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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Bourdieu e o caso Pinheirinho

 Em 22 de janeiro de 2012, a operação policial cumpriu a decisão da juíza Marcia Loureiro de uma imediata reintegração de posse do Pinheirinho. A região, localizada em São José dos Campos, foi inicialmente ocupada por pessoas que não tinham acesso à moradia, dando formação ao bairro do Pinheirinho. No momento em que a empresa Selecta teve a sua concessão de ação de reintegração de posse e a operação policial aconteceu, situavam-se na região aproximadamente 6 mil habitantes há cerca de 8 anos. Além de desabrigados, sofreram com diversas violações de direitos humanos durante a operação. A decisão judicial foi alvo de críticas, entre elas estavam incluídas as do ponto de vista jurídico. 

A primeira delas dizia respeito a uma suposta fraude na escritura do terreno. Além disso, a empresa Selecta não havia exercido a posse, o que difere do conceito de propriedade. Ademais, a medida liminar concedida a empresa não estava em conformidade com a lei, na qual apenas permite esta dentro de um período de um ano de ocupação, enquanto que a ocupação já ocorria há 8 anos. Por fim, caso a função social da propriedade não seja cumprida, quando o dono deixa de satisfazer os ônus fiscais por exemplo (que era o caso da empresa Selecta), não terá mais garantias judiciais correspondentes. Desse modo, percebe-se a variedade de dispositivos jurídicos que se opunham a decisão concedida. 

No entanto, apesar das controversas, a decisão foi estabelecida. Isso se deve ao fato do Direito estar inserido no que é denominado “poder simbólico” por Pierre Bourdieu. Segundo este, o poder simbólico é o poder que impõe como o mundo será visto e compreendido. Para isso, todas as distorções da realidade terão explicações lógicas que assegurarão a consistência da estrutura de dominação. Assim, as atribuições simbólicas arbitrárias ganham uma aparência natural e racional. O instrumento para que seja possível construir essa aparência é sustentado tanto pelas relações de força, que conferem estrutura ao campo jurídico, quanto pela lógica interna do direito, que delimita as soluções que serão incluídas nesse campo. 

Segundo a juíza, o direito à propriedade e à moradia estariam na mesma hierarquia e por isso, ela teria que pesar os dois. No entanto, ela não levou em conta todos os fatores e consequências de uma decisão tão importante. Se os direitos à propriedade e à moradia são equivalentes por serem direitos fundamentais, o que serão dos direitos à vida dos milhares que sofreram com essa violência, ou a dignidade após serem despejados? De acordo com Bourdieu em “O Poder Simbólico”, “O Direito é a forma por excelência do discurso actuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos” (p.237). Assim, não é por acaso que as decisões tendem a priorizar quem tem mais poder em detrimento dos com menos. Os fatores socioeconômicos infelizmente são colocados na balança de uma decisão. Vivemos em uma sociedade na qual o valor econômico, na maior parte das vezes, predomina sobre a dignidade humana. Por isso que a decisão da juíza, por mais controversa que seja, acaba tendendo aos interesses da empresa.


Luisa K. Herzberg 

2º semestre Direito matutino 

Turma XXXVIII