que um ministro como Cármen Lúcia traga uma ideologia feminista (habitus, fruto da formação), ela deverá adaptá-la à forma do direito, como a mesma afirma a fazer – “ Dundamentei o meu voto, tal como fez o Relator, Ministro Marco Aurélio, exatamente no princípio constitucional da dignidade da vida e também no direito à saúde, mas principalmente no direito à dignidade da vida” – para que tenha legitimidade dentro campo (capital simbólico). Percebe-se, assim, que afrontar diretamente a moral no campo jurídico é algo muito difícil.

Portanto, as decisões sempre objetivam expressar neutralização e racionalização para obter legitimidade, ainda que saibamos que nada é neutro ou universal, e é por isto que argumentos contrários podem ser ambos legitimados pelo discurso jurídico, pois ambos podem fazer ciência jurídica através da mobilização da natureza do direito (bruto) por hermenêuticas diversas (mundo). Daí a importância da invenção por parte dos magistrados em favor da expansão dos horizontes jurídicos, ao construir juridicamente mudanças e inovações para a sobrevivência do sistema. E, também, a importância da autolimitação do sistema, fruto da concorrência entre os diferentes intérpretes do  Direito, a qual, ao proporcionar uma interpretação regulada, pode garantir, por exemplo, uma certa segurança do Direito frente as, frequentemente alternantes, ondas ideológicas.  

Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito Noturno.

Via de mão dupla

 Como exposto por Bordieu, o fato de sobretudo a classe dominante ter formações familiares e escolares semelhantes possibilita uma aproximação dos interesses e uma maior vantagem dessa classe em relação as lutas da sociedade. Todavia, isso não reduz o fato do direito gozar de uma relativa autonomia e de ter o poder também, de atender as demandas das demais camadas da sociedade, assim, a questão da descriminalização do aborto de anencéfalos se encaixa em uma das vezes em que o direito consegue usufruir desse poder.
 A aparência de neutralidade e universalidade do direito, faz com que, muitas vezes, normas que não não são neutras e muito menos universais sejam assim consideradas e, a questão do aborto, devido a delicadeza e as divergências no campo da própria ciência é, de fato, uma das mais afetadas por isto. Tem-se como um caso exemplificador disso o fato da PEC 181, ter sido aprovada, no entanto, o que se esquece muitas vezes é que, sendo uma questão tão complexa e ligadas a fatores emocionais e principalmente sociais, deveria então ser decidida levando-se em conta quem são as pessoas mais afetadas, ou seja, mulheres e em sua maioria, negras, diferentemente do que aconteceu, tendo em vista que a decisão foi tomada por homens e da classe dominante. Analisando por este ponto, é ainda mais notório o avanço social que foi a questão da descriminalização do aborto de anencéfalos, pois, em uma sociedade marcada pelo forte machismo e conservadorismo, como a brasileira, uma decisão feita respeitando critérios medicinais, ou seja, respeitando que o desenvolvimento de um feto anencéfalo só traria sofrimentos e, respeitando a decisão da mulher, é uma grande vitória e um veredicto, definido como "um produto da luta simbólica no campo jurídico, entre profissionais  dotados de competências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos disponíveis, pela exploração das regras possíveis".
  Portanto, nessa decisão de descriminalizar um aborto de anencéfalos, tem-se um veredicto à medida que diz respeito muito mais as atitudes éticas dos agentes do que das normas puras do direito, além de ser uma decisão envolvendo lutas históricas específicas e o uso da relativa autonomia do direito, mostrando que, apesar de ser mais facilmente controlado pelas classes dominantes, o direito é sim uma via de mão dupla, servindo também a população não dominante.


Izabelle de Freitas Custodio- Direito Noturno

A violência do Estado e o cerceamento à autodeterminação da figura feminina

Diante todo o processo de judicialização da saúde que o Brasil tem apresentador hodiernamente, o tema da interrupção terapêutica da gravidez em caso e anencefalia do feto chegou à Suprema Corte em 2012. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF versa sobre a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal de que essa interrupção seria tipificada como um crime. Essa arguição, que tem como requerente a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, busca colocar em jogo não somente a criminalização dos profissionais que realizarem o procedimento médico, mas também da mãe que passou pelo mesmo.
            Como um dos pontos de argumentação do requerente, algo também expresso no voto do Ministro Marco Aurélio, está a saúde da gestante. Deve-se ressaltar, como estipulado pela Organização Mundial de Saúde no preâmbulo de seu ato fundador de 1946, que a saúde não está relacionada apenas à ausência de enfermidade, mas sim ao bem estar físico, mental e social da pessoa. Obrigar uma mulher a prosseguir a gravidez comprovadamente anencefálica é submeter, não somente a ela, mas também a sua família, a uma crueldade e usurpação de sua plenitude psíquica, além de por em risco a vida da mulher.
            Essa violência imposta pelo Estado através de ordem jurídica foi tratada por Pierre Bordieu no livro “O poder simbólico” ao abordar a questão dos vereditos. Segundo o autor, esses enunciados proclamados por uma autoridade socialmente reconhecida que resolve um conflito baseado em diferentes pontos de vista singulares impõem uma sanção que pode ser vista como um ato de coerção física que se manifesta de acordo com a visão soberana do Estado – detentor do monopólio da violência simbólica legítima. Ou seja, no caso discutido pela ADPF 54, além de impor dor, angústia e frustração que vão contra o princípio da dignidade da pessoa humana, o Estado institui sobre a vida dessa mulher uma decisão que foi construída com base em uma legislação criada, ao longo de toda tradição jurídica brasileira, por homens que não conseguem sequer imaginar a dimensão do sofrimento causado. O poder de escolha e de decisão da figura feminina é cerceado mais uma vez.
            Hoje a luta feminina está voltada para o seu livre poder de agir, sem que a mulher seja delimitada por concepções jurídicas, morais e sociais que, ainda hoje, são de base patriarcal. A declaração de inconstitucionalidade pelo acórdão mencionado das interpretações retiradas dos ditos dispositivos do Código Penal é um avanço, uma vez retirou a barreira à livre decisão e ao livre agir da mulher ao retirar a necessidade de apresentação de autorização judicial ou qualquer outra forma permissiva do Estado para a realização do procedimento de antecipação terapêutica do parto – como era feito anteriormente – necessitando apenas o seu consentimento. A sociedade fundamentada no machismo torna essa batalha difícil e árdua e o patriarcado usa todos os instrumentos necessários para manter-se dominante; exemplo disso é a Proposta de Ementa à Constituição 181, criada por um grupo de 18 homens brancos que visa proibir a realização de qualquer tipo de aborto. A luta pelos direitos das mulheres e pelo reconhecimento de sua autodeterminação é diária e deve ser feita incessantemente para que, ao final, as elas triunfem. 

Yasmin Fernandes Soares da Silva - 1º ano direito [matutino]
O julgado referente ao aborto de anencefálicos abrange uma discussão de direitos como os direitos do nascituro e a dignidade da pessoa humana. Tema de difícil debate, devido às dificuldades da sociedade em desconsiderar argumentos religiosos enraizados em sua essência, além da questão moral que o envolve. Apesar disso, optou-se por permitir o aborto de fetos anencefálicos, devido à probabilidade de este não sobreviver e, caso sobreviva, de ter sequelas graves, passando a apenas existir, e não viver de fato. Ademais, considerou-se tudo o que a mãe teria que passar durante a gravidez para, após esta, ver seu filho morto de qualquer forma. 
O papel do Direito, no julgado em questão, relaciona-se com a função creditada a ele por Bourdieu. Ele defende que a ciência jurídica é autônoma relativamente, uma vez que não se desvencilha dela as demais ciências, devem ser consideradas como um conjunto, sistematicamente no momento da aplicação da norma. Além disso, o Direito se amolda a evolução e ao desenvolvimento da sociedade, não sendo estático, mas sim dinâmico; deve, portanto, ser condizente historicamente com as necessidades dessa sociedade, dentro do espaço dos possíveis, racionalmente e moralmente. 
Observa-se, na decisão, o uso da lógica normativa da moral, pois analisa-se essa moral no momento e de acordo com as necessidades em questão. A ADPF 54/DF é um exemplo do esforço e do papel do Direito em renovar suas instituições para amparar o meio em que está inserido. O instrumento utilizado para isso é a hermenêutica jurídica e o enquadramento da norma à realidade histórica, exercício prático essencial do Direito, que não deve se manter apenas enquanto construção teórica, para Bourdieu.  
     Conclui-se que, para que o Direito possa desempenhar sua função elencada por Bourdieu, se faz necessária a atuação do magistrado. É a participação do Poder Judiciário que impulsiona a renovação jurídica de forma mais célere, mudanças essas imprescindíveis à sobrevivência do Direito efetivo, legítimo e aplicável. A partir desse sistema é que se deve haver a integração teórica, e não o contrário, segundo Bourdieu. A atuação do judiciário foi indispensável na questão da interrupção da gravidez de feto anencefálico, pois considerando-se o atual legislativo, impregnando de influências religiosas os seus atos, essa inovação jamais seria possível. Ainda há muito o que fazer e o judiciário nem sempre colabora para um avanço; existem retrocessos. Mas a jurisprudência continua sendo o meio mais célere e contemplativo das mudanças sociais, influenciando-as 

Joao Pedro Carvalho Furlan

A ADPF 54, que diz respeito à interrupção de gravidez, é um marco jurídico paradigmático no Ordenamento Brasileiro. À época os ministros do Supremo Tribunal Federal acordaram procedente a declaração de inconstitucionalidade da interpretação da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos como tipificadas crimes em alguns artigos do Código Penal. Toma-se tal como paradigmático porque se mostra criação de instituição da interrupção da gravidez juridicamente reconhecida, mesmo que especificada para casos pontuais, que no Ordenamento Brasileiro se fazem, por hora, no caso de fetos anencéfalos, gravidez que traz risco de morte à mãe e fetos concebidos através de estupro.

O que se levou à acórdão do acórdão como procedente foi o sopesamento de Direitos fundamentais. A direito potencial, ou de fato, de vida ao feto se faz muito abstrato e vai além da compreensão do homem do que seria vida, de quando essa se inicia, assim, fica de mesma forma abstrata a tutela de um direito que não se sabe quando se incorpora à pessoa do feto. Contrariamente, os direitos da mãe são de concreta existência, tanto o direito à vida, no caso de interrupção por a gestação colocar em risco a vida da mãe, como, e principalmente, o Direito à Dignidade da pessoa humana.

O direito da Dignidade da pessoa humana é o princípio fundamental tido como principal num Estado Democrático de Direito, tendo que toda política ser conforme ele, e nulo todo fato concorrente ao mesmo. Com a decisão do STF, ainda, fica-se compreendido juridicamente que é vivo o ser que tem seu Sistema Neurológico desenvolvido, em contraposição, fetos anencéfalos, sem o seu céfalo desenvolvido não podem ser considerados vivos. Com essas duas afirmações nota-se que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos não infringe direito algum do feto, nem da vida, que não o tem, nem de dignidade da pessoa humana, por esse não se fazer completo humano.

Por outro lado, diversos direitos da mãe, como mulher, são infringidos, sem se prolongar nos dois diversos casos em que a interrupção é garantida, gestar um feto anencéfalo é condenar a mãe a passar pelo ônus da gravidez sem o bônus do herdeiro, sujeita-se a mulher a meses de câmbios hormonais, de mudanças no corpo para ao fim da gestação não obter seu filho, ao contrário, somente se traumatizará com esperanças incabidas. São, então, infringidas os direitos de personalidade, sujeitando a mulher a um trauma que poderia ser amenizado, da liberdade, sobre o próprio corpo, e por fim da dignidade, de se fazer mulher digna de escolher. Por fim, afirma-se que tal paradigma deve ser usado com cautela mas que trará benefícios para a mulher, como cidadã.




O Direito e os interesses sociais

No que tange o Direito, é possível aplicar o pensamento de Bordieu no sentido da busca pelo equilíbrio entre formalismo e instrumentalismo. Em um aspecto global, houve uma crescente instrumentalização do Direito no sentido de atendimento a demandas populares, como legalização do casamento homoafetivo, do aborto, do uso da maconha, entre outros.
Mesmo  o instrumentalismo sendo, em seu sentido original, uma ferramenta de manutenção dos interesses da classe dominante, nota-se uma participação das camadas populares, mesmo que não integral, no sentido de auxílios e melhoras na qualidade de vida.
Na questão do Direito Brasileiro, um fato importante foi a legalização do aborto de anencéfalos, o que demonstra tal instrumentalização, com o Direito a favor das demandas sociais.
A respeito disso, a questão do aborto de anencéfalos vai muito além da questão do aborto normal, a respeito dos direitos da mulher. É um grande trauma cuidar de uma criança que não possui chance alguma de sobrevivência. É necessário dar a opção às mulheres que preferem passar pelo processo antes de dar à luz do que sofrer com a perda de um filho, sem poder fazer nada, caso esse seja o desejo dela. Ainda possui implicações morais ainda conflitantes nos diversos setores da sociedade, mas creio que, se comparado ao aborto "normal", a legalização do aborto de anencéfalos seja algo muito menos conflitante e, talvez, até mais solidário para com a mãe e com os familiares.
Assim, vê-se que o Direito, no que tange às "interferências" e influências que sofre com a "evolução" do pensamento ético, moral e libertário do mundo, o acompanha a passos muito mais largos do que se esperaria caso, por exemplo, se pensasse em fatos como esses há cem anos. 

Tiago Nery Constantino - 1º ano Direito Matutino

Até quando?

Felizmente ou infelizmente o tema sobre do aborto está de volta, principalmente por causa da votação da PEC 181. Incrivelmente, há quem a defenda. Sim, acredite! Principalmente a bancada evangélica, por se tratar de "uma vida". E tem, também, pessoas, lúcidas, que repudiam essa ideia.
Segundo Bourdieu, o direito viria para inibir, teoricamente, grandes conflitos: “interpretação regulada de textos unanimemente reconhecidos”. Essa é a questão, não é unanimemente reconhecido. Além disso, não está acontecendo, no Brasil, a universalização proposta pelo autor, até porque há uma disparidade ideológica entre ou doutrinadores entre si, e até mesmo entre os operadores.
Olhando pela ótica reacionária, geralmente, as pessoas que rechaçam a ideia do aborto citam o artigo 4.1 do pacto de San Jose da Costa Rica, que diz: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.  Esse direito deve ser protegido pela lei [...]”. Agora uma mulher gerar um filho de um estuprador não é desrespeito a vida dela? E mesmo correndo risco de vida, a mulher tem que continuar a gravidez, segundo a PEC 181 que prevê o não aborto irrestrito.
A bancada evangélica compartilha da mesma opinião, porém, esquecer de ler a própria bíblia que em 1Coríntios 6:12 diz: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm.”; ou seja, dá o livre-arbítrio. Mas, não são todos os cristãos que compartilham de tal opinião, mulheres católicas foram a manifestação, na cidade de São Paulo, protestar contra a PEC181 no dia 13/11/2017, como fica evidente na imagem acima.

Em suma, há uma nuvem de retrocesso no ar e cadê os doutrinadores para acabar com tal ato? Cadê a leitura correta do Pacto de San Jose? Cadê a leitura correta da Bíblia? Cadê a liberdade? É incrível como não há liberdade, não há escolha! Livre-arbítrio no próprio corpo é um sonho. Até quando essa opressão vai durar? Mil anos? Um dia? 

Gustavo Maciel Gomes - 1 ano - Noturno
Há muito do que se pode refletir e observar na estrutura jurídica brasileira sob as perspectivas de Bourdieu. Atentando-se primeiramente a um sintético apanhado teórico, podemos observar neste pensador um distanciamento e crítica ao extremo instrumentalismo marxista e ao formalismo acentuado que se evidencia na Teoria Pura do Direito de Kelsen, de forma que o campo jurídico considere ambos estes aspectos, constatando que apesar de certo distanciamento entre direito e sociedade em decorrência de seu formalismo, há também certa aproximação e influência do meio social ao direito, não apenas considerando a realidade material mas o poder de influência do capital simbólico. Desta forma constitui-se um campo que munido de certa estruturação que o legitima atrelado a uma constatação interna do pode ou não ser objeto de discussão e julgamento dentro do direito, o espaço dos possíveis.
Dentro desta lógica encontra-se boa parte das ações do STF ao longo da última década, entre elas está o entendimento de que não há crime na prática do aborto nos casos em que há anencefalia do feto, uma vez que este não teria possibilidade de vida após o nascimento. Esta decisão foi extremamente polêmica, tendo em vista a clivagem social originada por esta decisão que ascendeu o embate entre as pautas da luta feminista em busca da conquista direitos historicamente negados à mulher e os movimentos anti-aborto pautados majoritariamente em uma moral religiosa cristã (e gerido por lideranças religiosas e seus fiéis). É nesse momento interessante observar o como pôde o direito aproximar-se de certas reivindicações de um grupo oprimido, e dentro do que havia de possibilidade em seu campo, decidir de forma a ampliar os direitos deste.
Vivemos hoje, uma ascensão de pautas conservadoras e reacionárias, dos mesmos grupos citados anteriormente no texto, que objetivam claramente a retirada de direitos da mulher e de sua autonomia em relação ao seu próprio corpo, um exemplo claro disso encontra-se em parte da pec 181 que se aprovada criminaliza o aborto até mesmo em casos nos quais a mulher tenha sido vítima de estupro. Não creio que há prudência em exercer previsões acerca dos rumos a seguir futuramente pelo direito, porém constato que a observação da teoria de Bourdieu se faz um bom caminho a ser tomado na travessia de tempos nebulosos como este.

Leonardo Grigoleto Rosa - Noturno

A Vida em Direito

               Em 1989, Pierre Bourdieu publica sua teoria jurídica que rompe os paradigmas estabelecidos até então ao definir o ordenamento jurídico como local, formalmente distante da sociedade, porém funcionalmente universal, no qual há a manifestação do seu poder simbólico para a concretização de mudanças no plano real o que, por consequência, admite certa autonomia da entidade do direito. Estruturando-se , desse modo, a base teórica essencial para sua obra “O Poder Simbólico”.
       Ainda na obra de 89, o sociólogo disserta sobre a hierarquia sistemática dos profissionais jurídicos, afirmando que tal estrutura piramidal visa prioritariamente a produção teórica e formal do ordenamento positivado e sua adaptação par aa concretização prática das mudanças sociais.
Partindo desses pilares essenciais do “Poder Simbólico”, cabe aqui trazer a tona o debate realizado no Supremo Tribunal Federal referente ao descumprimento fundamental nº 54, este, por sua vez, aborda a possível realização de abortos de fetos considerados anencéfalos através de ferramentas legais alegando uma diferenciação do desenvolvimento pós-natal àqueles outros de formação craniana e encefálica completa. Tal argumentação tem por base na jurisprudência o habeas corpus nº 82025-6, no qual houve o fim da sentença de prisão a médicos realizadores de um aborto perante feto anencéfalo, o que, para múltiplos juristas feria cláusulas pétreas constitucionais que protegiam a vida e a autonomia de escolha do indivíduo. Estabelecendo-se, assim, uma ADPF e o conseguinte debate do STF.
Por fim, o STF acaba por compreender como lícito, por meio de 8 votos favoráveis, o aborto de fetos anencéfalos em território nacional o que invariavelmente causou grande divergência perante a  opinião pública que alega incoerência mediante os princípios defendidos pela decisão, e pelos 8 ministros favoráveis, e a real positivação jurídica vigente, considerando a definição como arbitrária quando comparada com a clareza formal da lei. Provavelmente, grande parte este repúdio civil provêm de uma construção, que data desde o período colonial, da estruturação estatal e religiosa em consonância cuja força permanece claramente até hoje no poder popular, como muito bem aborda o Ministro relator Marco Aurélio Mello.
Ainda sobre o voto do relator, vale ressaltar um ponto que em muito se contrapõem à doutrina de Bourdieu ao salientar o direito como agente que se molda as demandas sociais, guiando a Constituição a uma cautelosa mudança de paradigmas.
Por fim, é possível afirmar que uma influência em sentido único, seja do âmbito social para o jurídico ou vice-versa, seria extremamente simplista perante a complexidade das instituições aqui tratadas. Em verdade, os fatos sociais e as leis positivadas acabam por influenciar-se de maneira mútua, sempre protegidos por instrumentos legais que evitam, geralmente de modo eficaz, a arbitrariedade, como antes foi alegada neste texto, como exemplo desses instrumentos pode-se citar a hierarquia trabalhada por Bordieu, na qual a especificação de funções delegadas a cada estamento jurídico limita a tomada de decisões pautadas somente por princípios pessoais. Logo, o poder simbólico da decisão do STF abre precedente para mudanças concretas e palpáveis, almejando influências sociais realmente inovadoras e condizentes com a realidade democrática que se espera do Estado de Direito Brasileiro, distante dos dogmas de estigma colonial a que ele foi moldado.

Lucas Correa Faim - Noturno

As dicotomias do Direito

Bourdieu, em sua análise a cerca do Direito, configura seu campo de possibilidades numa balança entre o formalismo e o instrumentalismo. Assim, o instrumentalismo seria o Direito construído mediante às demandas sociais, e o formalismo seria a autonomia relativa do Direito.

Com relação ao julgado de aborto de anencéfalos  relatado por Marco Aurélio, vemos que configura, essencialmente, um exemplo da realidade que Bourdieu tentou atribuir ao Direito, à medida que nesse julgado é considerada procedente a inconstitucionalidade da interpretação de que o aborto de anencéfalos é uma conduta típica, mas ao mesmo tempo não retirou a tipicidade da conduta do aborto. 

Há, portanto, uma confluência da demanda social por direitos da mulher no que tange o direito à saúde, à dignidade, à liberdade e à privacidade, à liberdade no campo sexual, à autonomia, e o formalismo jurídico do Código Penal. 

A questão se extende, ainda, de maneira inversa, a partir do formalismo atuando como preservador dos princípios constitucionais do direito à saúde, à dignidade, à liberdade e à privacidade, à liberdade no campo sexual e à autonomia, que se contrapõe a um julgamento moral e religioso da conduta da mulher. 

Nesse sentido, quando Marco Aurélio faz uma retrospectiva do Constitucionalismo brasileiro, percebemos claramente o conflito entre formalismo e instrumentalismo, configurando uma autonomia relativa do direito (inclusive, na Constituição de 1988, apesar do Estado laico, esta menciona a proteção de Deus, mesmo que sem relação com o âmbito jurídico). 

Outra questão que Bourdieu atribui ao Direito é a utilização de seu campo como elemento da neutralidade. Com efeito, vemos que o julgado argumenta a partir de princípios jurídicos quando diz que não pode ser evocada a saúde da criança e do adolescente nem a dignidade do princípio da dignidade humana para proteger o feto anencéfalo, pois este carece de potencialidade de vida.  Como também a explicação do caráter não absoluto do direito a vida, e a necessidade de proteção do direito à saúde, à dignidade, à liberdade e à privacidade, à liberdade no campo sexual, à autonomia e à proporcionalidade. Esses princípios são interpretados por Marco Aurélio com fundamentação cientifica e filosófica (menção de dados científicos a cerca da condição de anencéfalo e da condição humana de fim em si mesmo de Kant), estimulando a neutralidade do ordenamento jurídico.

A neutralidade também entra em outro aspecto do julgado, quando Marco Aurélio menciona que legislador do código de 1940 não  poderia tratar sobre o aborto de anencéfalos, porque não havia tecnologia para tal. Mas esse legislador procurou garantir a proteção da saúde e a dignidade da mulher com relação ao aborto do caso de estupro (neutralidade do ordenamento à medida que assegura os mesmos princípios). Assim, por não haver como a mulher descobrir a condição do feto, essa situação não foi regularizada. Quando a ciência avança nesse sentido, é necessário que o direito aja de maneira neutra e proporcione uma alternativa à antecipação do sofrimento da mulher. 

Sem embargo, a questão da menção do legislador, por Marco Aurélio, representa outra questão que vai ao encontro da perspectiva de Bourdieu, que é a interdependência do doutrinador e do operador do Direito, na luta simbólica para a determinação de quem dita o Direito. 

No caso do julgado, o operador pode ter agido de maneira instrumentalista, por ter protegido a mulher em detrimento do Código Penal, como também formalista por ter agido conforme os ditames da Constituição em favor de uma pressão da moral e da religião. De qualquer forma, adotou uma postura de delimitar a vontade da lei do Código Penal e dos princípios constitucionais, o que pode ou não coincidir com  a vontade do doutrinador.

Em suma, podemos perceber a veracidade da análise de Bourdieu a cerca do Direito, no que tange as suas dicotomias, a luta significativa por recursos no campo jurídico, os limites da possibilidade de atuação de seu campo, mediante o instrumentalismo e o formalismo, e a neutralidade que propulsionada seus argumentos e formulação do campo. 


A terceira via do Direito e o princípio de transformação

O reconhecimento do aborto do feto anencéfalo – ou a interrupção prematura da gravidez, a depender da consideração – apresenta suas origens no ano de 2004, quando a Confederação Nacional dos Trabalhadores da área da saúde – na condição de entidade de classe, portanto, legítima ativa para tal – concebeu a proposição da ADPF 54. Com amparo jurídico do então advogado Luís Roberto Barroso, propusera-se o pedido de interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal Brasileiro, ou seja, requeria-se não enquadrar a interrupção prematura de gravidez do feto com anencefalia no tipo penal de aborto, tendo em vista sua inviabilidade e os múltiplos transtornos das gestantes nestes episódios.
Uma questão controvertida como tal – como se vê na própria divergência entre os segmentos religiosos, enquanto amicus curiae, na intervenção – semelha ser, na prática, um tanto menos abstrusa, se analisada a contraposição que a sustenta: de um lado, tem-se a defesa da não violação da autonomia da gestante sobre o próprio corpo, diante de um feto que não terá como viver e que, em caso de não interrupção da gravidez, traria a mulher grandes probabilidades de doenças como hipertensão e depressão; já pelo outro polo, tem-se a advocacia de que o feto tem os entes abstratos da “humanidade” e do “valor intrínseco”. Ressalvando-se a total e saudável legitimidade do segundo grupo em defender suas crenças e sustentar convicções, distante de quaisquer fascismos da opinião alheia ou dos “justiceiros sociais”, faz-se imprescindível sopesar as questões, principalmente, em se tratando de debate de políticas públicas (de saúde, diga-se).
A esclarecer, portanto, tem-se na conjuntura evidenciada o ponto-chave do conhecimento já incontrovertido da fatalidade da patologia, que invariavelmente resultará em uma morte, no mais tardar, em curto prazo − há que se acrescentar, sobretudo, o fato da doença poder ser detectada ainda no ventre materno. Assim, partindo-se destas premissas − muitas vezes deixadas em segundo plano −, mesmo que houvesse vida (afinal, um conceito de dilatadas definições), essa, “em razão de sua existência diminutiva e precária, deveria ceder frente aos direitos maternos violados”, uma vez analisadas as referidas fatalidades da doença e sua possibilidade de previsão, como se assiste no voto do ministro relator Marco Aurélio. Nesse sentido de avaliação também argumenta Gilmar Mendes: apesar de o jurista divergir e considerar, sim, a interrupção de fetos anencéfalos um aborto, defende uma interpretação ampliada do Art. 128, I, CP, propondo, dessa forma, incluir nos excludentes de ilicitude do aborto o caso de anencefalia – tendo em vista a impossibilidade de o legislador antever a problemática a sua época.
Faz-se interessante salientar que o julgado em si contou com a particularidade de que tanto os votos do Advogado geral da União quanto da Procuradora geral da República terem decidido pela procedência da ADPF − consenso que raramente ocorre. Fato esse que, somado a ampla vantagem da votação, oito votos a dois, revela uma espécie de fuga da “rigidez de um rigorismo racional” do STF e leva-nos a um produtivo diálogo com Bourdieu, em seu texto “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. Ao longo da obra, o autor tece a problemática tanto de uma perspectiva totalmente instrumentalista, quanto à de uma extremamente formalista do Direito, criticando de kelseneanos a marxistas, e evidenciando, por outro lado, a estima de se ter uma orientação mais atenta “às aplicações que dele (do direito) podem ser feitas em situações concretas” – estas estariam mais nas competências dos juízes ordinários e outros práticos, mais próximos das demandas sociais; em contraponto àqueles juristas e outros teóricos que “tendem a puxar o direito no sentido da teoria pura”.
É justamente da meditação nesses pontos que se pode observar e fazer-se ponderações em relação à evidenciada decisão do STF. Ao contrário de um exercício típico e formal da atividade jurídica – como na teoria dos sistemas de Luhmann, na qual se tem um Direito autopoiético, com uma lógica própria, funcionalista e mantenedora do equilíbrio social −, tivera-se um tribunal voltado para o dito “princípio da transformação”, que não se volta tão-só para hermenêutica do campo jurídico ou “espaço dos possíveis”, e, sim, leva em conta a função essencial do magistrado, que “por meio da sua prática [...] tendem a assegurar a função de adaptação ao real num sistema”, isto é, tem-se reconhecida que a função implica gestão de conflitos, a qual não seria possível somente com a figura dos “professores” (leia-se teóricos, em geral, no sentido daqueles mais afastados das demandas cotidianas sociais), propensos a um fechamento no tal rigorismo racional – o que certamente excluiria a introdução de mudanças e inovações indispensáveis à sobrevivência do sistema, como no caso de aborto de anencéfalo em que só analisar-se-ia que o fato enquadra-se no tipo penal, independente de sua inviabilidade e dos traumas que viria a causar à gestante.  

Dessa forma, a ADPF 54 − e sua ampla votação pela procedência − representara um fator de análise e estudo para Direito, enquanto ciência jurídica, tanto em suas dimensões jurídica-penal e constitucional, em si, quanto no que se refere a uma análise epistemológica do funcionamento dele próprio, no que diz respeito a seu campo, lógica, linguagem e hermenêutica – o seu “dever ser”, em síntese. A decisão tivera relevado a necessidade da função dos ditos “operadores”, na qualidade de promotores de uma leitura da realidade, em dado espaço sociocultural, em busca da aproximação com as demandas sociais, orientando-se pelas situações concretas e fazendo prevalecer (como feito) os direitos à dignidade humana, saúde, liberdade, integridade física e moral da gestante de fetos anencéfalos − os quais, como conclui Ellen C. Veras de Araujo, em artigo sobre o assunto, acabam “sendo uma sentença de morte iminente, carecendo apenas de data certa”. 

À moda "bourdieuniana"

Na dinâmica contemporânea brasileira, regida por dualidades políticas e conflitos sociais de ideias, tem-se um aguerrido debate acerca do aborto e demandas sociais. Hodiernamente, a polêmica da PEC 181, a qual retira a possibilidade do aborto em casos de estupro e nos outros casos permitidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, demonstra a problemática do país  (pensamentos conservadores e simplistas) no que diz respeito ao Direito como instrumento de transformação conforme a "historicização da norma bourdieuniana" - adaptação jurídica, conforme o processo histórico dialético, sob as circunstâncias novas da vida real material, no caso, as demandas sociais feministas, desde o julgado do STF, em 2012, sobre o "aborto" em anencéfalos. 

Para Bourdieu, o Direito, ao contrário do viés Kelseano, Intrumentalista ou Formalista, tem uma autonomia relativa, a qual pode ser capaz de racionalizar demandas sociais em situações concretas dentro do ordenamento jurídico. Logo, infere-se a importância do capital jurídico para transformações no corpo social, uma vez que, a narrativa jurídica dentro de decisões como a da ADPF 54, ao contrário de argumentações sociológicas e dos movimentos sociais - sem desconsiderações, torna-se essencial para possíveis modificações da realidade, uma vez que só ela é passível de legitimação da vida cotidiana na forma da lei. Observou-se isso na retórica do Ministro Marco Aurélio Mello, o qual utilizou-se dos Artigos do Código Civil, dentre eles o Art. 2º, os quais versavam sobre a proteção jurídica do nascituro. Não obstante, na fala do Ministro, observou-se outro viés interpretativo sobre tal responsabilidade, uma vez que, para ele, "o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa." "o feto sem cérebro, mesmo que biologicamente vivo, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e, principalmente, de proteção jurídico-penal. "Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica", afirmou o relator.
Por esse prisma, infere-se, assim como no julgado citado, a dinâmica da luta simbólico dentro do campo jurídico a qual serve de embasadora para a modificação da realidade conforme as demandas sociais do presente. Só assim, será possível combater decisões de caráter duvidoso, como a da PEC 181 e lutar por mudanças necessárias , à moda Bourdieuniana", dentro do Direito.

Débora Amorim de Paula - 1º Direito - DIURNO 

O direito adaptado à realidade social

Quando Bordieu critica o excesso do formalismo ou do instrumentalismo, correntes representadas respectivamente por Kelsen e Marx, pode-se ligar o pensamento do sociólogo francês com a atualidade e suas necessidades. Segundo Bordieu, o direito não deve se ater nem ao formalismo – que entende o direito como fenômeno autônomo, neutro às condições externas – e nem ao instrumentalismo, que entende o direito como um instrumento de poder da classe dominante.  Dessa forma, deve-se buscar um equilíbrio, procurando ter o direito como um meio de transformação que se adapte às necessidades sociais e pressões externas.
No Brasil, diferentemente de diversos países desenvolvidos e com elevados índices de IDH, o aborto ainda é considerado crime. O nosso Estado se diz laico, mas é fortemente influenciado pelo cristianismo, usando o poder das classes dominantes do campo político a favor de uma legislação baseada em preceitos arcaicos e religiosos. Além disso, recentemente, a Comissão Especial aprovou a PEC 181, que visa ao impedimento de que mulheres com gravidez fruto de um estupro possam abortar; mais uma vez, os políticos, utilizando sua posição de dominação e dotados da sua ideologia fundamentalista, tentam impor suas vontades e ideias pessoais às mulheres brasileiras – mais especificamente, às mulheres brasileiras pobres – que sofrerão, ainda mais, com os resultados drásticos que essa PEC pode causar.

Feita a análise sobre a ideia de Bordieu e sua relação com a criminalização do aborto – em pleno século XXI – no Brasil, vale destacar o episódio da APDF 54 no STF, que acabou por permitir o aborto legal e seguro para as gestantes que estiverem gerando um feto diagnosticado com anencefalia, visto que o bebê não teria nenhuma expectativa de vida e que toda a situação poderia ser um trauma físico e psicológico na vida da gestante. Com isso, pode-se observar uma ruptura no formalismo normativo, uma vez que o direito deixou penetrar em si as necessidades sociais externas, que pediam por um procedimento seguro para as mulheres que desejassem não gerar uma vida que, logo, morreria. Ainda que esse tenha sido um passo importante para a evolução social no país, ainda é necessário que o formalismo seja mais “enfraquecido”. A descriminalização do aborto é uma das pautas prioritárias dos movimentos sociais feministas, uma vez que não cabe ao Estado controlar nossos corpos, uma vez que a mulher não é “útero a serviço da sociedade”, como disse o ministro Luis Roberto Barroso. Além disso, o aborto deixou, há tempos, de ser uma questão religiosa e moral, e passou a ser um caso de saúde pública, visto que milhares de mulheres morrem ou colocam suas vidas em risco devido ao aborto clandestino, sem contar que é, no mínimo, bizarro a mulher ainda não ter o direito de escolha sobre seu próprio corpo. Dessa forma, entende-se que o direito precisa quebrar o excesso de formalismo presente, adaptando-se a dinâmica social e atendendo às demandas que a sociedade exige dele.

Kelly Akemi Isikawa, 1º ano/diurno  

O retrocesso da PEC 181

Assunto em voga e de muito debate nos núcleos familiares, mesas de bares, grupos de intelectuais acadêmicos e no Planalto Central, o aborto, ainda divide opiniões dado o seu caráter de tabu social, que resvala em uma moral antiga e que não acompanha as atuais demandas sociais.
Recentemente, foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal uma lei que descriminaliza o aborto em casos de anencefalia, gravidez por estupro ou gestações que tragam riscos à gestante. Tal decisão, despertou o descontentamento de camadas da sociedade, bem como a ira de determinados parlamentares que, de prontidão, apresentaram uma proposta de emenda constitucional – PEC 181-, articulada em peso pela bancada evangélica, que, em poucas palavras, criminaliza o aborto sob qualquer circunstância.
É temeroso pensar que o Direito - cuja matéria deve essencialmente acompanhar as necessidades sociais e, principalmente, as necessidades daqueles sobre os quais tal matéria, especificamente, versa – pode caminhar para uma decisão como a que propõe a PEC 181. A anencefalia - que caso aprovada a PEC não servirá mais como fundamento válido para a realização de abortos - cujo significado é a não presença de um sistema nervoso central operante, consiste hoje, inclusive, em um dos motivos para se declarar a morte de uma pessoa – morte encefálica.
É sabido que o aborto ilegal é responsável pela quinta causa da morte materna no Brasil. Morte essa que ocorre, em sua grande maioria, dentre as mulheres que constituem as classes sociais de menor renda. Ou seja, ilegal ou não o aborto continua existindo – e em todas as classes sociais -, com a diferença de que além do feto que ainda não constitui vida encefálica ele mata também a mulher. E a mulher de baixa renda.
Fala-se tanto do mundo contemporâneo e de seus avanços sociais, científicos e tecnológicos, e, no entanto, alguns velhos hábitos parece que nunca mudam. O fato de a mulher, por exemplo, ter sua voz calada - principalmente e especialmente em assuntos que interessam e versam sobre elas próprias e seus corpos – é um dos mais antigos desses hábitos.

O silêncio não mais nos cabe. Exigimos que nos escutem, especialmente em matérias que nos dizem respeito. Se buscamos equidade entre as relações é preciso que os nossos representantes, em sua vasta maioria homens, exerçam sua função e se posicionem como ouvintes, diante de uma matéria que se coloca perante somente a nós, mulheres.

Marina Ribeiro Christensen
Direito Noturno
Turma XXXIV