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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Vigilância epistemológica do Sul não branco: injúria racial como crime de racismo


No dia 28 de Outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a conduta de injúria racial é imprescritível, inafiançável e sujeita à pena de reclusão, podendo ser equiparada ao crime de racismo. O impacto dessa definição é significativo para o movimento antirrracista e para o Direito brasileiro, haja vista que antes a injúria racial não era dessa maneira determinada e possuía detenção de um a seis meses, enquanto o crime de racismo contém reclusão de um a três anos. Segundo o Habeas Corpus 154.248/ DF, responsável por tal medida, a descrição do racismo no inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal não define seus tipos penais vinculantes, o que acabou restando ao encargo do órgão de justiça mencionado, com o exemplo da decisão deste ano.

Uma das justificativas para a medida tomada, como determinado na ementa, é o desrespeito contido na conduta de injúria racial ao dispositivo constitucional, contemplado pelas garantias fundamentais e, acima de tudo, pela dignidade da pessoa humana. É sob esse espectro que se pode vincular a situação analisada com a obra de Sara Araújo em “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”. A autora, ao descrever a presença do colonialismo e da lógica capitalista na forma de pensar ciência e, portanto, de criar as ciências jurídicas sociais (o Direito), demonstra o conflituoso processo de busca pela emancipação das Epistemologias do Sul de um pensamento hegemônico eurocêntrico. 

Nesse sentido, Sara menciona como localiza-se ao Sul tudo o que é considerado incivil, improdutivo, diferente ou que não se pode contemplar nos modelos de monocultura que a modernidade ocidental impõe: uma só forma de saber, existir, produzir, igualar-se e perceber o tempo. Pelo pensamento de Sara, é possível perceber a vivência não branca como localizada no Sul e, portanto, detentora de um epistemologia (um saber, uma noção de existência) não hegemônica. No entanto, ao citar os desafios de disputar categorias e o universo jurídico já domesticado pela lógica moderna colonial, Sara explica que até mesmo as Constituições que contemplaram os direitos de minorias sociais indígenas, como no Equador e na Bolívia, passam por grandes dificuldades. Afinal, firmada uma Constituição e passada uma Assembleia Constituinte, as tendências universalizantes e normativas retornam ao eixo eurocêntrico da branquitude (ARAÚJO, p. 107, 2016). 

 Dessa maneira, o papel do STF e do próprio Movimento Negro Unificado, ao mobilizar o Direito com o HC 154.248/ DF, foi o de compreender que, mesmo em face de um Constituição que preveja garantias fundamentais para todas as pessoas ou diante das tendências de inclusão do Brasil no Novo Constitucionalismo Latino Americano, reconhecido por suas percepções amplas de pluralismo jurídico, a atualidade ainda se engendra em uma lógica colonial e capitalista. Equiparar a injúria racial ao crime de racismo é uma forma de romper com exclusões abissais, pois, mesmo com o reconhecimento de tais problemáticas no âmbito jurídico, as suas penalizações discrepantes eram utilizadas estrategicamente para que menos casos fossem enquadrados como racismo.

Compreender que ofensas motivadas pela racialidade de uma pessoa ou intolerância religiosa são parte da estrutura que compõe a opressão racial pode ampliar o debate na sociedade que contempla as Epistemologias do Sul, fortalecendo uma outra ótica e tendência que não a eurocêntrica e do centralismo jurídico. Assim, o reconhecimento dado pelo STF configura-se como uma vigilância para que se reflita uma ecologia de saberes no Direito, para que se crie um universo jurídico do Sul.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o  cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n.º 43, set/dez 2016, p. 88-115.  

ASSIS, Fábio José Silva de; VIEIRA, José Ribas. Do neoconstitucionalismo ao novo constitucionalismo latino-americano: um processo de luta das minorias. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.11, n.3, 3º quadrimestre de 2016. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/9814. Acesso em: 13 Set. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 154.248. Distrito Federal: 28 Out. 2021. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5373453. Acesso em: 06 de Dez. 2021.   


-Letícia Magalhães, Noturno.



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