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sábado, 5 de novembro de 2011

O paradoxo contemporâneo da racionalização do Direito.

              Em diferentes contextos políticos na História o direito persiste, o que nos leva à perspectiva de autossuficiência deste, para além dos governos, puramente para a organização da sociedade. Mesmo assim, o direito é restringido por fatores econômicos, morais ou políticos.  Desta forma o judiciário e legislativo mostram-se como uma peça para o funcionamento equilibrado do estado, do poder, e não meramente a representação da vontade do povo.
Quanto maior o grau de sacralização atribuído ao Direito maior é a possibilidade da influencia política sobre este. Na Idade Moderna, por exemplo, o monarca tinha plenos poderes sobre o âmbito jurídico, e fazia deste uma realização de suas vontades pessoais e políticas. O mundo contemporâneo veio acompanhado de inúmeras mudanças que possibilitaram o processo de dessacralização e racionalização do Direito. 
Na atualidade a cientificidade é uma das condições do Direito, havendo desta forma uma formalização abstrata do direito.  Esta racionalização do Direito entra em conflito, contudo, com a persistente consciência coletiva. Além disto, esta extrema abstração formal faz que o operador limite-se à ótica formal do direito. Passa, muitas vezes, a ser um simples repetidor de códigos enquanto deveria ser um cientista social completo. A essencialidade de se entender a dinâmica social em que se insere, por exemplo, mostra-se inexistente.
Além disso, a formalidade do Direito o afasta das camadas populares, segundo Webber “Justiça formal é do interesse dos economicamente mais poderosos”.  Aqueles que têm condição de defender seus interesses por meio de um processo conseguem se valer de forma mais adequada da ciência jurídica. Soma-se a isto a desigualdade profissional de operadores do Direito em nosso país e o difícil acesso dos menos favorecidos a bons profissionais que lutem pelos seus direitos. Além da falta de informação da camada social desfavorecida sobre seus direitos.
                Parece que em meio à racionalização do Direito parece que a perca do caráter humano deste, o que aumenta as chances de um julgamento injusto, ainda que extremamente ‘racional’.  Desta maneira, surge na sociedade contemporânea um paradoxo referente à racionalização do Direito.

Influência da religião da sociedade atual


Para que o capitalismo se firmasse e se desvencilhasse do misticismo da Idade Média, era preferível para a burguesia a abstração do direito do que o direito ao sabor das vontades e dos interesses daqueles que regem a sociedade. Quando a nobreza, o rei ou a Igreja que podiam mudar o Direito ao seu bel prazer não havia segurança nos contratos e seria impossível a burguesia se expandir com um sistema jurídico que expressasse vínculos e vontades pessoais.
Desde antes da construção da sociedade capitalista moderna, laivos de racionalidade apareceram de acordo com a proximidade dos governantes e lideranças sacerdotais: quanto mais determinados reinos propunham profissionalizar o poder, mais se aproximavam dessa perspectiva de racionalidade. São premissas que apontavam para o futuro. É uma relação dialética que devemos enxergar na nossa observação da realidade.
A sociedade científica se vale da ciência como sua ferramenta fundamental ao contrario de outras sociedades, buscando sempre a impessoalidade e a racionalização. 
O sagrado e o político são os dois elementos que expressam um conteúdo de irracionalidade, mas que continuam impregnando as possibilidades de racionalização do jurídico.
Na discussão da semana passada vimos que a possibilidade dos contratos possibilita a estabilidade, nas sociedades islâmicas ele não é pura e simplesmente racional, levando em conta também a religião. Em tais sociedades, o sagrado está entrelaçado com o Direito. Eles caminham juntos. Mesmo nas sociedades mais avançadas do oriente, que são até relativamente democráticas, os aspectos religiosos não somente influenciam, mas são a maior fonte de poder.
Caminhamos no sentido contrário daquilo que o Weber preconizava na racionalização do direito: leis universais que abarcassem a sociedade como um todo e não pequenos grupos e interesses na sociedade. Se voltássemos os olhos para pequenos grupos voltaríamos às formas pretéritas de normas: protegidos do sacerdote, oligarquias. Caminhamos para uma especialização ao invés de uma universalização. Isso na sociedade ocidental; na oriental até podemos falar de uma universalização das normas, mas elas somente são universais porque são derivadas do sagrado e, para que tenha tamanha influencia na consciência coletiva, é necessário que seja aplicável a todas as pessoas, pelo menos os deveres, os direitos, todos sabemos, há restrições, principalmente no caso feminino.
Até mesmo na no Brasil fica escancarado ainda a influência da Igreja na normatização. Já dizia o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, dita laica:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."
Não é possível isolar-se das sociedades contemporâneas os componentes vinculados da religião e dos interesses pessoais. A ideia de que a modernidade promoveria um desencantamento e uma proposição da impessoalidade, é permanentemente confrontada e o Direito tem que dar conta disso, pois perde o contato com o real. Para entender a sociedade contemporânea, não puramente pós–moderna, mas com relações sociais pretéritas, o jurista perde o contato com o real, com a sociedade concreta. 


Desamarrando a sociedade

Como é possível, mesmo na modernidade, nos desvencilharmos daquilo que faz parte da sociedade humana desde os tempos remotos, ou seja, os elementos que tendemos a chamar de irracionais? Apesar de vivermos o ímpeto da racionalidade, o sagrado e o político continuam impregnando a normatividade jurídica.

Ao contrário das expectativas do próprio capital e dos autores que possibilitaram a criação da civilização capitalista, não é possível se arrancar das sociedades contemporâneas os componentes vinculados à religião e às paixões pessoais. A ideia de que a modernidade promoveria um desencantamento e uma imposição da impessoalidade é permanentemente confrontada por resquícios de um tempo pretérito.

Em diversos aspectos, a vontade de arrancar o sentido de justiça da sua primitiva irracionalidade formalista foi uma realidade (as novas formas de poder, normatização), porém, empiricamente, o Direito ainda carrega muito do passado, muito da prevalência do sentimento concreto de justiça (justiça popular) em detrimento do sentimento universal. A sociedade moderna precisa abrigar não a consciência coletiva, mas sim um direito com características universais, justamente porque são múltiplas as opiniões e as condições. Se em determinada dimensão prevalece o sentimento religioso, em outra o pensamento cientifico, em outra o místico, na modernidade, a perspectiva deve ser de um direito que fuja ao sentimento popular de justiça. A perspectiva da racionalidade do direito é a superação do sentimento concreto.

Entretanto, não há a possibilidade de uma justiça ótima nesse direito moderno, porque ele está preso a provas processuais, utiliza-se de uma verdade relativa. Por isso, muitas vezes, a sentença é leve e causa uma comoção social por não atender à expectativa da consciência coletiva. O juiz não analisa a perspectiva social, o motivo do ato, mas sim o que lhe é apresentado. Assim, o ativismo acaba sendo a única maneira de se englobar as questões sociais, e na maioria das vezes, atua nas margens que o formalismo processual deixa naquilo que o direito ainda não contempla. Quando o operador quebra as regras, ele quer ir onde há invisibilidade, ao que não é dito, mas existe. Aquilo que apenas pela lente do direito ele não consegue ver, ele necessita de outras ciências, outras disciplinas para entender que há camadas muito mais profundas a serem estudadas.

Apesar das preposições, ainda permanece a indagação feita por muitos: até que ponto é viável ao direito excluir totalmente o sagrado em suas discussões?

(IM)pessoal

Quando se fala no direito, é necessário salientar que é feito por homens e para homens. A arte do direito é essencialmente política , pois é uma ciência cujo objeto de estudo é o ser, porém este é envolvido por valores, crenças, opiniões e fé. Então é um estudo do “dever-ser”, daquilo do mais provável, mais adequado, mais aplicável.O homem é um ser necessariamente social, ou seja, precisa de relecionar-se com indivíduos da mesma espécie porém diferentes. O que significa isto? Uma das características básicas do nosso sistema atual é a divisão de classes,isto é, a característica principal do capitalismo é a heterogeneidade. Sendo a humanidade uma raça igual (formada por homens), porém diferente, podemos dizer que o direito( que é uma ciência que analisa as relações dos indivíduos entre si, focando a interpretação normativa e axiológica) se define pelo dissenso. Ou seja,se define pela possibilidade do debate, da discussão. Um juiz, por exemplo carece, para efetuar sua sentença, com base na dialética, da contradição de opostos. Ora, se não há a tese e a antítese, não há como o juiz efetuar a síntese e não como o mesmo proferir a sentença.Outro ponto a ser discutido é que, segundo Freud, o homem é formado pelo ID( princípio do prazer), pelo EGO( princípio da realidade) e pelo SUPEREGO( princípio da razão). Para ele o ser social é formado por vários “EUS”. Assim analisa a linguística: eu sou EU quando falo; eu sou VOCÊ quando escuto; eu sou ELE quando saio, portanto eu sou NÓS. Além disso o ser social também é prioritariamente um ser emocional: se o homem é misto de corpo e alma , coração e mente, logo é misto de razão e emoção. Para Marx o homem sente,primeiramente, depois pensa e age. Aristóteles já dizia: “não há nada que chegue ao intelecto que não passe pelos sentidos”. Sendo assim fica difícil a racionalização do direito, por exemplo, principalmente pelo fato de ser composto por e feito para um ser altamente influenciável, segundo Weber, pela cultura e pelos valores; para um ser altamente mutável; para um ser emocional; para um ser essencialmente maquiavélico( que se adapta de acordo com as circunstâncias) e para um ser necessariamente “ator”( que interpreta tantos papéis quantos forem os palcos).A pergunta que fica é como racionalizar uma ciência humana? Como racionalizar um misto de irracional e racional? Protágoras antes de Sócrates já dizia que a “verdade não passa de uma convenção entre os homens”. Mas basta apenas o consenso para solucionar este problema? Weber diz que para a total racionalização do direito é necessária a impessoalidade e o desencantamento. Mas como ser IMPESSOAL em uma ciência tão PESSOAL?

Sociedade racional?

Na idade moderna a razão ganhou destaque e passou a ser paradigma da sociedade. Para os intelectuais, a razão era o caminho a ser seguido. Dizer que o homem era o único animal racional era frase típica dos intelectuais da Idade Moderna. Rapidamente a razão tornou-se um valor abraçado pela sociedade. Porém, é válido questionar se a a sociedade moderna é racional.

Questões como a religião (o islamismo, por exemplo), a justiça popular que vem do senso comum (pena de morte nos Estados Unidos, por exemplo), comprovam que o sagrado ainda tem lugar na sociedade, portando esta não foi completamente racionalizada. Weber faz considerações sobre o embate entre o racional e o sagrado, e afirma que o racional não consegue prevalecer totalmente.

A sociedade dos contratos, dita a sociedade racional, ainda recebe influências culturais consideradas irracionais, como por exemplo, a moralidade cristã. Portanto, o direito ainda possui elementos irracionais, isto é, o sagrado ainda tem espaço no direito atual. É óbvio que com o passar do tempo vários Estados ocidentais se laicizaram e a política se desvencilhou da religião, e o caráter racional do direito ganhou mai força, contudo permaneceram resquícios da moralidade cristã e elementos do senso comum influenciam o direito.

Assim posto, fica a questão, vivemos em uma sociedade racional?

Ainda em fase de desenvolvimento...

O sagrado foi a primeira forma de interferência irracional no Direito, mas ainda hoje podemos perceber que o racional nem sempre prevalece de todo. Apesar do desencantamento e da impessoalidade constituírem o alvo da sociedade moderna, ela continua impregnada de relações sociais pretéritas, o passado continua impregnado no presente. No Brasil mesmo, só se descriminalizou o adultério em 2005, reflexo da forte presença da moral cristã em um Estado que se denomina laico.
Esse processo de retirada do irracional do âmbito do Direito envolve uma série de aspectos. Primeiramente, o formalismo abstrato das normas escritas obstaculiza a ação dos governantes, impondo amarras antes inexistentes ao exercício de seu poder, e concedendo uma maior liberdade aos indivíduos em relação ao arbítrio da autoridade, que já não se funda num poder divino. A racionalização também impede que o direito aja em questões que não apresentam provas suficientes, não correspondendo muitas vezes a esse “sentimento concreto” de justiça. No entanto, esse direito que busca o puramente racional permite uma estabilidade e um cálculo dos procedimentos que o direito antigamente não permitia, também é importante enfatizar o aspecto da luta pacífica de interesses que surge com o processo.
Devido a essa complexidade das questões que envolvem o sagrado, o projeto da sociedade moderna de utilização das ciências acima de tudo pode ser considerado ainda em fase de desenvolvimento. O direito auto-suficiente, que serve apenas para organização da sociedade e não a interesses de dominação, acumulação ou ideológicos, não foi ainda alcançado. Não é raro observarmos embates entre religião e direito hoje em dia, ora porque o direito acopla ainda algo que envolva religião, ora porque deseja neutralizar ou proibir algo que envolva religião. A título de exemplificação de situações deste tipo, tem-se a seguinte matéria publicada na Folha.com:

França emite primeiras multas contra mulheres que usam burca



Um tribunal francês multou nesta quinta-feira uma mulher muçulmana em € 120 (cerca de R$ 302) por vestir em público uma burca, veste que cobre todo o corpo, só deixando uma tela sobre os olhos. Ela disse que vai recorrer da decisão no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para obrigar a França a suspender a nova lei que proíbe o uso da burca.
A mulher, Hind Ahmas, mãe de três crianças, afirmou que também iria recorrer da sentença em um tribunal francês, com o apoio do empresário francês Rachid Nekkaz, que prometeu pagar todas as multas impostas sobre as mulheres que usarem burcas.
Outra mulher, Najate Naitali, foi multada em € 80, à revelia, por um tribunal na cidade de Meaux, no nordeste de Paris. Essa foi a primeira sentença dada por uma corte por infração à proibição de uso da burca desde que a lei entrou em vigor, em abril.
"[Isso] viola as leis europeias. Para nós, a questão não é o valor da multa, mas o princípio. Não podemos aceitar que as mulheres sejam condenadas porque estão expressando livremente suas crenças religiosas", disse Ahmas a jornalistas fora do tribunal, onde um grupo de simpatizantes também estava reunido.
"Enviaremos os requerimentos necessários para trazer essa questão ao Tribunal Europeu e obter o cancelamento dessa lei, que é de qualquer forma uma lei ilegal", afirmou ela.

Direito Contemporâneo

Durante a maior parte da ‘História do Direito” a religião era uma característica intrínseca da natureza jurídica. Tal fenômeno proporcionou uma maior facilidade em governar as leis, pois quando elas são exclusivamente divinas os governantes tem um certo “limite” para governar, não podendo ir contra os dogmas religiosos.
Entretanto, com o advento e concretização da sociedade mercantil, ocorreu no Direito o que chamamos de “racionalização”. Certas normas religiosas começaram a entrar em conflito com o direito vigente. E quando a política começou a ganhar maior destaque na sociedade em detrimento da religião, o direito serviu de ferramenta para interesse de pessoas e vontades de grupos.
As mudanças no âmbito jurídico são visíveis: a necessidade de provas para dar veracidade aos fatos ocorridos e a criação do contrato escrito, que garante proteção tanto ao contratado quanto ao contratante.
Com o Direito racionalizado, os políticos comemoraram a desobrigação de cumprirem à risca certos dogmas religiosos, na qual impedia-os de realizarem determinados atos condenados pela Igreja,
Atualmente, mesmo nos Estados considerados laicos, ainda há uma mínima influências religiosas na política, mas insuficiente para impedir o governante de agir de determinada forma. A política tem sido o baluarte do direto , estando sempre conectados.
Contudo, há uma corrente de pensadores que criticam ferozmente esssa fase do Direito, como podemos ver a partir do pensamento do advogado Paulo Ferreira da Cunha:

"Que Direito pode ter uma sociedade desencantada, tendo em grande medida perdido as crenças escatológicas terrenas (ideológicas) e transcendentes (religiosas), com indivíduos (cada vez menos Pessoas) desenraizados em grande parte (da família, dos valores, dos afectos, até da compreensão do seu lugar no Mundo: pois desconhecendo em grande medida Pensamento, História e Geografia)? A ideia de um Direito Pós-moderno foi sedutora, até pelo apelo à fragmentaridade, hibridação, etc., mas não chega nem para captar toda a essência do Direito Contemporâneo, nem para apontar caminhos de superação da crise. Vivemos uma tardo-modernidade crítica em todos os sentidos. O que conseguiremos fazer a seguir?"