Séculos
atrás, a sociedade europeia vivia sob uma atmosfera de constante medo e pudor
sustentados pela alienação e pela mentalidade cristã arraigada na coletividade.
É incontável o número de vítimas dessa era que tiveram suas vidas corrompidas
ou mesmo cruelmente retiradas por penas agonizantes e, o que é pior, amparadas
pela lei e pela sociedade.
Símbolo
máximo desse triste passado é a fogueira, primeiramente utilizada pela Igreja
como forma de penalizar hereges e ao mesmo tempo purga-los de seus “pecados”,
mas de cuja aplicabilidade o Estado também veio a se servir. Giordano Bruno e
Joana D’Arc são exemplos de ícones martirizados em uma sociedade marcada pelo
que Durkheim viria a denominar “solidariedade mecânica”. Esta última pode ser
entendida como uma forma de organização da consciência social pautada não por
motivos naturais – como se concebe a solidariedade orgânica - mas por dogmas emanados de uma autoridade,
quase sempre religiosa, imprescindíveis para a homogeneidade do coletivo.
Durkheim
explica que esse tipo de organização é comum das sociedades primitivas e que
nela predomina o Direito Penal. A razão disso está na forma como é tratada a
conduta dissonante nessas sociedades: o objetivo é extirpar os indivíduos
delituosos em vez de trata-los para reinseri-los no meio social.
Hoje, o
Direito, enquanto ciência, alcança notáveis progressos nesse aspecto, o que
confere a nossa sociedade o status de civilização avançada, cuja preocupação
está na reciclagem do reu e não na sua eliminação. Ademais, desde meados dos
séculos XVIII e XIX que o caminho para a pena cruel e torturante tem sido
fortemente rejeitado em diversos países.
O
desafio, entretanto ,está na antítese que a própria sociedade apresenta a esse
progresso. O senso comum costuma cobrar punições mais severas e drásticas do
aparato jurídico, condena-se os Direitos Humanos, de forma que a Ciência
Jurídica acaba sendo uma pequena vanguarda nesse progresso social, guardiã da
integridade dos indivíduos que, se entregues ao julgamento da coletividade,
certamente seriam medievalmente punidos.
É de se
questionar o que move a grande massa moderna. Teria a solidariedade mecânica
realmente sido superada, ou as brasas das fogueiras medievais ainda ardem em
nossos dias, reinflamáveis a um simples sopro?