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sábado, 9 de abril de 2011

O ponto de mutação

No filme " O Ponto de mutação" de Bernt Capra ( baseada na obra de Fritjof Capra ) são discutidas diversas teorias , em um enredo contemporâneo de acordo com teses de filósofos do passado e do presente , mas , principalmente discutindo as teorias cartesianas e baconianas . Entre tantas teorias , há reflexões sobre : a parte e o todo; o empirismo e o cientificismo; as relações do homem para o homem ; a IRREALIDADE DO REAL e o PONTO DE MUTAÇÃO ( com a renovação de velho , isto é , formação do novo )
Observemos os seguintes enunciados , a reflexão e conclusão , os quais envolvem um dos principais temas do filme :
" O tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia , Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia , Porque não é o rio que corre pela minha aldeia ..." " Isto continua a não ser um cachimbo "
Somos educados para aceitar que existe uma separação radical entre as visões de mundo : realidade e ilusão , fantasia , sonho, alucinação. Estes conceitos devem ser tomados como absolutos e indiscutíveis ; além disso , deve-se " viver no real " como nos ensinam os chavões " cai na real ! " ou " você está viajando ! " , que castram a nossa realidade individual e forçam-nos a aceitar um padrão de realidade absoluta.
Tal absolutização , do ponto de vista científico , é irreal. Freud afirmou que tanto há realidade no sonho quanto há sonho na realidade. A teoria Platônica discorre que o mundo em que vivemos é o reflexo ( Mímese ) do Mundo das Idéias ( que é o da realidade absoluta ). Logo, nada nos confere autoridade para classificarmos as coisas em reais ou irreais porque nós mesmos somos irreais , conforme Platão.
Einstein provou, matematicamente, que mesmo o tempo é relativo ; portanto , nada é absoluto. A pseudorrealidade em que vivemos só é real a partir de um único referencial, o qual somos obrigados a acatar , abdicando de nossos próprios referenciais, ou seja, de nossa personalidade.
Portanto, tudo isso não passa de um mecanismo de exploração, onde quem tem o poder constrói a realidade. É real o que nos impõe o Jornal Nacional, a Folha de São Paulo , a Veja ?Mas não deixam de ser reais as alucinações do menor abandonado que, geralmente, cheira cola na Praça da Sé ou os delírios de fome e sede das crianças do Nordeste ou os sonhos do trabalhador oprimido com uma sociedade igualitária. Como se vê, estamos diante de mais um instrumento de massificação, censura e manutenção do " status quo ".
Para complementar a idéia do filme , um grande sábio oriental disse :
" Ao término de um período de decadência sobrevêm o ponto de mutação. A luz poderosa, que fora banida, ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força...O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando, portanto, nenhum dano. " ( I.Ching )

Tudo em todos

O filme "Ponto de Mutação" aborda um diálogo entre três pessoas: um político, um poeta e uma física; que, embora tenham opiniões divergentes, estão dispostos a ouvir e pensar sobre novas ideias. A física é convidada a participar da conversa que os demais estaõ tendo sobre um relógio,e logo faz uma dura crítca a visão cartesiana com a qual muitos políticos analisam o mundo, a natureza...
A crítica ao pensamento de Descartes não tem por objetivo sua condenação, mas o reconhecimento de suas limitações, ainda mais nos dias atuais, em que esta visão mecanicista do mundo, além de errônea, é verdadeiramente nociva. Na realidade de globalização não se pode olhar para os problemas mundiais tentando entendê-los e resolvê-los separadamente. Há a necessidade de uma nova visão de mundo, na qual se estabeleçam conexões (a exemplo da mostrada no filme: a diminuição do consumo de carne vermelha, que além de melhorar vários aspectos da saúde humana, diminui o desmatamento causado pelas pastagens).
O político então aponta uma questão aos seus colegas de debate: como concretizar essas novas ideias na política, como fazer com que as pessoas (eleitores) consigam entender? A resposta recebida é a mudança da nossa percepção de mundo, atingida através da educação, tanto no âmbito de acumulação de conhecimentos, como no âmbito ambiental, econômico, social, científico... partindo da noção de que todos nos relacionamos ao todo. Logo esta é a única forma de trocarmos a intervenção pela prevenção, o individual pelo coletivo, o "saber perigoso" por aquele em benefício de todos.

A busca por um consenso

Dividir o objeto de estudo em partes isoladas e tratá-lo de forma mecanicista visando à resolução de seus problemas foi, basicamente, o método proposto por Descartes. É a partir de sua oposição que tem início a discussão que se baseia o filme "Ponto de Mutação.

Uma cientista, personagem do filme, critica de forma enfática a visão cartesiana adotada por políticos em geral.
O que ela expõe, faz-nos pensar que o mundo talvez não possa ser estudado com base em tal visão.
Sobretudo em nosso contexto geopolítico, fica evidente que a opinião de Sonia, de que o mundo está todo interligado e de que cada indivíduo nele presente depende de todos os demais, bem como do meio em que estão dispostos, é tão atual e verdadeira que, em um primeiro momento, parece-se perder tudo o que foi proposto por René Descartes.

É fato que todas as relações interpessoais travadas pela espécie humana, bem como a relação com a natureza, dispõem de uma maior complexidade do que a simples análise deste ou daquele fenômenos e, por isso, estudá-las cartesianamente torna-se inviável. Porém, não se pode afirmar que o método do filósofo, baseado no experimentalismo, seja de todo inútil. É válido ressaltar que ainda hoje esse método é útil para o desenvolvimento da ciência.

A tendência daqueles responsáveis pela administração de nossas sociedades de buscar as soluções para os males que as afligem no método mais simples existe.É aí que residem a dificuldade e o problema para sanar irregularidades e estabelecer benefícios definitivos por todo o globo, já que muitas vezes se ignora o sistema de conexões que nos regem.Nesse aspecto, o emprego da visão cartesiana se mostra como uma forma de comodismo, algo nocivo à estabilidade global.

Outro aspecto discutido na obra, a ciência como elemento destrutivo, revela indagações polêmicas. De quem é a culpa dos danos causados por contribuição da ciência? Dos criadores dos instrumentos de destruição ou de quem os patrocina?
A comercialização do conhecimento, que torna isso possível, é um fator determinante do uso bélico das aquisições científicas.Isso passa a ser visto apenas como mais um contrato bilateral, a já clássica relação produtor-consumidor.

Essas questões, discutidas no filme, são de fato recorrentes à nossa realidade.Contudo, chegar a um consenso sobre elas é algo, a curto prazo, irrealizável.

Nos bastidores da observação

O filme “O Ponto de Mutação” discute intensamente a importância de se analisar o contexto geral de cada questão específica estudada. Nos tempos contemporâneos, quando a globalização é real e ocorre o aumento da dependência de uns para com os outros, não é mais possível separar qualquer coisa que seja de sua peça como um todo, desde alguma característica humana que deve ser analisada juntamente com o perfil humano até um fato que precisa ser entendido dentro das circunstâncias socioeconômicas em que ele ocorreu. O objeto que analisamos está vinculado a muitas outras coisas que não podemos desprezar e que muitas vezes não enxergamos de imediato.

A vida é repleta de relações entre seus vários aspectos. Há, por exemplo, interconexão entre os seres vivos, entre os seres vivos e o meio ambiente, entre as peças para se construir uma máquina, entre as matérias, entre os sons, dentre muitas outras relações. Uma boa ilustração é a maneira como é construída a harmonia musical. Uma nota musical é apenas uma nota quando tocada sozinha, mas quando tocada com outras notas musicais, o som se modifica dando início a um acorde musical (relação dos sons simultâneos). Vários acordes, em sequência, relacionam-se entre si, formando assim um encadeamento dos mesmos, dando origem à harmonia musical, caracterizando a beleza da arte de expressão chamada “Música”. Da mesma forma é a vida, e a sua beleza está nas diferentes maneiras como são correlacionadas suas características, sendo sua essência, a interdependência entre as mesmas.

Um cientificismo e uma racionalidade tão exagerados que se tornam irracionais.

O filme aborda uma discussão saudável entre três pessoas com profissões e ideologias completamente diferentes. Sonia, uma dos protagonistas, expõe a tese de um método cartesiano ultrapassado, assim como um relógio mecânico, e confia na ideia de que a humanidade vive, atualmente, uma crise de percepção, que as pessoas, influenciadas por metodologias como a de Descartes e a de Bacon, tendem a picotar as coisas, analisar parte por parte, e não percebem que elas estão interligadas, que há conexões entre tudo e todos, e por isso é preciso ter um olhar focado no sistema, no geral, no todo.

Acredita em uma teia de relações, e que se essa fosse perceptível a maioria, não haveria a necessidade de se resolver problemas, já que esses teriam sido anteriormente evitados, se as idéias, hábitos e ações que os provocaram tivessem sido diferentes, se houvesse uma maior preocupação em evitar as causas do que em solucionar suas consequências. Crê que o sonho cartesiano de um mundo como uma máquina perfeita tornou-se realidade com as leis de Newton, e que essas ferramentas físicas e intelectuais criadas pelo homem causaram um desequilíbrio na natureza.

Por fim, apresenta uma reflexão sobre a frase: “saber é poder” considerando o conhecimento como algo perigoso, porque ao mesmo tempo em que esse traz muitos benefícios à vida, também é o responsável por bombas, ferramentas e armas mortíferas causadoras de dor e danos irremediáveis. E, do mesmo modo, julga ser necessário ter cuidado com o poder alcançado, pois esse deve ser um poder pessoal, usado em benefício próprio, mas também do outro e não um poder que permita apenas dominação de um sobre o outro.

Com o fim dessa abordagem, pode concluir-se que por mais diferentes que sejam as pessoas, suas crenças e suas ideologias, é bastante importante saber ouvir, conviver e aprender com o outro, com o novo, com o diferente. Porque é através dessas diferentes posições pessoais, sociais e culturais que se pode buscar um maior desenvolvimento e usá-lo em benefício de todos.



Assim como ocorre com essa figura, o conhecimento adquirido é interpretado por cada um de forma diferente, resultando na emissão de comportamentos singulares que podem ser usados tanto para o bem quanto para o mal.

Dobram por ti

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente [...]. E por isso, não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.” [ John Donne, "Devotions upon Emergent Occasions”, 1624]

Essa é uma das citações literárias feitas no filme “Ponto de Mutação”, de Bernt Capra; e, em minha opinião, a mais bonita. Quero fazer aqui uma reflexão sobre o filme, a partir desta mesma citação. O enredo é simples, sendo apenas um diálogo filosófico entre três personagens. Um poeta, que em diversos momentos trás à conversa citações como à que vimos anteriormente; um político, que procura soluções para a sociedade, mas sempre contrapondo as medidas que devem ser tomadas às medidas que agradariam a opinião pública; e, por fim, uma física nuclear, que durante todo o diálogo demonstra o quanto nossa ciência e nosso conceito de progresso estão enganados.

O filme discute o quanto nós, seres humanos e natureza, dependemos uns dos outros. Interessar-nos-á, agora, apenas tratar da relação entre os indivíduos, deixando a relação indivíduo-natureza para outro momento. A grande chave está em entender que tudo que fazemos afeta toda a humanidade. Não me refiro ao famoso “Efeito Borboleta”, mas à interligação que temos. Nenhum indivíduo pode viver sozinho, todos precisamos de relacionamentos, sem importar sua espécie.

Hoje, o mundo todo está em contato direto. A globalização deixou de ser um conceito, e se consolidou como realidade em todos os territórios. Diziam alguns anos atrás que a tecnologia nos transformaria em seres isolados, que o capitalismo desejava sugar o proletário, que os meios de comunicação nos alienariam. Vemos então as redes sociais crescendo vertiginosamente. O maior investimento do último ano foi o Facebook. Vemos a massificação do uso de eletrônicos; a população em geral passou a consumir produtos industrializados, privilégio antes apenas de uma elite. O acesso à informação é amplo e ilimitado através da internet, televisão e jornais, que estão em contato com todos os países do mundo. Nossa sociedade está cansada da frieza das máquinas polivalentes. Ela busca o calor da amizade, do carinho que apenas uma pessoa pode dar.

Voltando para a citação com que iniciamos este artigo, quando um indivíduo morre, morre uma parte do todo. Sentimos isso. Haiti, Rio de Janeiro, Chile, Japão. Ajuda humanitária internacional. Nós sentimos a dor. A desgraça nos angustia. “Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.”

Além da demagogia, aquém da necessidade

Quando pensamos nos problemas do mundo, logo nos vem à mente aquilo que as políticas públicas poderiam fazer e não fazem. O filme nos mostrou problemas mundiais como a destruição ambiental, olhados tanto pela ótica de uma estudiosa (alguém que teria soluções sensatas) quanto pela de um candidato à presidência dos EUA (alguém que teria soluções demagógicas).
Ficou claro que as soluções, apesar de serem possíveis, encontram uma barreira firme, solidificada nos interesses econômicos dos grupos de pressão, principalmente. Também tornam-se difíceis as soluções viáveis pois nos acostumamos a estudar e ver o mundo fragmentado, estudando as partes cartesianamente e não o todo sistematicamente. Tal visão, ao mesmo tempo que busca soluções para um problema, pela falta de integração, acaba prejudicando ainda mais outro. Exemplificando essa afirmação, podemos citar a inserção de elementos estranhos na cadeia alimentar: para acabar com uma praga, inserem em grande volume o seu predador. Mas e depois? Quem dará cabo à esse predador? Somente criamos uma nova praga.
É assim que em geral funciona o mundo, desestabilizamos o meio para solucionar um problema que nós mesmos criamos, aumentando e criando novos problemas que consequentemente também precisarão de soluções. Geramos um "efeito-dominó gigante". Algo como um câncer que vai se ramificando e destruindo as células boas.
O método cartesiano de análise é bom, se visto como forma de estudo para sistemas fechados, mas se analisamos a biosfera ou as relações humanas, vemos que tudo se encadeia e se estudamos cartesianamente esse todo, sempre há algo que fica de fora. Esse elemento excluído é o que gera os problemas futuros.
As soluções para os problemas mundiais vão muito além do discurso dos palanques e está muito aquém das reais necessidades. Somente na visão utópica é fácil a solução: só encontrarmos um político que efetive as políticas públicas. Mas, como ele será eleito senão pela ajuda dos grupos de pressão? Não adianta encher um discurso demagógico falando em "conscientização popular" se aqueles que realmente detém o "cabresto" do mundo não se preocupam se no mundo dos filhos deles o ar será um lixo ou se a água não será potável.
O filme deixa claro, enfim, que não há uma solução efetiva, somente as infinitas possibilidades (cartesianas) de resolver os problemas localizados.