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sábado, 28 de setembro de 2019


Os movimentos sociais como atores do Direito
O cientista político americano Michael W. McCann estabelece um aumento no poder dos tribunais nos últimos anos, exercendo um papel cada vez mais político na defesa dos direitos. Para o autor, “os tribunais vêm atuando cada vez mais fortemente porque se encontram em posição privilegiada para solucionar problemas de ação coletiva, que paralisam a legislação”. A hipótese mais plausível para McCann sobre o fortalecimento do Poder Judiciário é a abordagem institucional histórica, em que esse fortalecimento teria influência de atores diversos movidos pela lógica da mobilização do direito, já que a maioria dos trâmites de projetos de leis são demorados, pois Deputados e Senadores evitam o comprometimento em decisões polêmicas.
Segundo McCann, “mobilização do direito se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores”. Ou seja, o autor traça que por trás das demandas judiciais existe a atuação de movimentos sociais, que solicitam intervenção judicial na defesa de seus direitos (das minorias que representam). Dessa forma, o foco se desloca dos tribunais para os movimentos sociais e suas formas de articulação e de atuação. Situação que o autor denomina como revolução de baixo para cima, caracterizando as mudanças que partem da pressão que vem “de baixo”, de movimentos sociais de minorias, e não “de cima”, de constituições/leis.
Nesse sentido de mudança de baixo para cima, temos como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26) ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS). Na qual se demanda, principalmente, a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima. Baseado nos princípios fundamentais dos direitos humanos de direito à igualdade e à não discriminação - artigo 5º, inciso XLI da Constituição Federal de 1988.
A discriminação à um determinado grupo é um entrave ao e bem-estar desenvolvimento social, e compreendendo o Direito como um dos possíveis meios para a transformação social, certos movimentos sociais em prol da criminalização da homofobia e transfobia ingressaram na ADO 26 como amicus curiae fornecendo subsídios (dados sobre a violência LGBTIfóbica, por exemplo) para o julgamento da causa. Dentre esses movimentos, podemos citar o Grupo Gay da Bahia – GGB; a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ABGLT; Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA; e dentre outros.
Em esclarecimentos ao relator da ADO 26, Ministro Celso de Mello, a ANTRA profere que “criminalizar uma violência específica é tirar da invisibilidade, reconhecer a existência e discutir formar de enfrentar esta ferida aberta que aumenta a cada ano. A partir da criminalização podemos pensar em levantamento de dados, campanhas focais, mapeamento dos índices e marcadores da violência e combater a impunidade. Além de pensar ações educativas e preventivas para as questões de LGBTIfobia familiar, institucional e social”.
McCann estabelece que o conhecimento do direito, demonstrado e solicitado pela ANTRA, é a ignição para ação política feita pelos usuários (sujeito sociais), e que são esses atores que levantam as temáticas que geram mudanças sociais e institucionais. A emancipação provem da luta social. O que fica claro quando o autor enuncia “Direito, não obstante, é uma linguagem, um conjunto de lógicas, valores e entendimentos que as pessoas conhecem, esperam, aspiram e se sentem portadores. E o Direito também é um conhecimento instrumental sobre como agir para alcançar esses fins”.
Um dos pontos discutidos nos votos dos Ministros foi a mora legislativa na edição de projetos de lei no que tange a homofobia e a transfobia. O Ministro Ricardo Lewandowski enunciou “instituições sensíveis aos reclamos de grupos sistematicamente excluídos da esfera política, contando com o apoio – explícito ou implícito – dos atores políticos, os quais, ao transferir sua responsabilidade para as instituições judiciais, evitam sua responsabilização política por decisões impopulares. Efetivamente, os atores políticos têm ciência de que são mais facilmente responsabilizados, perante seus eleitores, por suas ações do que pelas respectivas omissões”. McCann tem uma visão consoante com a do Ministro e atribuiu como fator importante para o fortalecimento dos tribunais essa omissão dos políticos que delegam o processo decisório sobre questões polêmicas para o Judiciário, assim se protegendo contra o ataque de maiorias eleitorais futuras.
Por 8 votos a 3, o colegiado entendeu que a homofobia e a transfobia se enquadram no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o racismo. Pronunciando uma vitória para os movimentos sociais dessas minorias e mais um passo para o tão sonhado fim da marginalização da comunidade LGBTI. Em conclusão, como determinado por McCann, a manifestação desses movimentos sociais, ocasionando a transformação social sobre o tema, veio como uma mudança de baixo para cima demonstrando a possibilidade de avanço jurídico através da mobilização do direito.

Referências Bibliográficas:
McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª. Região/Emarf, p. 175-196.

Raquel Rinaldi Russo – 1º ano Direito Matutino

Além do Cárcere


A criminalização da homofobia é uma questão que por muito tempo se delongava no cenário jurídico brasileiro, sendo a primeira ação de 2001 (PL nº 5003/01) no Congresso Nacional e uma segunda de 2006 (PLC nº 122/06) no Senado Federal. No entanto, os projetos se encontravam em estado de paralisia, sem qualquer garantia de segurança para o grupo LGBTQ+. Até o dia 13 de junho deste ano, no qual o Supremo Tribunal Federal aprovou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que insere práticas de homofobia e transfobia como crime de racismo.
Essa decisão compõe grande peso social e jurídico, pois finalmente é oferecida a proteção dos direitos fundamentais das pessoas LGBTQ e o maior amparo judicial que essa minoria carece. Mas, principalmente o reconhecimento simbólico que é exteriorizado nessa ADO, visto que apenas a prisão daqueles que cometem atos homofóbicos não é o ponto principal da questão. Nesse sentido, evoco as palavras do Ministro Lewandowski em seu voto para corroborar com a simbologia mencionada:
 ‘‘Faço esse relato para realçar como a engrenagem jurídica tem se mostrado instrumental na construção de dinâmicas opressoras de grupos sistematicamente privados de direitos, bem como para ressaltar a urgência de se inverter diametralmente essa tendência. Para tanto, punir criminalmente a homofobia e a transfobia é simbólico, e é, segundo penso, apenas o primeiro passo.’’
A influência de uma decisão como essa vai além dos presídios, ressaltando a transformação social que um tribunal pode pôr em moção. Fato que se conecta com as teses de Michael McCann sobre a mobilização do direito, segundo ele um tribunal pode agir como catalisador e de uma vez só: ‘‘aumentar a relevância da questão na agenda pública; privilegiar algumas partes que tenham demonstrado interesse na questão; criar novas oportunidades para essas partes se mobilizarem em torno da causa; e fornecer recursos simbólicos para esforços de mobilização em diversos campos’’.
                Ademais, abordando a temática do ativismo judiciário, é fato que o poder judiciário não pode invadir o campo legislativo. Essa invasão pode acarretar danos a segurança jurídica do país e até ‘‘um incentivo a contramobilização’’, como descrito por McCann as ações dos tribunais podem gerar um contra efeito, desfazendo ou contornando as decisões judiciais. Contudo, como supracitado houve grande demora legislativa para julgar a criminalização da homofobia, caracterizando mora constitucional. Além disso, a ADO foi implementada até que se sobrevenha uma lei emanada do Congresso Nacional, dessa maneira observa-se os limites de cada poder e preza-se pela segurança jurídica.
                Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal foi acertada em reconhecer e defender os direitos do grupo LBTQ+ e espera-se que sejam deflagradas futuras mobilizações sociais e o fim da inercia deliberativa do legislativo. 

Jaqueline Sayuri Marcola Abe 1ºAno Direito Matutino 

Legítima ação do Judiciário

No Brasil matam-se mais homossexuais do que em 13 países onde há pena de morte contra LGBTs. Esse é o cerne da questão do porquê a criminalização da homofobia é tão relevante, apesar disso, o Congresso Nacional se exime até mesmo de debater essa questão, devido ao grande conservadorismo existente na política brasileira e mesmo na população. Com a eleição do atual Presidente da República, que tem como guru Olavo de Carvalho -afirmando que ser LGBT é uma depravação, mero objeto de desejos, sem respaldo biológico, por existirem dois aparelhos sexuais bem definidos, devendo o ser humano respeitá-los para que cumpram sua função de procriar, uma vez que havendo somente homossexuais a raça humana seria extinta, segundo ele- essas discussões tornarem-se quase que um tabu no âmbito político, não sendo posta nem em debate.
Por esse motivo, as mobilizações passam a ganhar espaço no âmbito judiciário -o qual acaba por ter mais proximidade com as demandas sociais por estar lidando diariamente com casos práticos e não poder ignorá-los, diferentemente dos "representantes do povo", que consideram mais vantajoso se ausentarem a perderem eleitores por tomar determinado posicionamento em alguma questão-, onde conseguem pautar suas demandas e respaldá-las na Constituição Federal. Segundo McCann, essa atuação dá relevância aos temas, levando-os a serem colocados na agenda política e no centro das discussões públicas. Sabe-se que estas são, em geral, desfavoráveis às questões das minorias, exemplo disso foi o recolhimento dos livros com temas LGBT na bienal no RJ e a posterior circulação de vídeos no WhatsApp afirmando que havia também conteúdos homossexuais pornográficos em livros infantis, reforçando a força da maioria conservadora contra a minoria, que continua a sofrer com a violência apenas por não seguir heteronormatividade.
Mesmo não sendo função do Judiciário legislar, o abandono sentido pelo população por parte de seus representantes, torna legítima a utilização desse poder para que se possa fazer valer os preceitos presentes na Constituição, com sua função contramajoritária, ele está sempre a proteger todas as minoria de possíveis maiorias que venham a tentar eliminá-las ou reprimi-las. Nesse viés, a analogia do crime de homofobia com o de racismo resguarda os direitos e exige proteção por parte do Estado para um grupo que, dada as proporções das violências sofridas no país, prefere emigrar a viver com medo. Com essa ação do Judiciário é possível que o reconhecimento dessa mobilização venha a ser eficiente e acabe por mobilizar o plano político para que sejam feitas leis específicas para o assunto e se criem medidas para prevenir casos de violência seja física, verbal ou psicológica contra os LGBTs.

Caroline Kovalski, 1º Direito, noturno

A mobilização do direito e os abismos sociais

Em sua teoria, Michael McCann disserta a respeito da relação dos tribunais com o poder legislativo e com a própria sociedade. A partir do século XX, os tribunais vêm ganhando mais e mais influência para a decisão de questões antes analisadas exclusivamente pelo legislativo. No entanto, a demora e má administração desse último levaram a um aumento crescente do poder do judiciário, como se vê claramente no caso brasileiro, no qual o STF repetidamente decide acerca de questões antes tidas como exclusivas do legislativo. As pautas discutidas são, majoritariamente, pautadas acerca de questões como direitos sociais e humanos, direitos de minorias, reprodução humana, entre outros. É digno de nota a visão de McCann a respeito da mobilização do direito, na qual, em suas palavras,"se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores.”. A mobilização do direito é um dos fenômenos mais recorrentes no âmbito jurídico atual, no qual grupos sociais buscam a garantia e aumento de seus direitos no poder judiciário. É nesse cenário que tanto o STF quanto qualquer outro tribunal encontra seu poder, visto que suas decisões configuram o cenário jurídico (e consequentemente político) das sociedades. Assim, os tribunais são peça chave da mobilização do direito e da construção deste dentro do contexto atual.
Um exemplo de tal mobilização é a ADO 26, julgada pelo STF devido a omissão do Congresso Nacional. Trata-se de uma ação a favor da criminalização da homofobia. No contexto atual brasileiro, enormemente preconceituoso e homofóbico, onde a comunidade LGBT+ sofre contínuos ataques de ódio, tal aprovação torna-se claramente necessária. Seria uma decisão a ser julgada pelo Congresso, todavia decido à demora excessiva o STF posicionou-se e aprovou a homofobia como um crime. A própria ministra Carmem Lúcia, em seu voto, pontua que a omissão do legislativo acerca da criminalização é inconstitucional. Logo, não se trata apenas de uma questão de divisão de poderes, mas também de uma posição acerca da organização social e política do Estado brasileiro. Em um país com tantas desigualdades, o mínimo que os poderosos devem fazer é tentar reduzir, quaisquer sejam os meios, tais abismos sociais. Assim, conectando os cidadãos à ordem jurídica, os tribunais podem auxiliar no aumento da qualidade de vida de toda a população.
Letícia Killer Tomazela - Direito Noturno

Mobilização: resposta à omissão.

Diante da omissão do Legislativo em cumprir seu papel de legislar, o Poder Judiciário emerge como a esperança de resolução das demandas de minorias historicamente marginalizadas. Não há constatação mais certa do que  a que visualiza o Brasil como um dos países mais intrinsecamente permeados pela desigualdade e pelo preconceito, não havendo uma atuação efetiva por parte de quem possui, de fato, aptidão para reverter este cenário por meio da lei, as partes  que sentem, literalmente, na pele as consequências desta inércia são levadas a depositarem suas reivindicações no bojo das decisões dos tribunais. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ajuizada pelo Partido Popular Socialista, ao defender a  criminalização de todas as formas de homofobia e transfobia, ou por se enquadrarem no conceito de racismo, ou por vislumbrar' “discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais" e, também, o reconhecimento do descumprimento do dever de legislar do Congresso, representa fielmente este fenômeno.
As próprias instituições legitimadas para dar voz às minorias  passam a apreciar esse novo âmbito de atuação dos tribunais, como é o caso do Grupo Gay da Bahia-GGB, que luta  a mais de 30 anos pela defesa e promoção dos direitos e garantias das pessoas LGBT, denunciando abertamente as manifestações de preconceitos e discriminações despejados sobre essa classe, que ao figurar como amicus curiae na ADO 26 / DF, enfatizou o Poder Judiciário como a esfera do Estado mais sensível e  mais atuante na consagração dos direitos e das demandas da população LGBT. Em sentido inverso precipitou sobre o Legislativo a crítica a sua resistência em aprovar qualquer projeto de lei que verse sobre o tema, o que pode ser exemplificado pelo fato de que há mais de 13 anos o PLC nº 122/2006 vem sendo debatido, sem nenhuma previsão de aprovação,  diante dessa inércia dispensa-se sobre os membros do Congresso, representantes democraticamente eleitos pelo povo, a atestação de que não representam essa parcela da população.
Tal contexto reflete o objeto de análise dos trabalhos de Michael McCANN, que ao tratar da mobilização do direito, ou seja, das "ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores" , expõe o aumento da relevância  das decisões dos juízes diante de uma vasta categoria de importantes questões sociais, principalmente no que se refere ao tratamento das minorias raciais, étnicas e sexuais, mas, em uma abordagem diferente, ele desloca o foco dos tribunais para os usuários, para os atores que o mobilizam e para as interações nas disputas travadas, trazendo uma perspectiva dos “usuários”. O Poder Judiciário é apenas mais um ator e não "o autor" desse fenômeno, são os sujeitos que estão mobilizando o direito e o provocando, fazendo com que ele aja de maneira contra hegemônica
O Judiciário tornou-se, no Brasil, um dos maiores impulsionadores dos direitos e garantias da população LGBT, que, pelo preconceito enraizado, não usufruem de estima social equiparada aos demais estratos sociais, enfrentam um não reconhecimento que os precipitam em desnivelada participação ativa na vida social. Por meio do Poder Judiciário tais grupos estabelecem uma luta por reconhecimento, aprendem a se visualizar como seres capazes de gozar de determinadas propriedades ou capacidades, a referirem a si mesmos como sujeitos, por meio deste reconhecimento jurídico. Esses sujeitos sociais passam a ter consciência de serem sujeito de direitos, e, assim, a promover uma consciência de direitos. A mobilização  do direito é um ato, uma postura política que, dentro de uma dinâmica de conscientização, propicia a luta pela consolidação dos direitos das classes marginalizadas, demonstrando que não só as elites mobilizam o direito, mas que as classes subalternas também recorrem aos tribunais. A mobilização do direito, nesses casos, não exemplifica apenas mais um uso estratégico da lei, envolve as interações dos vários atores do campo jurídico, os seus reflexos na sociedade não devem ser medidos apenas através do ganho da causa, mas, sim, por todas as circunstâncias que ela engendra, pelos diferentes efeitos que causa, pela política de reconhecimento que ela promove, pelos efeitos institucionais e sociais gerados por ela.

A decisão do STF foi por enquadrar as práticas homofóbicas e transfóbicas nas espécies de racismo, visualizado em sua dimensão social, como ideologia segregacionista que se baseia na defesa de inferioridade de um grupo em relação a outro. Tal atuação demonstra que o Judiciário vem assumindo um papel estratégico na resolução de questões-chave, promovendo o engajamento e o fortalecimento de determinadas lutas, influenciando suas estratégias. Os tribunais, dessa forma, constituem vivências sociais, reafirmam identidades, promovem o reconhecimento de grupos marginalizados por parte do direito a partir das decisões favoráveis a eles. Mobilizar o direito, portanto, não é uma expressão de fragilidade democrática, mas, sim, de um reconhecimento cívico, os indivíduos passam a se reconhecer como cidadãos, assim, é um indicador de vigor democrático, de medida da vitalidade e não da fragilidade da democracia, empoderando e promovendo a autoestima da população LGBT ao publicizar suas demandas.

Análise e Comentários da ADO n°26 á luz de Michael McCann


   O julgado em questão trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, número 26, do Distrito Federal, de Fevereiro de 2019, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, que chegou ao Supremo Tribunal Federal por requerimento do Partido Popular Socialista contra o Congresso Nacional que, resumidamente, segundo o ministro Ricardo Lewandowski, buscava pela criminalização específica de todos os tipos de discriminação e violência contra a comunidade LGBT, devido à ordem constitucional de enquadrar tais práticas ao crime de racismo, presente no artigo 5°, inciso XLII, da CF/88, bem como as questões de discriminação que ferem direitos e liberdades fundamentais. Participaram da ADO, 12 Amicus Curiae, dos mais diversos tanto pró quanto contra.

   Inicialmente pensamos que devido à gravidade do assunto, deveria existir uma lei própria de criminalização para que tal grupo fosse protegido de forma mais eficaz e direcionada, haja vista as inúmeras situações em que sofrem discriminações, violências, homicídios, cometem suicídios, e dentre outros casos que infelizmente estamos cansados de ver em noticiários, em que os direitos fundamentais e a liberdade dessas pessoas, por ser quem são, são violados brutalmente.

   Porém, entramos em outra questão, a da mora por parte do Legislativo, que seria o responsável por levar essa ação ao STF, uma vez que há omissão por parte do Congresso, pois eles evitam discutir pautas como essa por motivos, valores e crenças pessoais, ainda sabendo do caráter inconstitucional de tais atitudes.  Dessa forma, tendo em vista a vulnerabilidade de tal grupo, colocar homofobia e transfobia junto ao crime de racismo, seria a maneira mais “rápida”, e menos burocrática, de levantar a questão de maneira a incitar algum tipo de resolução para o tema, e consequentemente diminuir os casos.

   Além disso, ainda que de forma diferente, em ambos os casos (tanto racismo quanto LGBTfobia), há a marginalização, opressão, fruto de um processo discriminatório histórico, e etc. Logo, tendo em vista os princípios da lei antirracismo, também podemos considerá-los nas questões de orientação sexual e gênero. Então, passando a analisar tais questões á luz de Michael McCann, temos algo que o autor diz em relação à atuação dos tribunais, que, de simplesmente ações como essa chegarem ao Supremo, já é uma prova do “protagonismo dos tribunais” na sociedade, (que também nos remete a algumas ideias de Antoine Garapon) fruto de uma provocação que vem de baixo (nesse caso a comunidade LGBT), em busca da atuação que vem de cima, dos tribunais (nesse caso os magistrados), provocação essa que surge de anseios sociais, buscando reconhecimento e visibilidade para a conquista de seus direitos através do Direito. Estando isso diretamente ligado ao conceito de McCann de “mobilização do Direito”.

   Ainda em relação ao conceito de “mobilização do Direito”, sob a análise do autor mencionado, segundo outro pensador utilizado por McCann, Frances Zemans, “A lei é mobilizada quando uma necessidade ou desejo é traduzido em uma reivindicação de lei ou afirmação de direitos legais” [...] “Ele desloca o foco dos tribunais para os usuários e utiliza o direito como um recurso de interação política e social”, tal proposição está intimamente relacionada a ADO em questão, pois é a partir desse “novo foco” nos usuários, que o direito passa a poder agir de acordo com as demandas vindas da base, como já mencionado anteriormente.

    Assim como McCann diz, “[...] os tribunais são importantes por configurarem o contexto no qual os usuários da Justiça se engajam em uma mobilização do direito”, demonstrando sua influência (ativa), uma vez que a questão da criminalização da homofobia de fato mobiliza o direito, e parte da necessidade de adequar ao ordenamento, ou melhor, de incluir, algo tão importante e de profunda relevância para o desenvolvimento social, nos levando a buscar uma hermenêutica jurídica que possa de fato compreender os anseios da sociedade, bem como, a aplicação, não apenas literal, de princípios fundamentais da Constituição Federal, reforçando mais uma vez a questão do “foco nos sujeitos sociais”. Porém, isso não anula o fato, que não podemos esquecer, de que os tribunais também são, segundo palavras do autor, atores num complexo circuito de disputas políticas.  

   Por fim, há algo importante em ressaltar, presente na seguinte ideia de McCann: “as ações dos tribunais fornecem diversos ‘precedentes’ estratégicos para as partes envolvidas em diferentes relações por toda a sociedade. Tais precedentes tornam-se ‘fichas para negociação’, resultantes de previsões sobre o que as partes conseguiriam se fossem parar nos tribunais ou diante de outras autoridades jurídicas.” Quando há legitimação de lutas como essa por meio de instâncias como o Supremo, permite-se que outras pautas possam ser levantadas pela sociedade (também relacionado à ideia do “tribunal como catalizador da ação político-social” do mesmo autor) e levadas para que ganhem as devidas proporções jurídicas e possam dar visibilidade para os grupos marginalizados, minoritários, que enfrentam lutas diárias muito mais complexas, que vão além da discriminação, dos preconceitos, mas perpassam por todos os aspectos da vida, principalmente psíquicos.

    Pois em um dos países que mais mata população LGBT, que mata mais homossexuais do que países os quais criminalizam e punem essas relações, onde as taxas de suicídios são muito elevadas e dentre inúmeras outras estatísticas, ainda que do ponto de vista legal estejam “amparados”, que, mesmo que haja uma lei exata que determine seus direitos ou criminalize os atos que divergem a eles, que exista a CF que vai muito além do texto normativo, na prática não é assim que ocorre, a sociedade não muda de uma hora para outra, e como mencionado inúmeras vezes na ADO, devemos buscar uma mudança cultural e valorativa, juntamente a medidas legais que possam explicitar a gravidade, para que paulatinamente vá havendo as mudanças buscadas.


Letícia E. de Matos
1° ano - Direito Matutino 

STF, ADO 26 e o mandado de injunção 4.773.


O mandado de injunção 4.733 junto à ADO 26, apresentados ao STF, trouxe à baila, em fevereiro de 2019, a questão da criminalização da homofobia e da transfobia. De início, ressalta-se a necessidade de transpor o conceito de igualdade formal que demonstra-se insuficiente para a concretização de uma igualdade material entre indivíduos LGTBQIA+, acometidos pos crimes de homofobia e transfobia, e outros indivíduos que não sofrem por crimes devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero (entende-se, no entanto, mesmo com a utilização desses dois termos para caracterizar o primeiro grupo, a importância de demais posturas como por exemplo “Queer”). A necessidade da igualdade fática é absolutamente legítima e constitucional, o cerne da questão é se esse intuito pode ser alcançado por uma postura do nosso Supremo Tribunal Federal perante suas possibilidades de atuação, delimitadas constitucionalmente, corroborando, assim, com a ideia de McCANN de que a abordagem institucional dos tribunais, obviamente, possui limites.
No plenário da cúpula do nosso sistema judiciário houve a reiteração da morosidade existente no parlamento brasileiro que, de maneira implícita, demonstrava a má vontade de legislar sobre o assunto da criminalização dos casos específicos já mencionados. Sendo assim, percebe-se a omissão legislativa para a promoção de direitos fundamentais, como por exemplo o direito à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero, o que torna possível a atuação do STF para que haja o exercício pleno dos direitos e garantias fundamentais estatuídos pela nossa C.F/98. A maneira de atuação do órgão em questão busca proporcionar, sabendo que ele é mais um dos atores nas relações de poder, o que McCANN retrata como a necessidade do tribunal ser o catalisador de parte dos interesses da sociedade para que, após essa realização, haja a emissão de sinais para o restante da sociedade, ocasionando, nesse caso, o desejo de demonstrar uma pena mais enérgica para indivíduos que cometem atrocidades relacionadas à homofobia e à transfobia, bem como uma maior preocupação com esse grupo da sociedade.
Após uma intensa discussão entre os ministros houve a necessidade de enquadrar crimes de homofobia e transfobia na lei do racismo (Lei 7.716/89), enquanto o poder legislativo não realizar sua atribuição de criar leis penais para tipificar determinadas condutas. Inicialmente, esse enquadramento pode parecer apenas uma manobra jurídica para buscar a invasão de uma competência que não convém ao STF, conquanto, ao analisar-se o conceito de Racismo (Atitude hostil ou discriminatória em relação a um grupo com características distintas) percebe-se uma moldura completamente legal da questão em pauta. Deve-se entender, no entanto, que a simples política estatal do punitivismo não irá alterar a percepção que os indivíduos possuem sobre um determinado grupo julgado por esses mesmos indivíduos como “diferente”, é necessária, tanto na vida escolar quanto no âmago da família ou da sociedade, a conscientização sobre as diversidades existentes, com o intuito de formar uma sociedade que não seja repelida à cometer crimes por causa da existência de uma lei penal, mas sim por princípios intrínsecos à própria sociedade.
A questão de criminalizar condutas específicas pode possuir efeitos positivos. Ressalta-se a expressão “pode”. Também devemos atentar que a possibilidade de aumentar a população carcerária em um país de extrema defasagem do sistema prisional é uma atitude que pode ocasionar efeitos tão ruins quanto aos efeitos que desejam ser solucionados, porém a tentativa propiciada pelo STF busca a atenuação de barbáries em um curto/médio prazo, visto que uma educação mais aguçada quanto à formação de indivíduos menos preconceituosos e mais abertos à diferença é um projeto que iria se refletir apenas para as próximas gerações.



Heitor Dionisio Murad - Matutino