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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Capitalismo como embate cultural

O sistema capitalista teve sempre como princípio orientador a ideia de que a produção incessante de capital e o máximo acúmulo de bens devem ser encarados como uma razão a ser seguida, uma finalidade última para o homem. É interessante pensar que a ânsia pura e simples por lucro, porém, talvez não seja fruto desse mesmo sistema. Essa dúvida é colocada a prova por Max Weber, que investiga a questão na sua obra "A ética protestante e o espírito do capitalismo". Citando o próprio, "(...) Pode-se dizer que tem sido comum à toda sorte e condição humana em todos os tempos e em todos os países da Terra, sempre que se tenha apresentado a possibilidade objetiva para tanto."
O embate cultural é causa justamente desse princípio do ganho por si mesmo. Seja natural do ser humano ou do capitalismo, no âmbito da doutrina católica, essa ideia sempre foi vista como uma postura que ia contra a ética cristã, afinal, pelo menos em questões teóricas, o empreendimento material sempre foi visto com indiferença pelos olhos do catolicismo, devido ao desprendimento em relação as "coisas mundanas". O surgimento de uma nova ética, a protestante, foi totalmente oportuna para o fortalecimento capitalista. Uma ideia que ligava a ideia de virtude e eficiência não a ideais como humildade, a caridade e o desprendimento á vida material, como viam os católicos, mas sim o trabalho árduo, a competência para ganhar e produzir e o despojo gerou então um pretexto para seguir uma ideia que, citando Weber novamente, "(...)tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente o princípio orientador do capitalismo"


Um mundo onde deseje-se produzir, consumir, trabalhar e evoluir de acordo com necessidades reais não é, de forma alguma, um mundo capitalista. Apesar de esse ser o mundo com o qual todos sonhamos e tentamos nos empenhar para torna-lo real, vivemos hoje em um ciclo vicioso e autodestrutivo, no qual o produtor age sem pensar em absolutamente nada e ninguém a não ser o próprio lucro. O consumo, conforme aliás como somos orientados a fazer, é feito de forma desenfreada, frenética e irracional, gerando incontáveis consequências para tudo e todos, inclusive o próprio sistema capitalista, que vem existindo desde a sua origem permeado de crises crônicas, que parecem ser partes intrínsecas desse modo de produção.

O Capitalismo na Conduta Humana

No capítulo dois do livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Max Weber, percebe-se que os axiomas de Benjamin Franklin definem não só preceitos capitalistas, mas também a conduta humana principalmente em relação ao trabalho.
Essa nova ética contraria o paradigma católico que prevalecia na Europa. Ao contrário do artesão que trabalhava apenas para prover suas necessidades, o capitalista visa ao lucro e toda sua conduta é pautada no acumulo de capital. Assim, o trabalho deixa de ser simplesmente uma forma de adquirir as necessidades materiais. Portanto, sob a ótica capitalista acumular riquezas, trabalhar arduamente relaciona-se com a ideia de virtude e eficiência e não a ideia de ganância e desonestidade.
A Igreja Católica sempre olhou o desenvolvimento capitalista com muitas ressalvas, uma vez que o lucro, a usura, eram considerados pecados por esta instituição. Dessa forma, a doutrina protestante ganhou terreno entre os novos capitalistas, pois na sua ética o trabalho era visto de maneira diferente do catolicismo e de acordo com os anseios dos novos capitalistas.
Frequente e erroneamente, confunde-se a ética capitalista com a ânsia por lucro. Erroneamente porque a ânsia por lucro está presente na sociedade desde a Antiguidade. O capitalismo traz consigo a ideia de racionalização. Racionaliza a economia; a ciência (utiliza e depende das inovações científicas); as relações jurídicas; e portanto racionaliza a humanidade.
Um exemplo desse fenômeno é o "America way ps life" desenvolvido nos Estados Unidos no século XVIII e produz efeitos até os dias de hoje. Sendo assim, nota-se que o Capitalismo não muda apenas o rumo econômico da sociedade, mas também a cultura, uma vez que interfere na conduta do indivíduo, nos seus projetos de vida, nos seus hábitos e costumes, e até mesmo na religião.


Weber, capitalismo, fé e a relação que move a sociedade moderna

No capítulo II, denominado “O espírito do capitalismo”, do livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Max Weber busca analisar o capitalismo e algumas de suas nuances, passando por aspectos do capitalismo tradicional e do capitalismo moderno.

Para definir o que seria a primeira feição deste modo de produção (a tradicional), o autor relembra alguns ensinamentos de Benjamin Franklin, tais como: tempo é dinheiro, crédito é dinheiro (juros), o dinheiro tem natureza prolífica e geradora, “o bom pagador é dono” ou “o bom pagador é dono da bolsa alheia”.

Por outro lado, contrastando com essa visão de simples audácia comercial e inclinação pessoal moralmente imparcial, aparece a figura do capitalismo moderno, do lucro entendido como que por si só, detentor de “um caráter ético de uma regra de conduta de vida”, como dizia Weber.

E esta segunda expressão do modo capitalista é justamente a de nossos dias. É o enriquecer por enriquecer, sem visar qualquer tipo de objetivo maior. É uma verdadeira obrigação imposta pelo coletivo, um poderoso fato social bastante difundido em nossa sociedade ocidental. Para Max, “do ponto de vista da felicidade ou da utilidade para o indivíduo, parece algo transcendental e completamente irracional”. Porém, uma análise mais aprofundada é capaz de mostrar que esta forma de geração de riqueza se constitui num “evidente guia do capitalismo”. Simultaneamente, Weber aponta o paralelismo entre este tipo de raciocínio com algumas ideias religiosas, como as da igreja protestante. Enquanto que a Igreja Católica pregava, e ainda prega, a condenação da usura, os protestantes entendiam o sucesso nos negócios como uma recompensa divina.

Em nossos dias, percebe-se uma intensificação dessa visão de premiação divina. Vemos a globalização cada vez maior, a comunicação em altíssimas velocidades, o dinheiro especulativo a cada momento mais voraz. A cada dia, há menos espaço para o entendimento religioso contrário aos objetivos capitalistas, ao passo que as crises econômicas mundiais são cada dia mais frequentes. É a crescente relação mutualística entre o capitalismo moderno e a fé, misturados e compreendidos dentro de um mesmo modo de pensamento, de estilo de vida moderno e de futuro completamente incerto.