Já
podendo ser extraído de Locke, Montesquieu e Rousseau, em seus discursos
liberais de cidadania, o assunto em voga é a questão das cotas raciais e da
promoção da igualdade sob á luz do ilustre sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
Posto que, hodiernamente, vivemos num
Brasil onde se constata, em relação aos negros, uma discriminação, que se camufla,
cada vez mais, perante o discurso da “aceitação das diferenças”, presente na
fala de todos. Isto é necessariamente verdade? Basta-se observar quantos negros
estão, neste exato momento, ocupando altos cargos públicos ou de empresas
privadas, quantos estão presentes em cada sala de aula nas universidades publicas
e etc; só assim para se ter uma ideia real da problemática em nossa sociedade
marcada por desigualdades, na qual a igualdade não se impõe como ideal
emancipatório; mas acaba por excluir o que é diferente.
Nesse
interím, conceitualmente, tem-se que para uma sociedade justa e a promoção de
direitos, deve-se romper a igualdade formal, rumo a material/substantiva. Tendo isto em vista, requer-se o combate à
discriminação unido a ações afirmativas, estas concebidas como: politicas de
cunho temporário que visam a reparar um passado histórico de discriminação e
inferioridade nos planos econômicos, sociais e políticos; bem como sua repercussão
nos dias atuais. Enquanto a primeira, refere-se
á toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou
resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, dos
direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico,
social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Dentro destas duas tônicas
se inserem as cotas raciais.
Dando
continuidade e tendo em vista Boaventura, as cotas raciais se assentam como nada
mais que uma reinvindicação de classes ( minorias sociais). A sua luta por
direitos é um combate pela emancipação social, que se expressa na linguagem do
contrato social, como um desejo de inclusão, contra a exclusão. O que, segundo o autor, é cada vez mais
difícil havendo no presente o conservadorismo, sob a denominação de
neoliberalismo, no qual a emancipação social se vê bloqueada por meios legais e
pela superioridade da importância atribuída ao capital, promovendo o aumento
das desigualdades e opressão aos desfavorecidos. Desse modo, se a união entre
regulação e emancipação promove-se a transformação social, o que resta é o
Direito para tal.
Ademais,
também para o pensador, há uma espécie de contrato social que pressupõe o bem
comum e a vontade geral, e encontra-se fragmentado, tendo em visa as inúmeras
minorias sociais. Todavia, este não passa de um falseamento, uma mera aparência
de compromisso, reafirmando o status, a hierarquia social e a desigualdade
econômica. Dessa forma, esta crise da contratualização moderna fomenta o
predomínio dos processos de exclusão sobre os de inclusão. O que se expressa pelo
pós-contratualismo (grupos sociais antes incluídos se veem excluídos) e
pré-contratualismo (grupos que antes eram candidatos à cidadania são impedidos
de alcançá-la), onde em ambos as pessoas o são apenas cidadãos no ponto de
vista formal. Outrossim, através de tal processo, suscita-se o fascismo da
insegurança, resultado da privatização constante de esferas fundamentais da
vida social (educação, saúde, previdência): “a estabilidade dos mercados e dos
investimentos só é possível à custa da instabilidade das expectativas das
pessoas, criando uma subclasse dos excluídos”.
Nutrindo, desse modo, uma sociedade civil estranha (onde os indivíduos
gozam de direitos civis e políticos, mas tem acesso escasso aos direitos sociais
e econômicos).
Indo
mais além, dentro deste contexto, houve uma globalização hegemônica neoliberal,
a qual suprime a emancipação social. Entretanto, ao mesmo tempo em que ela
propagou um modelo de dominação e exclusão, a mesma criou forças para os
movimentos contra hegemônicos se organizarem e lutarem pela emancipação social.
Assumindo esse papel contra hegemônico, cabe ao Direito cosmopolita (mais
democrático e participativo), se reinventar para se adequar as reinvindicações
dos grupos sociais subalternos, que lutam por alternativas à globalização neoliberal,
de modo a superar tal vertente hegemônica. Como também confrontar o fascismo
social e a hiperexclusao, além de não legitimar o contrato social da legalidade
demoliberal e alimentar uma justiça transformadora. Juntamente com ele é preciso
da política da globalização contra hegemônica e do cosmopolitismo subalterno/
legalidade cosmopolita (refere-se a expectativas sociais e identificação de
grupos cujas aspirações são negadas pelo uso hegemônico do conceito, prevendo projetos
emancipatórios, de inclusão social). Sendo as cotas, expressão deste direito
para vivificar uma sociabilidade que favorece a convialidade: reconciliação
voltada para o futuro, na qual os agravos do passado são resolvidos de maneira
a viabilizar sociabilidades alicerçadas em trocas iguais.
No
entanto, apesar de todo o esforço, é necessário ainda maior avanço no campo
legislativo, uma vez que a democracia representativa fracassa frente á
corrupção, á não aceitação da democracia participativa e o uso dos direitos de
maneira não autônoma e não exclusivista, para que assim, haja uma consolidação
do que preconizou Boa Ventura de Sousa Santos e o que se deve ocorrer tendo em
vista as costas raciais: “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença
nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade
nos descaracteriza (...)”; ou seja, alicerçar uma igualdade que reconheça as
diferenças, que se discrimine
positivamente em favor dos socialmente desprivilegiados, introduzindo um
tratamento desigual para produzir, no futuro e em concreto, a igualdade.
Tendo isto alcançado, se promoveria a recuperação da
identidade nacional, fim do circulo vicioso que joga o negro na pobreza, pagamento de uma divida
colonial, efetuação da isonomia e da universalidade dos direitos humanos, progressiva
integração social, culminando na promoção de uma justiça social, a qual
incorpora na sociedade valores culturais diversificados e um pluralismo de
ideias; e de uma cidadania cultural (interseccionalidade entre igualdade e
princípios da diferença). Logo, como já postulara Boa Ventura, haveria o
triunfo da luta da contra-hegemonia em combate á perpetuação do racismo.
Maria Izabel Afonso Pastori- 1º Ano- Direito Noturno.