Era uma vez um reino encantado. Sob um sistema capitalista, o território era cheio de fábricas e indústrias, onde todos os seres fantásticos trabalhavam. “Trabalhe e você viverá feliz para sempre” era o lema do reino (um pouco maldoso, se quer saber minha opinião. Mas quem sou eu para dizer algo, certo? Apenas uma funcionária da corte, responsável por redigir as notícias do dia). Pois bem, vamos lá paras as manchetes de hoje, então: “A pequena livraria local de Bela entra em falência após maior tributação de livros”; “Três fadas se dizem cansadas por trabalharem durante 16 anos cuidando da Bela Adormecida sem os devidos direitos trabalhistas”; “Ariel reclama dos lixos no oceano, poluição vinda das fábricas preocupa”. É, parece que o reino não era tão encantado afinal (Registro encontrado momentos após a funcionária da corte ter sido despedida por ordens do governo real).
Essa é a parte boa da ficção. Ela faz com que os indivíduos percebam a realidade de uma forma diferente, divertida, criativa. Por mais impossível que uma ficção seja, ela representa o mundo real de alguma forma (até porque o autor está inserido nessa realidade).
De fato, como apresentado no conto, a tributação de livros causa muitas consequências sociais. Primeiramente, a tributação traria uma desigualdade ainda maior, elitizando o acesso aos livros e, por conseguinte, o conhecimento. Se bem que, segundo o Ministro da Economia, o governo resolveria isso fazendo doações de livros. O que nos traz a outra questão: a população receberia livros escolhidos pelo governo, ou seja, haveria um preocupante controle de massas. Ao não poderem escolher seus próprios livros, os indivíduos leriam sobre os mesmos temas (definidos pelo governo). Assim, não surgiriam questionamentos ou distinção de pensamento, visto que, segundo Marx e Engels, “ela (a burguesia) cria o mundo a sua própria imagem e semelhança”.¹ E, por fim, as pequenas livrarias ainda passariam por uma enorme crise.² Então, embora a imunidade tributária sobre livros exista desde 1946 e tenha sido adotada também pela Constituição de 88, o governo atual tenta constantemente desprezar o Direito.
E, ao falar da relação entre o Estado e o Direito, chega-se à segunda discussão do conto: direitos sociais (incluindo, aqui, direitos trabalhistas). Estes, por sua vez, demoraram para surgirem e serem regulados juridicamente, já que apenas no século XX temos a perspectiva de garantias nas relações de trabalho (com a OIT em 1919 e a CLT em 1943, por exemplo). Isso demonstra que, por muito tempo, houve lutas sociais longas para alcançar tais direitos. Contudo, o que são esses mecanismos sociais, essas garantias fundamentais, em uma sociedade do capitalismo flexível? Esses direitos não trazem vantagens (lê-se aqui lucro, é claro) aos empresários ou políticos neoliberais. Esses direitos “atrasam” a economia, é o que dizem. E o que será do trabalhador, dos pequenos comerciantes, dos funcionários, nesse mundo capitalista onde os direitos são meros instrumentos de fachada? Ocorre, infelizmente, uma fragilização das relações trabalhistas, o indivíduo enfrenta uma rotina em que o trabalho é sempre a prioridade (se não for, o indivíduo é demitido), e os empregos se tornam cada vez mais instáveis.
Quanto à poluição e ao lixo nos oceanos, quem dera o problema fosse apenas um conto. Estatísticas mostram que até 2040, o plástico nos oceanos triplicará.³ E é evidente que o sistema capitalista não pode se eximir da culpa. Obsolescência programada, consumismo, descarte incorreto, tudo isso já foi discutido várias vezes. Então porque o problema não é resolvido? Porque não é interessante para os fins lucrativos, é claro. Todos os mecanismos mencionados fazem do capitalismo o que ele é: um sistema competitivo e exaustivo, que se concentra nos aspectos financeiros, não nos sociais ou ambientais. Aliás, durante a pandemia, temos cenários contrastantes. Por um lado, a poluição do ar diminuiu pelo menor uso de automóveis. Por outro, o consumo de embalagens descartáveis aumentou, em decorrência dos serviços de entrega. E quando crises econômicas surgem, as ações governamentais tendem a ignorar os problemas socioambientais. Deve-se encontrar um equilíbrio, restaurando a economia após a pandemia de forma a não causar mais prejuízos à sociedade e à natureza.
Enfim, todos os problemas apresentados, e muitos outros, envolvem o capitalismo flexível que não permite um desenvolvimento social justo. O Direito é desprezado pois seu objetivo não compactua com o do capitalismo. Enquanto o primeiro tenta estabelecer relações justas e garantias que assegurem uma vida digna ao indivíduo, o capitalismo se importa simplesmente com o crescimento econômico e financeiro, sem qualquer assistência social. Tudo que entra no caminho do lucro e do trabalho constante, é insignificante e, consequentemente, desprezado pelo capitalismo. E isso não ocorre só em conto, não.
Referências:
¹ Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels
Mariana Pereira Siqueira – 1° ano Matutino