Nos primórdios da construção das sociedades antigas, aquelas que serviram de matriz para as atuais, encontrava-se uma divisão de terras diferentes da que é vista hoje, lá tinha-se a propriedade de uma área não como produto de um mercado, mas sim como parte de um jogo de interesses entre os dominadores de determinada civilização. Possuíam essa terra somente aqueles homens que encaixavam nos parâmetros de “cidadão” então estabelecido, detivessem de grande poder econômico e elevado prestígio social. Nessas sociedades o direito era divergente entre os níveis nos quais a população se encontrava, sendo então privados da terra aqueles que estavam em um grau inferior na divisão social ou na escala econômica. Com esse quadro problemático, não tardou para que mudanças fossem feitas, comandadas por um grupo que surgiu ao longo da evolução histórica, tais revoluções foram intituladas como “Revoluções Burguesas”, por possuírem primordialmente interesses dessa “classe”, como o do livre mercado, igualdade de direitos e o da proteção da propriedade privada. Com tais revoluções observou-se uma alteração na logística da divisão de terras, pareceu dessa vez ser possível aquisição de um terreno por aqueles que não detinham de prestígio social, não obstante, o que se observou foi a concentração de terras novamente, mas agora não nas mãos daqueles possuidores de títulos sociais e sim na parcela mais rica dessas populações.
As sociedades continuaram a evoluir, paralelamente observou-se o desenvolvimento do direito que regia as relações entre os cidadãos. Tal evolução foi tamanha que a população ainda marginalizada conseguiu conquistar grande espaço no ambiente jurídico, conquista essa observada na própria Constituição Brasileira de 1988, considerada a mais humanista entre as brasileiras. Em tal documento são verificados inúmeros direitos e deveres dos cidadãos, sendo direcionados a todos sem nenhuma distinção. Infelizmente, o que está explícito em nossa Constituição na maioria das vezes não é observado na prática jurídica, há grande divergência entre o âmbito normativo e fático do direito vigente (teoria da Tridimensionalidade de Miguel Reale), os magistrados, apesar de possuírem o dever de julgar como está previsto nas normas, tendem a ignorar os preceitos jurídicos priorizando seus interesses e suas convicções.
Á exemplo tem-se o caso do Pinheirinho, o qual expõe com clareza o contraste entre a dimensão da eficácia jurídica e direito positivado. Nesse caso houve afronta à constituição, irregularidade no processo utilizado e, principalmente, lesão à dignidade humana. Como foi relatado, milhares de cidadãos foram expulsos de um terreno abandonado pelo proprietário e ocupado por diversas famílias há anos. Tal área não cumpria com o seu dever social preposto na Constituição, estava com os impostos atrasados, não tinha sua ocupação legitimada pelo suposto “dono” do imóvel e, além de tudo, era originado de fontes duvidosas, não se tendo ao certo como tal propriedade foi adquirida pela empresa Selecta SA. Dessa forma, tal área detinha inúmeros motivos para desapropriação, não obstante tal fato não se concretizou. Foi necessário então que algumas famílias se abrigassem no terreno para que a empresa, naquele momento já declarada massa falida, entrasse com um pedido de reintegração de posse, o qual foi aceito pelo judiciário de forma duvidosa e promovido pelo executivo de modo abusivo.
Com uma análise Weberiana é possível entender e caracterizar as motivações de juízes em decisões injustas como essa, levando em consideração a teoria criada acerca das racionalidades do direito. A racionalidade que se assemelha com a tida pela magistratura une material (axiológica) e prática (utilitária). Tendo em foco a síntese da união de ambas, observa-se a grande carga moral e ética de Márcia Loureiro (juíza responsável pelo julgamento), a qual desconsidera toda a carga social presente nos fatos, visando apenas a questão mercadológica e política do caso. É também presente a idéia do “utilitarismo” pensada pelo sociólogo, a qual aponta a transformação da “razão” á “razoabilidade”, nesse sentido é racional priorizar a visão financeira visto que atualmente essa prevalece sobre a humana. Ademais, o “direito natural material” vinculado aos interesses daqueles já mencionados detentores do poder monetário e, por conseguinte, o controle político, prevalece ante o “direito natural formal”, constituído objetivado pela maioria da sociedade
Na visão de Max Weber, não há fatores no capitalismo que contribuam para racionalização do direito, afirma que o desenvolvimento econômico e social moderno, pelo contrário, prejudica o racionalismo jurídico formal. Todavia, o pensador reconhece a influência dos interesses e ações dos grupos marginalizados pela lógica do mercado e acredita na conquista de espaço na justiça material, sendo assim necessárias pressões políticas para a prevalência dos direitos conquistados. Para que assim, as normas obtidas com muitas lutas e escritas com o sangue da população não sejam meramente ilustrativas e sim seguidas à risca pelos magistrados, para a concretização do real “bem-comum” ambicionado por todo ordenamento jurídico.
Iago Gasparino Fernandes – Direito Diurno XXXV