Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade.
(Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
Em sua obra, O manifesto comunista, Karl Marx descreve diversos aspectos da burguesia, desde seu surgimento até sua "inevitável" queda. Refletindo sobre o percurso dessa classe daquela época, o livro foi publicado em 1848, até os dias de hoje, é incrível seu comportamento e desenvolvimento.
Desde seu surgimento, essa classe empreendedora foi revolucionária. Responsável por toda a alteração da ordem social do feudalismo, ela conseguiu dominar não só o campo econômico, como também o político e o social. A formação das Monarquias Nacionais dependeu diretamente da burguesia. Para Marx, a centralização política foi uma consequência das transformações feitas por ela para dominar os meios de produção, a propriedade e a
população. Ele afirma que poder político é o meio de opressão entre classes. Dessa forma, com a dependência dos reis para manter a centralização de seu poder, a burguesia foi se fortaleceu e dominou toda a sociedade.Cada avanço seu foi seguido por um progresso político correspondente.
Vale lembrar também a importância dela para os avanços científicos. A burguesia foi pioneira na valorização da razão humana, utilizada para empreender. E quantos avanços não houve desde então! Quando os mercados da Europa estavam saturados, a burguesia apoia e financia a aventura ultramar, e como resultado dessa ânsia de "estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda, parte" tivemos a globalização. Além das duas revoluções industriais sempre visando aumentar a produção e o lucro, que transformaram radicalmente os meios de produção, e a mais recente revolução técnico-científica. Hoje, ela conseguiu transformar até mesmo a cultura em um meio lucrativo, com a criação de um industria cultural, responsável pela uniformização de valores e comportamentos.
Todos esses fatos foram simultâneos com diversas lutas de classe. Ela já batalhou contra a aristocracia, o clero, ela própria (conflitos por concorrência) e, principalmente, o proletariado. Nas palavras do próprio Marx, A burguesia vive em guerra perpétua.
É claro que tudo tem um preço, e todos pagamos pelas consequências de suas transformações. Seja pela destruição do planeta, dos laços familiares e sociais, que se tornaram meras relações de interesses, ou a redução do operário a mera mercadoria e das crianças em "objetos de comércio", ou então, a transformação da política em uma atividade altamente lucrativa.
Por mais triste que sejam os resultados de um mundo construído pela burguesia e dos ideias por ela propagados, não tem como deixar de se impressionar com sua performance, desafios enfrentados e avanços ao longo dos séculos.
A música "Do The Evolution" da banda estadunidense Pearl Jam conta em sua letra e seu videoclipe a história da humanidade a partir de uma visão bastante crítica. Apesar de tratar de diversos aspectos e diversos momentos da história da humanidade abordados na música, a crítica feita por Eddie Vedder (autor da música e vocalista da banda) coincide com a crítica marxista quando fala do capitalismo ou de aspectos do capitalismo que estiveram presentes ao longo da história.
Dessa forma, é possível inferir aspectos presentes no Manifesto Comunista de Marx e Engels a partir de uma análise da letra traduzida e do videoclipe de "Do The Evolution". É importante lembrar que a música foi escrita em meados da década de 1990, quando a Guerra Fria havia acabado de chegar ao fim após um longo período com o mundo polarizado entre o bloco capitalista alinhado aos Estados Unidos e o bloco comunista aliado a extinta União Soviética.
Eu estou a frente, eu sou o homem Sou o primeiro mamífero a usar calças Estou em paz com a minha luxúria Eu posso matar porque em Deus eu confio É a evolução, querida.
Na primeira estrofe da música, é retratado no videoclipe o início da evolução a partir da formação do mundo (usando a teoria do Big Bang) e logo dos seres humanos. A letra trata da autoimagem que o homem tem como um ser dominador - o que também é mostrado no vídeo, no qual fica evidente o espírito de competição e a defesa humana dos próprios interesses (ou seja, o individualismo, traço fundamental do capitalismo que é criticado por Marx e Engels no Manifesto).
Além disso, aqui também cabe outra crítica marxista, mas agora com relação a religião. Ao dizer que "a religião é ópio do povo" em Crítica a filosofia do direito de Hegel, Marx fala do uso que é feito da crença religiosa, usada para convencer as pessoas a aceitar o sofrimento terreno. Ele defende que a própria crença religiosa é criada como uma reação a injustiça, mas acaba sendo instrumentalizada pelas classes dominantes para manter a submissão das classes oprimidas. Na música, Eddie Vedder faz uma referência ao momento medieval das Cruzadas, que provocou muitas mortes "em nome de Deus". Tanto a crítica marxista quanto a da música são ainda bastante atuais: ficam evidentes nas "guerras santas" promovidas por grupos fundamentalistas no Oriente Médio e no norte da África e em atitudes dos fanáticos evangélicos na política brasileira. Eu estou em paz, eu sou o homem Comprando ações no dia da quebra À solta, eu sou um trator Todas as colinas eu vou aplanar, é É a evolução, querida.
A segunda estrofe começa, tanto na letra quanto no vídeo, com referências a quebra da bolsa de valores de Nova York e a consequente Crise de 1929. Pode-se dizer que aqui se faz uma crítica ao "capitalismo selvagem" - termo que Marx utiliza em O Capital para tratar do momento da Primeira Revolução Industrial, no século XVIII (mais uma vez, a crítica marxista se faz bastante atual, seja para a crise de 1929 ou pro contexto contemporâneo).
Nesse momento, o clipe também faz referência ao estado nazista: cabe lembrar aqui que tanto a Primeira quanto a Segunda Guerra Mundial são consequências direta ou indiretamente do modelo capitalista de produção, considerando a necessidade de expansão constante de mercados que motivava o neocolonialismo. Além de mostrar a doutrinação promovida pelos estados totalitários no século XX, a música retrata as atrocidades cometidas ao retratar um campo de concentração. Admire a mim, admire o meu lar Admire o meu filho, ele é meu clone Esta terra é minha, esta terra é livre Eu faço o que quiser, mas irresponsavelmente É a evolução, querida.
Antes do início da terceira estrofe da letra, o vídeo faz referência a Revolução Francesa a partir da guilhotina. Marx reconhece no período das revoluções o caráter revolucionário da burguesia, que foi capaz de romper com o sistema estamental feudal e a dominação arbitrária do absolutismo. A partir daí, a burguesia liberta o potencial produtivo do qual o homem é capaz. Mas a burguesia faz isso para si mesma, enquanto a ideia marxista era que a classe operária formasse uma consciência coletiva de que é necessário estender isso a todos os grupos indistintamente. Apesar dessa superação, a própria música demonstra que em outros momentos da história as conjunturas econômicas do capitalismo - a partir de uma perspectiva marxista - levaram a dominações autoritárias e arbitrárias. Além disso, nesses regimes, as tão caras liberdades individuais (tal qual a liberdade de expressão) para a democracia-liberal (desenvolvida pela burguesia para que o sistema político se adequasse aos seus ensejos econômicos), foram fortemente suprimidas, deturpando o sistema que as motivou.
A letra também fala, nesse momento, sobre a propriedade privada, um dos principais fundamentos da sociedade burguesa e, por conseguinte, da democracia liberal e do capitalismo. Enquanto Marx identifica na propriedade privada o surgimento da desigualdade social, muitos dos textos liberais a defendem como um direito natural do homem, cuja proteção é o objetivo final (senão o único) do Estado. Burke, por exemplo, chega a defender que mesmo a desigualdade social é fruto da natureza humana e que não há porque lutar contra ela, em sua crítica a Revolução Francesa, no qual também ironiza o ideal de liberdade citado no texto.
Um elemento interessante que não aparece na letra da música, mas que é retratado no clipe, é a exploração dos escravos na construção dos grandiosos monumentos da antiguidade. Mostra também cruzes sendo vendidas, já que tornaram-se símbolos da religião católica - criticando novamente a religião (que ganha, como tudo, um caráter mercadológico no capitalismo) e o individualismo.
Admire a mim, admire o meu lar Admire o meu filho, admire minhas roupas Porque nós sabemos, tenho apetite para banquete noturno Esses índios ignorantes não conseguem nada de mim Nada, por quê? Porque... É a evolução, querida.
Finalmente, a letra da música referencia a importância do status dentro do capitalismo, que substituiu os privilégios hereditários dos estamentos medievais pelos privilégios a elite industrial e financeira, de acordo com cada um dos momentos do capitalismo - mais uma evidência do caráter revolucionário da burguesia. Trata também do "apetite" humano, com o qual pode ser feito um paralelo com a constante necessidade de expansão de mercados e aumento na geração de lucros do capitalismo. Finalmente, referencia os índios, principais vítimas do primeiro momento de expansão capitalista e de uma espécie de globalização primitiva nas Grandes Navegações do século XV.
Eu estou a frente, eu estou avançado Eu sou o primeiro mamífero a fazer planos Eu rastejei pela terra, mas agora eu sou mais alto 2010, veja tudo pegar fogo É a evolução, querida! Faça a evolução.
O Manifesto Comunista escrito por Max e Engels não pode ser
considerado uma profecia, mas sim um exercício de compreensão e interpretação
da realidade. Eles abordam o momento vivido na Europa de ascensão de uma classe
social. Eles depositam uma esperança muito grande na modernidade, e buscam, com
o socialismo, expandir o progresso humano, e não regredir, como muitos
acreditam.
O capitalismo surge a partir
do momento que o sistema feudal ou corporativo já não bastava para a demanda em
crescimento de novos mercados, passou-se a utilizar, portanto, o sistema de
manufaturas. Entretanto, esse sistema deixou de acompanhar o desenvolvimento
dos mercados e das demandas, necessitando portanto, que o vapor e as máquinas
assumissem esse posto, revolucionando a produção industrial. Marx e Engels
deixam claro também, que no capitalismo há uma liberdade imaginária.
A luta de classes e o
contraste e a oposição entre opressor e oprimidos sempre existiu, terminando sempre
com uma transformação revolucionária ou com a destruição das classes em
disputa. É importante destacar, entretanto, que a essa luta de classes nunca
foi tão exacerbada como ocorreu com o advento do capitalismo. Ademais, a
sociedade burguesa foi um fator muito importante para que a luta de classes
ocorresse de forma inédita. A tecnologia foi de extrema importância para a
superação da fragilidade orgânica pelo homem. Além disso, ela possibilitou,
através dos meios de comunicação, favorecer a união.
A forte crítica ao
capitalismo existente na obra Manifesto
Comunista também pode ser observada na música Capitalismo da banda Ratos de Porão e na imagem abaixo. A
condenação do capitalismo é baseada na exploração existente nesse sistema econômico,
seja sobre os trabalhadores ou por sempre visar o lucro, seja a partir das
guerras alimentadas ou da destruição da natureza.
Capitalismo - Ratos de Porão
Cultiva
guerras Destrói nações Dinheiro e poder Suas razões Capitalismo Um mal incurável Capitalismo O homem é irresponsável
Capitalismo Destrói natureza Mata animais Só o dinheiro importa O restante são coisas banais Mal incurável
Capitalismo Ganância e ambição Em qualquer situação Está gerando um caos na humanidade Esta é a triste realidade.
O que impressiona dos escritos feitos por Marx e Engels é como estes ainda
são verídicos ainda hoje. Sua tese foi tão revolucionária que não passou a ser
totalmente obsoleta ou superada, até hoje, movimentos de esquerda se baseiam em
ideias marxistas como base de ação. Porém, alguns podem afirmar que é
justamente essa falta de atualização do pensamento marxista que gera uma certa
desvalorização da esquerda.
As bases de seu pensamento,
expressas no manifesto comunista ainda tem muito a ver com a nossa realidade
atual, parece mesmo que se ampliou a veracidade de suas afirmações, já que
muitos dos eventos tratados se tornaram quase explícitos nessa era pós-moderna.
Um exemplo seria o que, mais tarde, ficaria denominado como “destruição
criativa” burguesia, ou seja, a possibilidade de estar renovando constantemente
as relações de produção e, assim, revolucionando as relações sociais: a
sociedade passou por quatro revoluções industriais, que mudaram a forma da
sociedade se relacionar. Hoje, a tecnologia muda a cada a ano: criam-se ciclos de
avanço tecnológico, como é o caso dos smartphones por exemplo, que mudam
anualmente (Apple, Samsung etc.).
Contudo, o manifesto já não
cumpre mais o seu papel original de fomentar a luta do proletariado; hoje, se
estuda esse livro mais com fins acadêmicos do que como um manual
revolucionário. Como disse o sociólogo Agnaldo de Sousa Barbosa, professor
doutor da universidade paulista Júlio de Mesquita filho (UNESP), é necessário
se atualizar o manifesto comunista, criar um novo “vem ser feliz” para as
classes exploradas, motivando-as e direcionando-as para que elas possam lutar por
seus direitos de forma mais eficaz e efetiva.
Tiago de
Oliveira Macedo- 1ºano Direito diurno- aula 8