Para que o capitalismo se firmasse e se desvencilhasse do misticismo da Idade Média, era preferível para a burguesia a abstração do direito do que o direito
ao sabor das vontades e dos interesses daqueles que regem a sociedade. Quando a nobreza, o rei ou a Igreja que podiam mudar o Direito ao seu bel
prazer não havia segurança nos contratos e seria impossível a burguesia se expandir com um
sistema jurídico que expressasse vínculos e vontades pessoais.
Desde antes da construção da sociedade capitalista moderna,
laivos de racionalidade apareceram de acordo com a proximidade dos governantes
e lideranças sacerdotais: quanto mais determinados reinos propunham
profissionalizar o poder, mais se aproximavam dessa perspectiva de
racionalidade. São premissas que apontavam para o futuro. É uma relação
dialética que devemos enxergar na nossa observação da realidade.
A sociedade científica se vale da ciência como sua ferramenta fundamental ao contrario de outras sociedades, buscando sempre a impessoalidade e a racionalização.
O sagrado e o político são os dois elementos que expressam
um conteúdo de irracionalidade, mas que continuam impregnando as possibilidades
de racionalização do jurídico.
Na discussão da semana passada vimos que a possibilidade dos
contratos possibilita a estabilidade, nas sociedades islâmicas ele não é pura e
simplesmente racional, levando em conta também a religião. Em tais sociedades, o sagrado está entrelaçado com o Direito. Eles caminham juntos. Mesmo nas sociedades mais avançadas do oriente, que são até relativamente democráticas, os aspectos religiosos não somente influenciam, mas são a maior fonte de poder.
Caminhamos no sentido contrário daquilo que o Weber preconizava
na racionalização do direito: leis universais que abarcassem a sociedade como
um todo e não pequenos grupos e interesses na sociedade. Se voltássemos os
olhos para pequenos grupos voltaríamos às formas pretéritas de normas:
protegidos do sacerdote, oligarquias. Caminhamos para uma especialização ao
invés de uma universalização. Isso na sociedade ocidental; na oriental até podemos falar de uma universalização das normas, mas elas somente são universais porque são derivadas do sagrado e, para que tenha tamanha influencia na consciência coletiva, é necessário que seja aplicável a todas as pessoas, pelo menos os deveres, os direitos, todos sabemos, há restrições, principalmente no caso feminino.
Até mesmo na no Brasil fica escancarado ainda a influência da Igreja na normatização. Já dizia o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, dita laica:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."
Não é possível isolar-se das sociedades
contemporâneas os componentes vinculados da religião e dos interesses pessoais.
A ideia de que a modernidade promoveria um desencantamento e uma proposição da
impessoalidade, é permanentemente confrontada e o Direito tem que dar conta
disso, pois perde o contato com o real. Para entender a sociedade
contemporânea, não puramente pós–moderna, mas com relações sociais pretéritas,
o jurista perde o contato com o real, com a sociedade concreta.